Acórdão nº 50003728020168210020 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003728020168210020
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002306439
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000372-80.2016.8.21.0020/RS

TIPO DE AÇÃO: Abuso Sexual

RELATORA: Juiza de Direito JANE MARIA KOHLER VIDAL

RELATÓRIO

Trata-se das irresignações de ARI C. A. e de SOLANGE S. A. com a r. sentença que julgou procedente a ação de destituição do poder familiar que lhes move o MINISTÉRIO PÚBLICO, destituindo-os do poder familiar em relação aos infantes DANIELA S. A., MARIELI S. A. e ELIVELTON S. A.

Sustenta o recorrente ARI que a sentença atacada merece reforma, visto que proferida por eventuais condutas da genitora e de seu companheiro. Alega que em momento algum é apontado comportamentos negligentes ou abusivos por parte do genitor em relação aos filhos. Refere que apesar das dificuldades financeiras deseja exercer os cuidados com os filhos. Conclui que, embora tenha demonstrado interesse em retomar o convívio com os infantes, foi impedido de visitá-los em razão do comportamento inadequado da genitora. Pretende seja julgado improcedente o pedido de destituição do poder familiar. Pede o provimento do recurso.

Sustenta a recorrente SOLANGE que a sentença atacada merece reforma, visto que ela e seu companheiro foram integralmente absolvidos de qualquer acusação de crime contra a dignidade sexual. Pretende seja lhe seja devolvido o poder familiar. Pede o provimento do recurso.

Intimado, o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso.

Mantida a sentença, subiram os autos.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso de ARI e pelo não conhecimento do apelo interposto por SOLANGE e, caso enfrentado o mérito, pelo seu desprovimento.

É o relatório.

VOTO

Não estou conhecendo o recurso de SOLANGE S. A. e negando provimento ao recurso de ARI C. A.

Inicialmente, é preciso considerar que SOLANGE, foi intimada da sentença pela nota de expediente nº 28/2019, disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico do dia 01.07.2019, através de seu procurador, CARLOS ALBERTO GOELLNER, OAB nº 106190/RS.

Portanto, é flagrantemente extemporânea a sua irresignação já que o recurso de apelação foi interposto em 05.04.2022, Evento 64, dos autos originários, mediando lapso de tempo superior ao previsto legal. Ou seja, transcorreu o prazo recursal sem interposição do recurso de apelação.

É que os procedimentos específicos do Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam, os atinentes (a) à perda e à suspensão do pátrio poder, (b) à destituição da tutela, (c) à colocação em família substituta, (d) à apuração de ato infracional atribuído a adolescente, (e) à apuração de irregularidades em entidade de atendimento e (f) à apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente, previstos no Capítulo III do Título VI, estão sujeitos ao prazo recursal estabelecido no art. 198 (Capítulo IV – Dos Recursos) da lei estatutária.

Assim, tratando-se de procedimento afeto à Justiça da Infância e da Juventude, por tratar-se de ação de destituição do poder familiar, ou seja, em uma das hipóteses elencadas no art. 98 do ECA, perante o Juizado da Infância e Juventude, há que se observar o disposto no art. 198 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece, no inciso II, que “em todos os recursos salvo nos embargos de declaração, o prazo para o Ministério Público e para a defesa será sempre 10 (dez) dias”, que é contado em dias corridos, excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, tal como previsto no art. 152, §2º, do ECA, que foi introduzido pela Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017.

Não conheço, portanto, do recurso de SOLANGE. S. A.

Já no que tange ao recurso de ARI C. A. merece ser conhecido, eis que a Defensoria Pública foi intimada da sentença somente em 24.06.2020, Evento 3 - PROCJUDIC9, fl. 16.

Inicialmente, é importante salientar que a ação de destituição do poder familiar é um procedimento excepcional e grave, que somente é implementada quando não há condições de se manter os liames jurídicos entre pais e filhos, especialmente porque os efeitos da decisão poderão viabilizar a adoção como forma de inserção da criança ou adolescente em família substituta. E, por esse motivo em especial, a análise dos fatos exige sempre uma análise cuidadosa.

No caso em tela, verifica-se, com clareza, que os genitores não apresentaram condições de promoverem a proteção dos filhos, tanto moral, quanto material ou mesmo educacional, que negligenciaram diante das tentativas da rede de apoio para a reestruturação familiar.

Como é sabido, os filhos não são propriedade dos pais e o poder familiar dos genitores deve ser exercido de forma a protegê-los e promover-lhes a educação, o que se deve interpretar da forma mais abrangente possível, compreendendo aspectos de saúde, higiene, educação, lazer, desenvolvimento pessoal, intelectual e afetivo. Mas, no caso em exame, tais obrigações foram totalmente descuradas.

