Acórdão nº 50003493120188210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003493120188210064
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001450727
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000349-31.2018.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

APELANTE: IPE-SAÚDE - INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: CHRISTIAN COGO DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: FELIPE COGO DOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível e de recurso adesivo interpostos, respectivamente, por IPE-SAÚDE e CHRISTIAN COGO DOS SANTOS e FELIPE COGO DOS SANTOS, nos autos da ação movida em desfavor do IPE-SAÚDE, contra a sentença que acolheu a pretensão inicial, nos seguintes termos:

Em suas razões, o IPE-SAÚDE sustenta, em síntese, a ausência de responsabilidade para o fornecimento e custeio de tratamentos que não estejam previstos nas tabelas da autarquia, como ocorre em relação ao procedimento pleiteado pelos requerentes. Aduz que o IPE-SAÚDE consiste em plano de autogestão, não sujeito às normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, sendo-lhe aplicáveis, isso sim, os princípios da administração pública. Pede o provimento do apelo para que seja julgada improcedente a ação.

Apresentadas contrarrazões, os autores protocolaram, em seguida, recurso adesivo, manifestando sua inconformidade com o valor fixado a título de honorários advocatícios de sucumbência. Postularam a majoração da verba honorária em quantia entre 10 a 20% sobre o valor da causa.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público, em parecer, opinou pelo não conhecimento do recurso adesivo e pela desconstituição da sentença, ou, alternativamente, pelo desprovimento de ambos os recursos.

Determinada a intimação dos procuradores dos autores para recolhimento do preparo em dobro do recurso adesivo, sob pena de deserção, peticionaram informando a desistência recursal.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Preliminarmente, cumpre acolher a manifestação apresentada pelos recorrentes/autores no Evento 15, ao efeito de homologar a desistência recursal, na forma do artigo 998 do Código de Processo Civil.

Por sua vez, atendidos os requisitos legais de admissibilidade, conheço do apelo interposto pelo demandado.

O autor Felipe é beneficiário do IPE-SAÚDE e, nesta condição, pretende seja o requerido compelido à disponibilização/custeio de procedimento de transplante alogênio de medula óssea, assim como de exames inerentes ao tratamento, em consequência de patologia residual de leucemia mielóide aguda. Sinala-se que o demandante Christian é irmão de Felipe e se revelou doador compatível para o transplante.

O demandado, ao seu turno, nega a possibilidade de fornecimento do tratamento porque não previsto nas suas listas de itens atendidos pelo plano.

Pois bem.

Os laudos médicos emitidos pela médica Dra. Caroline Pelliocioli Brun comprovam que o requerente Felipe tem sido submetido a tratamento oncológico desde o ano de 2017 e, em desdobramento do quadro, a fim de atender a doença residual mínima positiva detectada na medula óssea, precisava realizar, com urgência, transplante de medula, sob risco de recidiva precoce. Ilustra-se:

Cabe ressaltar que o procedimento fora executado no decorrer da lide, sob responsabilidade do réu, em razão da concessão da antecipação de tutela.

E, no contexto apresentado nos autos, não se há de admitir a negativa da autarquia, porquanto o Plano IPE-Saúde é integrado por atendimento médico, hospitalar, atos necessários ao diagnostico e ao tratamento do paciente beneficiário do plano.

Em tal moldura, em que pese o art. 4º da Lei Complementar n. 15.145/18, que revogou a Lei Complementar n. 12.134/04, disponha que integram o plano de saúde atendimentos médicos, hospitalares, ambulatoriais, laboratoriais, bem como atos necessários ao diagnóstico e aos tratamentos, exceto os tratamentos não previstos nas tabelas do próprio Instituto, o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte é cristalino quanto à impossibilidade do plano de saúde eleger as espécies de tratamento fornecidos ao segurado.

Nesse sentido, destaco precedentes da Corte Superior:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. REEXAME. SÚMULA N. 7/STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. É abusiva a cláusula que exclui da cobertura do plano de saúde procedimento ou medicamento necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas no referido plano. Precedentes.

[...].

(AgInt no AREsp 1353634/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 21/05/2019).

