Acórdão nº 50003709320158210134 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003709320158210134
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001558533
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000370-93.2015.8.21.0134/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: JOAO REINKE (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

JOÃO REINKE interpõe recurso de apelação da sentença (evento 4, doc. 4, p. 48-50 e doc. 5, p. 1-4) que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da demanda que move em face da AES SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

Em suas razões (evento 4, doc. 6, p. 7-22), afirma ser pessoa carente sem condições financeiras de arcar com as despesas de perícia. Ressalta que a prova produzida mostra ter sofrido prejuízos com a degradação do fumo, pela falta de energia elétrica. Ressalta que o serviço de fornecimento de energia elétrica possui caráter essencial, de modo que somente pode sofrer interrupção em caráter excepcional, não verificado no caso. Alega tratar-se de consumidor que trabalha como agricultor, sendo notória sua vulnerabilidade técnica diante da concessionária. Sustenta que a aquisição de gerador possui custo elevado para o produtor e que somente tem eficácia para curtos períodos de tempo. Sustenta que não pode ser penalizado pela falha na prestação do serviço.

Requer o provimento do recurso.

Não foram oferecidas contrarrazões (evento 4, doc. 6, p. 25).

Remetidos os autos a esta Corte, vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

A parte autora ajuizou demanda narrando ser produtor de fumo, tendo ocorrido queda de energia elétrica nos dias 21 a 24 de dezembro de 2014, enquanto realizava a secagem de sua produção em estufa elétrica, atingindo o produto em fase de cura, motivo pelo qual requereu indenização por danos materiais.

Inicialmente, consigno que, à espécie, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, pois malgrado a parte autora, pequeno produtor, não seja destinatária final do serviço, está presente a sua vulnerabilidade técnica em relação a fornecedora de energia elétrica ré, situação que atrai a aplicação da “Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada”, que admite, como o próprio nome revela, que o conceito de consumidor final seja mitigado quando evidenciada a vulnerabilidade de quem contrata frente ao fornecedor do produto ou serviço.

Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. 1. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO (CDC, ART. 29). EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDOR. PRÁTICA ABUSIVA OU SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. REVISÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. 2. ANÁLISE DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 3. REQUERIMENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. 4. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Esta Corte firmou posicionamento no sentido de que a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas previstas no CDC. Precedentes. 2. Na hipótese, o Tribunal de origem, com base nas provas carreadas aos autos, concluiu pela ausência de caracterização da vulnerabilidade do adquirente. Alterar tal conclusão demandaria o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, conforme disposto na Súmula 7 do STJ. 3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não se verifica na hipótese examinada. 4. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1285559/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/08/2018, DJe 06/09/2018) [grifei]

Sendo assim, a concessionária demandada responde, perante o consumidor, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos relativos à prestação de seus serviços, consoante estabelece o artigo 141 da legislação consumerista.

Ainda, por ser prestadora de serviço considerado essencial, deve ser observado o disposto no artigo 22 do CDC, prevendo que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quantos aos essenciais, contínuos [grifei].

Outrossim, sendo ré prestadora de serviço público, esta responde objetivamente, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º2, da Constituição da República, pelos danos que seus agentes derem causa, seja por ação seja por omissão.

Existindo, então, o dano efetivo – patrimonial –, e o nexo de causalidade entre o defeito do serviço e a lesão sofrida pelo consumidor, resta configurado o dever de indenizar, salvo se presente alguma das excludentes de responsabilidade: caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva de terceiros.

Ressalto, contudo, que a simples inversão do ônus da prova a que alude o Estatuto do Consumidor (art. 6º, inciso VIII3, do CDC) não exime a parte autora de demonstrar minimamente suas alegações, quando pertinente em função do bem jurídico lesado.

Cabe salientar que o Poder Concedente tem o encargo de regulamentar o serviço concedido e a concessionária, por sua vez, tem o dever de observância das normas técnicas aplicáveis, sujeitando-se, pois, aos regulamentos pertinentes à prestação do serviço, conforme deflui dos arts. 29, inciso I, e 31, incisos I e IV, da Lei nº 8.987/954.

Recorda-se que a Resolução Normativa da ANEEL extrai sua validade do disposto na Lei nº 9.427/96, dispondo que Art. 2º A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal [grifei].

Na situação versada, a concessionária sustenta que as interrupções são fenômenos previsíveis em uma rede de distribuição, alegando que o consumidor deve providenciar gerador próprio a fim de evitar os prejuízos causados pela falta de energia em sua produção (evento 4, doc. 1, p. 49).

Contudo, deve ser afastada a alegação de culpa exclusiva ou concorrente do consumidor pelo prejuízo, por não dispor de gerador próprio, com sistema no-break, ou outro mecanismo capaz de suprir a falta momentânea de energia e, assim, propiciar a continuidade da cadeia produtiva, uma vez que inexiste previsão legal ou contratual nesse sentido.

Por outro lado, o inciso IV do art. 176 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL prevê prazo de 8 (oito) horas para o restabelecimento de urgência da energia em unidade consumidora localizada na zona rural, considerando que a suspensão do fornecimento atingiu diretamente a atividade produtiva5, prazo esse que foi excedido no período alegado na inicial, de modo que não há falar em reparo tempestivo por parte da concessionária.

Em que pese a concessionária alegue que a interrupção ocorreu somente no dia 20-12-2014, admitiu que os temporais iniciaram às 16h30min deste dia e prolongaram-se até "depois das 21hs", bem como observaram-se chuvas fortes e contínuas no dia 21-12-2014, "causando mais danos e atrasando a recuperação da rede" (evento 4, doc. 1, p. 42), o que corrobora a alegação da parte autora de que houve falta de energia por período mais prolongado.

Portanto, há que reconhecer que a concessionária não restabeleceu o serviço em tempo hábil, em face da norma regulamentar.

Outrossim, a parte autora alegou terem sido afetados pela falta de energia elétrica 900 kg de fumo (equivalentes a 60 arrobas de produto final), acostando fotos e laudo subscrito por técnico da Emater (evento 4, doc. 1, p. 25-27), pleiteando indenização no valor de R$ 7.857,00.

Embora referido laudo careça de uma fundamentação mais consistente, tendo em vista que se limita a consignar a quantidade de fumo (900 kg) que perdeu qualidade em virtude de falta de energia elétrica, bem assim a sua classificação (classe T02), a despeito da alegação da concessionária de unilateralidade, não há elementos que possam afastar a sua credibilidade.

Na fase instrutória, houve a juntada dos relatórios de média de classificação do fumo das safras dos anos de 2014 e 2015, afetada pela queda prolongada de energia elétrica, em que constam os dados da produção de fumo coletados da indústria fumageira (evento 4, doc. 4, p. 15-18).

Veja-se que no ano de 2015, em relação ao fumo Virgínia, a média de preço paga pelo kg do fumo foi menor (R$ 7,70) relativamente ao ano anterior (R$ 7,82), em virtude da queda da qualidade do fumo colhido e tratado durante o ano de 2014, quando ocorreu a falta de energia.

Ademais, a concessionária não refutou os dados colhidos na instrução que corroboraram a diminuição da qualidade do fumo, tendo se limitado a requerer a produção de prova oral (evento 4, doc. 1, p. 24).

Desse modo, tenho que a demandada não trouxe contraprova suficiente quanto às conclusões do laudo da parte autora, de modo que não se desincumbiu de seu ônus probatório, nos termos do inciso II do art. 373 do CPC, devendo ser julgado procedente o pedido no aspecto.

A propósito:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. PRODUTOR RURAL. PREJUÍZO NA SECAGEM DO FUMO. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO...

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