Acórdão nº 50003669820168210044 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003669820168210044
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003215839
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000366-98.2016.8.21.0044/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: ADILSO VENCO (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

ADILSO VENÇO propôs ação indenizatória por danos materiais em face de RIO GRANDE ENERGIA – RGE, todos qualificados. Preliminarmente alegou que em uma futura pedida de prescrição pela parte adversa não deveria prosperar. Relatou no mérito que é agricultor, exercendo a atividade em regime de economia familiar, tendo como atividade principal o cultivo de tabaco, por meio de sistema integrado com a fumageira. Informou que no 30 de Janeiro de 2014, por volta das 14 horas houve a interrupção da energia elétrica onde se perdurou por aproximadamente 117 horas e não houve aviso prévio da requerida. Narrou que teve perda da qualidade do fumo durante o processo de secagem devido à falta de energia elétrica, o que lhe causou sérios prejuízos financeiros. Disse que teve a perda de 1.800kg de fumo, resultando em um ônus de R$16.596,00. Assinalou que a requerida é responsável pela manutenção da sua rede e pela adoção de mecanismos de proteção para evitar prejuízos aos usuários de seus serviços, além de tratar-se de uma relação de consumo, baseada na responsabilidade objetiva do fornecedor. Evidenciou que entrou com um processo nessa mesma comarca, onde foi extinto por incompetência. Alegou que houve abalos psicológicos, haja vista que se sentiu desconfortável e humilhado vendo sua fonte de sustento se depreciando. Ao final, requereu a condenação da demandada ao pagamento de R$16.596,00(...) mais danos morais corrigidos e acrescidos de juros. Postulou ainda a inversão do ônus da prova e a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Sobreveio sentença de improcedência da ação, condenando a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$1.000,00(...), sendo suspensa sua exigibilidade ante a concessão da AJG (fl. 33) .

A parte autora apelou aduzindo que não é sua obrigação adquirir gerador para fornecimento de energia elétrica, tendo a recorrida obrigação de fornecer serviço público de energia elétrica adequado, eficiente, seguro, de qualidade e manter a continuidade do serviço no fornecimento de energia elétrica. Esclareceu que que um gerador é bem mais inferior do que a energia elétrica disponibilizada para o consumidor, pois o gerador supre a falta de energia em curtos espaços de tempo. Afirmou que um gerador não supriria a falta de energia no presente caso, eis que a interrupção de energia elétrica durou período excessivo, sendo que o produtor de fumo conhece o seu trabalho e sabe que as folhas de fumo são sensíveis, e que apenas duas a três horas de interrupção da energia elétrica são suficientes para acarretar perda do produto que estavam nas estufas elétricas. Defendeu que não há prova da ocorrência de caso fortuito ou força maior a ensejar a interrupção do fornecimento de energia elétrica por prazo tão longo. Discorreu acerca das irregularidades existentes na perícia administrativa realizada pela demandada. Requereu, por fim, o provimento do recurso (evento 29).

A parte ré apresentou contrarrazões evento 15, CONTRAZ1

Os autos vieram conclusos em 18/01/2023.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de indenização por danos materiais decorrentes da interrupção no fornecimento de energia elétrica na propriedade do autor, a qual teria causado a perda da qualidade do fumo que estava em processo de secagem em estufa, julgada improcedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso de apelação.

Inicialmente, mister destacar que a responsabilidade da empresa ré, na condição de concessionária de energia elétrica e prestadora de um serviço público, é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo pelos danos que seus agentes derem causa, seja por ação, seja por omissão, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual, in verbis:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS PROPOSTA POR FAMÍLIA DE VÍTIMA DE ACIDENTE FATAL. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.

(...)

3. Mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já se reconhecia a responsabilidade objetiva da empresa concessionária de energia elétrica, em virtude do risco da atividade, com fundamento no art. 37, §6º, da CF/88.

4. O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo sendo necessária a manutenção e fiscalização rotineira das instalações. Reconhecida, portanto, a responsabilidade objetiva e o dever de indenizar.

(...)

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(REsp 1095575/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 03/11/2011)

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERDA DA QUALIDADE DE FUMO POSTO PARA SECAGEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. 1. A ré, na condição de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. 2. A interrupção no fornecimento de energia elétrica ocorreu em 29.02.2012, às 08:30, regularizando-se a situação em 02.03.2012 às 12:30. A má-prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica é fato incontroverso, uma vez que a própria requerida não nega tal fato, sendo estes verificados pelos documentos que acostou aos autos. Limita-se, entretanto, a requerer a exclusão de sua responsabilidade sob a tese de culpa da vítima, o que não é o caso dos autos. 3. A declaração da Sig Levantamentos é prova suficiente de que o demandante sofreu perda da qualidade do fumo posto para secagem, em razão da falta de energia elétrica, e que, por tal motivo, teve prejuízos financeiros. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70056598444, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 09/10/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JULGAMENTO COM FUNDAMENTO NO ART. 557, CAPUT, CPC. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CURA DO FUMO. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ONUS PROBANDI DA FORNECEDORA DO SERVIÇO. É objetiva a responsabilidade civil da fornecedora de energia elétrica, tanto pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor (art. 14, caput, CDC), quanto por força da Constituição Federal (art. 37, § 6º, CF). Não restaram comprovadas quaisquer das excludentes previstas no art. 14 do CDC, ônus que incumbia à ré. Condenação de ressarcimento dos prejuízos na cura do fumo mantida. Obrigação de ressarcimento os danos materiais suportados pelo consumidor. Precedentes do TJRS. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. SEGUIMENTO NEGADO. (Apelação Cível Nº 70056595317, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 07/10/2013)

Por outro lado, a concessionária de energia elétrica, por se tratar de responsabilidade civil objetiva, ou seja, sem discussão a respeito de culpa, apenas se exime do dever de indenizar os prejuízos suportados pelos consumidores quando comprovar a inexistência de deficiência no fornecimento de energia ou algumas das excludentes do dever de indenizar (culpa exclusiva do consumidor, caso fortuito ou força maior), tendo em vista ser obrigada a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, sob pena de ter de reparar os danos causados, nos termos do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, sic:

Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

In casu, em que pes eo enetendimento da r. magistrada de origem, o conjunto fático-probatório colacionado aos autos comprovou o dano material suportado pelo autor conforme os laudos de vistorias elaborados por profissional habilitado e fotografias acostados com a petição inicial (evento 01 doc 10), desincumbindo-se o requerente do ônus que lhe recaia, conforme o disposto no artigo 373, inc. I, da legislação processual.

Nesse torvelinho, sinalo que, consoante entendimento já manifestado por este Tribunal de Justiça, o laudo firmado por profissional agrícola, inclusive com registro no Conselho Regional de Engenharia e Agricultura, é prova suficiente dos danos sofridos, não havendo razão para que não lhe empreste crédito e verossimilhança, inexistindo qualquer comprovação por parte da demandada de que seja parcial ou suspeito.

Reforça-se que o laudo apresentado é suficiente para comprovar o prejuízo material suportado pelo autor, pois indica a quantidade e o valor do fumo perdido, assim como as especificações das classes dos produtos que sofreram deterioração.

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