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. SÚMULA 608/STJ. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NATUREZA ABUSIVA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Com relação à inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em voga, incide a Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." Não obstante tal posicionamento, ressalta-se que permanece a obrigação dos planos de saúde de autogestão de cumprirem as obrigações legais e contratuais.

2. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que "o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura, e que é abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento, medicamento ou procedimento imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário" (AgInt no AREsp 1.100.866/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017) 3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1739747/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 30/10/2018).

No mesmo norte, cito julgados deste Tribunal, alguns já sob o prisma da Lei n. 15.145/2018:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO PÚBLICO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO DE IMUNOTERAPIA. AÇÃO DE REEMBOLSO DE DESPESAS. NEGATIVA DO IPERGS. IMPOSSIBILIDADE. CÂNCER DE PULMÃO METASTÁTICO, ESTÁGIO IV. MEDICAÇÃO. PEMBROLIZUMABE. IMPRESCINDIBILIDADE E URGÊNCIA DO TRATAMENTO COMPROVADAS. DESCABE AO PLANO DE SAÚDE PÚBLICO SELECIONAR O TIPO DE MEDICAÇÃO NECESSÁRIA AO TRATAMENTO DO SEGURADO. A Lei Complementar nº 15.145/2018, que dispõe sobre o Plano de Saúde do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPE-SAÚDE), prevê a cobertura de atendimentos médicos, hospitalares, ambulatoriais, assim como os atos necessários ao diagnóstico e ao tratamento da patologia de que padece o beneficiário.Em que pese a edição da Lei Complementar nº. 15.145/2018, que altera a Lei Complementar nº. 12.066/2004, disciplinando que descabe a imposição ao IPERGS de medicamentos não previstos em seus regramentos, entendo que a falta de previsão no Protocolo Oncológico 2010 e o alto custo do medicamento não devem servir de obstáculo ao fornecimento do tratamento postulado, visto que demonstrada a necessidade do uso do fármaco, bem como a condição de segurada da autarquia. [...] APELO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível, Nº 70084227479, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em: 30-07-2020). Grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. IPERGS. IPÊ-SAÚDE. RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RIBOCICLIBE (KISQUALI®). TRATAMENTO ONCOLÓGICO. NEGATIVA ADMINISTRATIVA CALCADA NA AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. CRITÉRIO DE EXCLUSÃO EXPRESSA DE COBERTURA. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO IPÊ-SAÚDE. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DEVIDOS A PROCURADOR PARTICULAR. APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JULGADOR. MINORAÇÃO. CABIMENTO. 1. Uma vez comprovada a cisão do IPERGS em IPÊ-SAÚDE e IPÊ-PREVIDÊNCIA, impõe-se a retificação do polo passivo da presente demanda. 2. Em que pesem as disposições da Lei Complementar nº 15.145/18, tem-se que a ausência de previsão no Protocolo Oncológico não deve servir de obstáculo ao fornecimento do tratamento médico postulado. Inclusive, válido ressaltar que, de acordo com as Recomendações em Oncologia do próprio Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, atualizadas em dezembro de 2018 – elaboradas pelo Comitê Científico de Oncologia e Hematologia da Sociedade de Cancerologia do Rio Grande do Sul – as orientações ali constantes não têm pretensão de ser completas ou definitivas, restando destacado, ainda, que “não tem como objetivo interferir na conduta médica ou autonomia profissional” e que “casos excepcionais e não previstos neste momento poderão ser encaminhados para discussão”, sendo que estes medicamentos “serão revisados continuamente”. 3. Assim, considerando que as Recomendações não apresentam caráter definitivo ou excludente – e, ao revés, preveem expressamente a possibilidade de exame de casos excepcionais, bem como a não intervenção na autonomia do médico assistente –, desarrazoado negar acesso do segurado a tratamento médico oncológico cujos protocolos adotados não se pretendem definitivos e se encontram, em contínua revisão, mormente quando a perícia médica judicial é favorável à pretensão da demandante. 4. Ainda que assim não fosse, ao Plano de Saúde não cabe selecionar o tipo de tratamento que será coberto. Ou seja, assim como ocorre nos Planos de Saúde de natureza privada, se há previsão contratual de cobertura da patologia, não cabe ao Plano de Saúde ou ao Poder Judiciário selecionar o tipo de tratamento que terá ou não cobertura. Exegese do ...

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