Acórdão nº 50003485620198210114 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003485620198210114
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003107127
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000348-56.2019.8.21.0114/RS

TIPO DE AÇÃO: Consórcio

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSORCIO LTDA (RÉU)

APELADO: JAMILE RODRIGUES DA SILVA AREND (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSORCIO LTDA contra sentença de procedência proferida nos autos da ação de cobrança n. 5000348-56.2019.8.21.0114, ajuizada por JAMILE RODRIGUES DA SILVA AREND, constando no dispositivo (evento 56, DOC1):

(...) Isso posto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, aos efeitos de CONDENAR a demandada a ressarcir à autora o valor de R$20.867,69, referente à cota 703-07 e R$47.026,58 relativos à cota 069-08, ambas do grupo 0319 administrado pela acionada, derriscando-se a multa contratual em favor da administradora e do grupo de consórcio, mantida a taxa de administração e o fundo de reserva, nos termos da fundamenta. Os valores deverão ser acrescidos de IGP-M desde cada desembolso e juros legais contados de 29/10/2018.
Diante deste resultado, condeno a acionada ao pagamento das custas processuais e honorários aos procuradores da autora, que fixo em 10% do valor atualizado da condenação (art. 85, §2°, do CPC).

Registre-se. Intimem-se. (...)

Em suas razões (evento 74, DOC1), suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença, afirmando que teria sido extra petita ao modificar o percentual de adimplemento das cotas da autora. Defende a ausência de onerosidade no contrato na modalidade consórcio. Aponta que o valor indicado se refere ao lance embutido ofertado pela consorciada em suas cotas, quantia que não pode ser considerada como pagamento realizado, de modo que deve ser excluída dos cálculos da restituição. Afirma que a sentença incorreu em erro de fato, nos termos do §1º do art. 966 do CPC. No mérito, alega que a autora pagou R$ 43.966,66 quanto ao primeiro contrato, e R$ 115.746,47 quanto ao segundo, ao passo que o juízo singular apontou o adimplemento de R$ 122.823,07 e R$ 174.630,65, respectivamente. Discorre acerca do lance embutido e sobre como o consorciado não desembolsa qualquer recurso para ofertá-lo. Observa que inexistindo contemplação da cota por lance embutido, o valor do lance é estornado. Destaca que as quantias acima mencionadas foram devidamente creditadas na conta de titularidade da autora, não havendo montante a ser restituído. Junta extratos, cálculos e comprovantes de transferência. Requer a reforma da sentença, de modo que a apuração dos valores que deverão ser restituídos leve em conta apenas aqueles efetivamente pagos. Pugna, assim, pela apreciação do extrato do consorciado, em especial o campo 'conta corrente'. Afirma que alterou a cláusula 42, com a interveniência do Ministério Público, visando a recompor os prejuízos que os consorciados desistentes e excluídos transferem à administradora de consórcio com a saída prematura. Tece comentários acerca da legalidade da multa aos consorciados desistentes. Postula seja a correção monetária calculada com base no percentual amortizado do valor do bem ou do serviço vigente na data da assembleia de contemplação, sustentando não ser aplicável ao caso a Súmula nº 35 do STJ. Por fim, pugna pela apreciação equitativa dos critérios contidos nos §2º do art. 85 do CPC, a fim de evitar a estipulação em valor irrisório ou excessivo.

Intimada, a apelada apresentou contrarrazões (evento 80, DOC1).

A seguir, subiram os autos a esta Corte e vieram conclusos para julgamento.

Em razão da adoção do sistema informatizado, os procedimentos ditados pelos artigos 931 e 934, ambos do CPC, foram simplificados, sendo, no entanto, observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

De plano, destaco que quanto ao pedido da ré para constar que a apuração dos valores que deverão restituídos à autora sejam apenas aqueles efetivamente quitados, desconsiderando as quantias a título de lance embutido, não merece ser conhecido o recurso da demandada.

Isso porque as razões deduzidas revelam inovação recursal, já que tal matéria não foi alegada em sede contestacional (evento 43, DOC1), de modo que o exame da referida questão configuraria supressão de grau de jurisdição.

Logo, quanto ao ponto supramencionado, não há como conhecer da apelação cível interposta pela ré, uma vez que traz fundamentação que não fora objeto da contestação, não se tratando de matéria de ordem pública.