Assim, a destituição do poder familiar mostra-se não só adequada mas necessária para que os filhos dos réus ELIVELTON S. A., MARIELI S. A. e DANIELA S. A., nascidos, respectivamente, em 11.02.2005, 16.01.2008 e 22.12.2003, tenham condições de bem se desenvolver de forma saudável e possa vir a ter uma vida com um dignidade.

São pertinentes, também, doutos argumentos postos no lúcido parecer do Ministério Público, de lavra do ilustre PROCURADOR DE JUSTIÇA HELOÍSA HELENA ZIGLIOTTO, que peço vênia para transcrever, in verbis:

2. DOS RECURSOS

Apenas o recurso interposto pelo genitor Ari deve ser conhecido, pois preenche os pressupostos de admissibilidade. O recurso da genitora Solange, por sua vez, é definitivamente intempestivo.

Com efeito, nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, o prazo recursal é de 10 dias corridos, consoante disciplinam os artigos 198, inciso II, e 152, §2º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na hipótese, a apelante Solange foi intimada da sentença em 03/07/2019 (Evento 03, PROCJUDIC8, pg. 34, do Processo de Origem), através de Nota de Expediente Eletrônica, e recurso somente foi interposto em 05/04/2022 (Evento 64, do Processo de Origem), sendo, portanto, intempestivo.

3. MÉRITO

Em que pesem os argumentos lançados pelo apelante, não há reparo a ser feito na sentença.

O poder familiar está implícito naqueles direitos que se sintonizam com a paternidade/maternidade responsável, com a tutela especial à família, ao dever de convivência familiar e com a proteção integral da criança e do adolescente.

Na hipótese, a prova coligida demonstrou, à exaustão, a inaptidão de ambos os genitores para o exercício do poder familiar, bem como a prática de diversas atos que conduzem inevitavelmente a perda do poder familiar com fundamento no artigo 1.638, incisos II, III e IV, do Código Civil.

A propósito, a fim de evitar desnecessária tautologia, haja vista a propriedade com que foi enfrentada a análise da prova, enfeixa-se as contrarrazões do Ministério Público de origem, de lavra da Dra. Manuela Paradeda Montanari, in verbis:

(...)

Com efeito, ao contrário do que sustenta o apelante, os elementos probatórios coligidos no curso da instrução do feito dão conta de que, tanto a genitora, quanto o pai – ora recorrente

– não possuem condições de exercer o poder familiar em relação aos protegidos de forma responsável, devendo ser mantida na íntegra a sentença prolatada.

A defesa arguiu que não há provas nos autos no sentido de que tenha havido negligência, ou qualquer abuso, de sua parte, em relação aos infantes, sendo que a pobreza não é elemento para a destituição do poder familiar.

Efetivamente, a carência de recursos materiais, pó si só, não tem o condão de ensejar a perda do poder familiar do genitor em relação aos filhos. Contudo, este não foi o fundamento utilizado isoladamente na nobre decisão.

Com efeito, segundo se depreende da prova produzida, em especial do relatório social elaborado pela psicológica da Casa da Criança e do Adolescente, verifica-se que, esgotados os esforços de resgate da responsabilidade da genitora em relação aos cuidados com o filho, buscou-se aferir a viabilidade do núcleo familiar paterno amparar os infantes. Contudo, em visita realizada no domicilio do recorrente, bem como em razão das informações prestadas pelo Conselho Tutelar e pela equipe técnica de Coronel Bicaco tal possibilidade restou afastada haja vista as precárias condições de saúde e de higiene em que vivia o genitor, o qual possuía a guarda de outros três filhos, sendo duas portadoras de necessidades especiais, mas, mais relevante do que as precárias condições, o fato mais relevante considerado foi a investigação em andamento acerca de possível abuso sexual sofrido por parte das duas filhas, portadoras de necessidades especiais e que estavam sob os cuidados de Ari.

Por oportuno, impende transcrever-se as conclusões contidas no relatório supracitado, constante nos autos nas fls. 97/10, atentando-se especialmente quanto às conclusões exaradas acerca das condições do genitor:

“[...] Conforme já relatado em relatórios anteriores, esta equipe trabalhou em todos os sentidos para fortalecer a Sra. Solange, para que a mesma tivesse condições de assumir os cuidados dos três filhos. Esgotadas todas as possibilidades de estruturação da mãe, passamos a trabalhar com a possibilidade de fortalecer vínculos com o pai, uma vez que este possui a guarda de seus outros três filhos, considerando que duas possuem necessidades especiais. Sendo assim no dia nove de setembro, realizamos visita a cidades de Coronel Bicaco, onde reside atualmente o pai dos infantes.

Na visita, conversamos primeiramente com o Conselho Tutelar da cidade, onde as...

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