Acórdão nº 50003627520168210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003627520168210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001679410
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000362-75.2016.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: SANDRO JOSE SZORTIKA (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis interpostas por SANDRO JOSE SZORTIKA e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D contra a sentença (Evento 3, doc. 3, fls. 36/43) que, nos autos da ação indenizatória, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

"(...) Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 15.141,25 (quinze mil, cento e quarenta e um reais e vinte e cinco centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em globais 12% sobre o valor da condenação, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 10% e 5%), seguindo os parâmetros do art. 85, §2º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar. (...)"

O autor, em suas razões (Evento 3, doc. 5, fls. 46/50, e doc. 6, fls. 01/09), sustenta que a decisão proferida em primeiro grau é totalmente contrária a jurisprudência deste Tribunal. Afirma que os danos restaram amplamente demonstrados nos autos, através da juntada de laudos firmados por profissional com registro no CREA/RS. Defende ter realizado protocolo administrativo junto a CEEE-D, oportunizando à requerida vistoriar o fumo danificado e a estufa, bem como realizar demais procedimentos, o que, de fato, foi feito, não podendo a ré alegar prejuízo na defesa. Assevera ser pequeno agricultor em regime de economia familiar, possuindo poucos hectares de terra e sendo, portanto, hipossuficiente. Assim, reporta inadmissível o entendimento de que a relação entre ele e a concessionária ré não é de consumo por estar ligada à atividade econômica. No mais, aponta que fumicultores não detém condições financeiras de comprar um gerador para suprir a má prestação de serviços da parte ré. Colaciona legislação e jurisprudência para corroborar seus argumentos. Insurge-se contra o abatimento do valor indenizatório para pagar a sucumbência aos procuradores da apelada, afirmando ser beneficiário da AJG e, portanto, isento do pagamento de custas e honorários. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para o julgamento de procedência total dos pedidos iniciais. Ao final, requer o provimento do apelo.

A ré, em suas razões (Evento 3, doc. 6, fls. 13/29), sustenta, em preliminar, a ocorrência de cerceamento do direito de defesa, ante o indeferimento da prova testemunhal. No mérito, discorre sobre a ausência de culpa da concessionária de energia em relação ao ocorrido, alegando ter havido o rompimento de um cabo de alta tensão, ocasionando a interrupção de energia por fato imprevisível e alheio, sem qualquer conduta negativa da ré. Aponta, ainda, a inexistência de serviço de distribuição de energia elétrica sem interrupção, devendo o consumidor providenciar, por seus próprios meios, que tal interrupção seja suprida através de geradores, para não lhe causar prejuízos. Discorre sobre a inexistência do dever de indenizar, seja material ou moralmente, tendo em vista a ausência de comprovação dos danos alegados pela parte autora, bem como tece considerações acerca da indústria do dano. Defende a incidência da excludente de responsabilidade por força maior, em razão de temporal ocorrido no local reclamado. Insurge-se contra a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para o julgamento de improcedência total dos pedidos. Ao final, requer o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 3, doc. 6, fls. 38/50, e doc. 7, fls. 01 e 04/16).

Os autos, inicialmente físicos, foram digitalizados para cadastramento e distribuição no sistema eproc, vindo-me conclusos para julgamento, logo após.

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo os recursos interpostos, porquanto atendidos os seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, comprovado o preparo pera ré e dispensado pelo autor, que litiga sob o pálio da AJG.

Inicialmente, cumpre afastar a preliminar de nulidade da sentença aventada pela concessionária demandada, sob o argumento de que o indeferimento de oitiva de testemunha acarretou-lhe cerceamento de defesa.

Sem razão.

É cediço que cabe ao juiz, destinatário da prova colhida no curso da instrução, deliberar sobre a necessidade, ou não, da produção de determinada prova para formação de seu convencimento.

Logo, entendendo o magistrado, a quem a prova é dirigida, que os elementos constantes dos autos bastam à formação do seu convencimento, não há óbice ao julgamento antecipado da lide, evitando-se, assim, onerar as partes e retardar a prestação jurisdicional.