Nesse sentido, já decidiu esta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. ADMISSIBILIDADE RECURSAL. É VEDADO O CONHECIMENTO, EM GRAU RECURSAL, DE PEDIDO NÃO VEICULADO PERANTE O JUÍZO DE ORIGEM, POIS IMPORTARIA INOVAÇÃO OFENSIVA AO CONTRADITÓRIO, AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, LV E LIV; CPC, ART. 1º E 7º). IGUALMENTE NÃO SE CONHECE DE RECURSO SOBRE PONTO ACERCA DO QUAL NÃO HAJA SUCUMBÊNCIA DO RECORRENTE, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. CONSOANTE ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO RESP Nº 1.061.530/RS, SUBMETIDO AO REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS, O AFASTAMENTO DA MORA OCORRE APENAS QUANDO HÁ COBRANÇA DE ENCARGOS ABUSIVOS DURANTE O PERÍODO DA NORMALIDADE CONTRATUAL, O QUE SE VERIFICA NO CASO EM ANÁLISE. MULTA COMINATÓRIA. A INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE, CONFORME ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, É REQUISITO PARA QUE A MULTA COMINATÓRIA SE TORNE EXIGÍVEL (SÚMULA 410 DO STJ). RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50066268820208210033, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 29-03-2022)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. REVISÃO DE ENCARGOS. CABIMENTO. 1. Não se conhece da apelação quanto à preliminar de inépcia da petição inicial, porquanto não contemplada na contestação. Trata-se de inovação recursal, a obstar seu conhecimento neste grau de jurisdição, sob pena de supressão de instância. 2. É possível a revisão ampla dos contratos bancários à luz das normas do Código de Defesa do Consumidor. 3. Juros remuneratórios contratados em patamar que discrepa substancialmente da taxa média de mercado apurada pelo BACEN que deve servir de parâmetro para a limitação, em parte dos contratos que são objeto do litígio. 4. Admitida a incidência da comissão de permanência, desde que pactuada, para a hipótese de mora, a qual limitada à soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, e de forma não cumulativa a estes. Constatada a abusividade do valor da comissão de permanência, por seu montante, haverá sua limitação à soma dos encargos remuneratórios e moratórios. 5. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, resta descaracterizada a mora quando evidenciada a cobrança de encargos abusivos no período da normalidade. Configurada a abusividade na contratação dos juros remuneratórios devem ser afastados os encargos moratórios. 6. Quanto ao prequestionamento, não restou verificada afronta a quaisquer dispositivos. 7. Sucumbência readequada. APELAÇÃO DO RÉU CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. RECURSO ADESIVO PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70080112709, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudia Maria Hardt, Julgado em: 26-09-2019)

Quanto às demais questões, merece ser conhecida a apelação cível.

Preliminares

De início, afasto a preliminar de nulidade da sentença por vício extra petita.

É bem verdade que, inobstante fundamentado na petição inicial, a parte autora deixou de formular pedido expresso de modificação quanto ao percentual quitado.

Calha ressaltar, no entanto, que o STJ já se manifestou reiteradas vezes no sentido de que "o pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição, a partir da análise de todo o seu conteúdo" (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010).

Vale menção, ainda, o destaque feito no julgamento do AgRg no Resp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que "não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda".

Portanto, viável dar interpretação extensiva ao pedido, de modo a contemplar, também, a modificação quanto ao percentual pago, subentendida na expressão "condenar a requerida a restituir à requerente os valores pagos referentes às cotas 069-07 e 703-07 do Grupo 0319" (item "c", p. 12 do evento 1, DOC1).

Afasto, também, a preliminar de erro de fato, forte no art. 966, § 1º do CPC, porquanto o instituto mencionado aplica-se a ação rescisória, enquanto, no caso concreto, cuida-se de julgamento de recurso de apelação.

Com tais considerações, afasto as preliminares suscitadas pela empesa ora recorrente.

Cláusula penal

Consoante entendimento sedimentado deste Tribunal, para fins de exigibilidade da cláusula penal, em se tratando de contrato de consórcio, é imprescindível que a administradora demonstre o prejuízo sofrido. Isso porque, além de o bem não ter sido entregue ao consorciado desistente, este, em regra, será substituído por outrem, que irá restituir o equilíbrio das prestações do grupo.

Nesse sentido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CONSÓRCIO. CONSÓRCIO DE BEM IMÓVEL. DESISTÊNCIA DO CONSORCIADO. OMISSÃO QUANTO AOS DESCONTOS POSTULADOS...

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