Afastada a preliminar portanto.

Ainda antes de entrar no mérito propriamente dito, acho importante consignar meu entendimento sobre o assunto. Venho enfrentando essas questões envolvendo a perda de qualidade do fumo, por falta de energia, há muitos anos, desde quando ainda exercia jurisdição nas Turmas Recursais e, em razão disso, tive oportunidade de acompanhar, de alguma forma, a evolução da jurisdição gaúcha no trato dessa controvertida questão.

Em um primeiro momento, com base no Código do Consumidor, considerando a responsabilidade objetiva, e erigindo-se o pequeno produtor, embora use a energia elétrica como insumo para sua produção, à condição de consumidor, em face da teoria mista, acabou-se entendendo existir direito à indenização pela perda da qualidade do produto toda vez que demonstrado ter isso decorrido de interrupção no fornecimento de energia.

Nessa primeira fase, acolhiam-se laudos particulares ou de associações como prova e meio de quantificar o dano. Tal circunstância, inclusive, acabou gerando algumas distorções, ante a apresentação de laudos falsos, o que exigiu, ao menos no âmbito das Turmas Recursais, alterações de posicionamento para comprovação e quantificação do prejuízo, culminando com a Súmula nº 25 que, ante a dificuldade de análise da questão, firmou que aquela jurisdição especial (preservados os casos pendentes) não mais seria competente para o julgamento deste tipo de feito. A saber:

SÚMULA Nº 25 - Publicada no DJ, edição 4813, pág. 115 de 19.04.2012:

Os Juizados Especiais Cíveis são incompetentes para o conhecimento e julgamento das ações de reparação de danos decorrentes da oscilação ou suspensão do fornecimento de energia elétrica na atividade de secagem de fumo, ressalvados os processos já em curso no primeiro e segundo graus. Aplica-se o disposto nesta Súmula a contar de sua publicação, revogando-se a Súmula 22 das Turmas Recursais Cíveis.

Em assim sendo, essa matéria está sendo julgada única e exclusivamente pelo Tribunal de Justiça.

Como já externei em outras questões similares envolvendo indenização em face da falta de energia elétrica, entendo que esse tipo de situação, principalmente aquelas envolvendo pretensão a reparação por danos morais - por falta de luz em determinadas localidades - não deveria ser examinada sob a ótica individual, pois além da experiência estar mostrando que esse tipo de intervenção em nada tem ajudado para a melhoria do serviço, não temos a menor condição de enfrentar esse tipo de litígio individualmente. Acaba-se por abarrotar o Judiciário com milhares de ações, a quase totalidade sob o abrigo da gratuidade, não permitindo, inclusive, um controle de quem foi efetivamente prejudicado.

Esse tipo de ocorrência, até como solução para melhoria do serviço, deveria ser enfrentada, de início e principalmente, pela ANEEL; e, caso houvesse a efetiva necessidade de intervenção judicial, que se fizesse através de ações coletivas, valorando-se não a perda individual, mas sim, por exemplo, com a condenação de indenização por danos morais coletivos alcançados àquela coletividade prejudicada.

Já no que diz respeito à questão das indenizações por danos materiais, envolvendo fumicultores e pequenos produtores rurais, diante da perda da qualidade da produção por falta de energia, entendo que urge revisão da posição hoje adotada pela jurisprudência dominante.

Sempre respeitando entendimento diverso, mas acho que efetivamente estamos deixando de considerar uma série de situações importantes que envolvem esse tipo de demanda.

No ano de 2015, por iniciativa do colega Eugênio Facchini Neto, o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do RS, no Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos, realizou palestra acolhendo os vários setores envolvidos nessa espécie de situação, desde representante de associação dos fumageiros, até as empresas de energia elétrica, e ali, após ouvir as manifestações, pude firmar convicções que já vinha consolidando com o enfrentamento sistemático desse tipo de litígio.

Com o brilhantismo de sempre, em seu voto na Apelação Cível nº 70069954626, o...

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