Acórdão nº 50003794920188210102 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003794920188210102
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001549511
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000379-49.2018.8.21.0102/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: SERGIO WACHEKOWSKI (AUTOR)

APELADO: RIO GRANDE ENERGIA SA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por SERGIO WACHEKOWSKI e por RIO GRANDE ENERGIA S.A. contra a sentença do evento 05 do feito originário (PROCJUDIC14, fls. 01-14) que, nos autos da ação de indenização ajuizada pelo primeiro em desfavor da segunda, restou proferida nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados por Sergio Wachekowski em face da RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., extinguindo o feito, com resolução do mérito, na forma do art. 487, inc. I, do CPC, para condenar a parte ré ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar da data da sentença e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação (art. 405 do Código Civil).

Diante da sucumbência recíproca, condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas e das despesas processuais. Condeno a parte autora, outrossim, ao pagamento de honorários em favor do procurador da parte ré, os quais fixo em 10% sobre o valor pretendido a título de danos materiais, observado o disposto no art. 85, § 2º, do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade processual concedida (fl. 27). Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais, observado o disposto no art. 85, § 2º, do CPC, fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Em suas razões (evento 05 do feito originário - PROCJUDIC14, fls. 17-22), a parte autora elabora relato dos fatos e sustenta que o valor arbitrado a título de indenização pelos danos morais alegados não leva devidamente em consideração a extensão do dano. Discorre sobre a gravidade dos eventos mencionados. Destaca o potencial econômico da apelada como elemento para majoração da verba indenizatória. Arrola jurisprudência ao encontro de seus argumentos. Postula a reforma da sentença, com a majoração do quantum indenizatório para o montante entre R$ 8.000,00 e R$ 10.000,00. Requer o provimento do recurso.

A parte ré, por sua vez, em suas razões (evento 05 do feito originário - PROCJUDIC14, fls.23-50; PROCJUDIC15, fls.01-03), elabora relato e alega a inexistência de comprovação dos fatos alegados pela autora, seja referente à alegada interrupção de fornecimento de energia elétrica, seja referente ao abalo moral sofrido pela parte. Argumenta pela ocorrência de excludente de responsabilidade por conta de caso fortuito/força maior quanto à interrupção de outubro de 2017. Discorre sobre os critérios da ANEEL quanto aos limites temporais toleráveis de interrupção do fornecimento de energia. Busca afastar a caracterização de dano moral aduzindo a ausência de comprovação do mesmo no caso em tela. Subsidiariamente, pede a reforma do termo inicial dos juros moratórios sobre a condenação. Colaciona jurisprudência. Pleiteia o provimento do recurso.

Intimadas, as partes ofereceram contrarrazões (evento 05 do feito originário - PROCJUDIC15, fls. 42-48; PROCJUDIC16, fls. 01-29).

Ascenderam os autos a esta Corte, sendo a mim distribuídos.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Os recursos se revelam adequados e tempestivos. O recurso da autora é dispensado de preparo, tendo em vista a parte litigar sob abrigo da gratuidade judiciária (evento 05 do feito originário - PROCJUDIC1, fl. 39). Quanto ao recurso da requerida, está devidamente acompanhado do comprovante de pagamento das custas de preparo (evento 05 do feito originário - PROCJUDIC15, fl.38). Assim sendo, passo ao exame de forma conjunta.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

Sergio Wachekowski ajuizou ação ordinária de indenização por dano moral por fato do serviço em face de RGE Sul Distribuidora de Energia S.A. Relatou os problemas enfrentados ao longo dos anos com o serviço de energia elétrica fornecido pela ré. Argumentou que o problema com a falta de energia ocorreu reiteradamente no ano de 2017, em alguns dias do mês de outubro (01 a 06), em especial no interior de Guarani das Missões. Elencou os transtornos e danos experimentados diante da demora no restabelecimento da energia elétrica. Discorreu acerca da responsabilidade da requerida e de sua desídia em resolver o problema. Destacou a prática reiterada de descumprimento da lei e contrato de concessão por parte da requerida. Sustentou a ocorrência de dano moral. Disse que teve prejuízos materiais com a perda de leite, na quantia de 1.200 litros, bem assim de alimentos que deveriam ser conservados. Requereu a inversão do ônus da prova e a concessão da gratuidade processual. Ao final, postulou a condenação da parte ré ao ressarcimento dos prejuízos materiais, no montante de 1.200 litros de leite (1.200 x 0,86 = 1.032,00) e pagamento de indenização a título de danos morais entre dez e quinze salários-mínimos (fls. 02/12). Juntou documentos (fls. 13/26).

Deferida a gratuidade processual, invertido o ônus probatório e determinada a citação da ré (fl. 27).

Citada (fl. 29), a parte ré apresentou contestação (fls. 30/45). Inicialmente, discorreu acerca da conduta dos procuradores da parte autora. Destacou os investimentos efetuados na rede de energia. Alegou que, nos meses de outubro e novembro de 2017, o Estado foi atingido por vários temporais e quantidades expressivas de precipitações pluviométricas, não se tratando de evento corriqueiro, mas de caso fortuito, impossível de ser previsto ou evitado. Citou dados divulgados pela Defesa Civil Estadual referentes ao período em que ocorreram as quedas de energia. Mencionou que as interrupções de energia elétrica ocorreram dentro dos limites fixados pela ANEEL. Sustentou a inexistência de nexo causal entre a data do suposto evento e os danos sofridos e a ausência de falha no serviço prestado. Discorreu sobre o descabimento do pedido de indenização por danos morais e se opôs ao pedido de inversão do ônus da prova. Requereu a improcedência dos pedidos formulados pela parte autora. Arrolou testemunhas e requereu o depoimento pessoal da parte autora Juntou documentos (fls. 46/320).

Houve réplica, oportunidade em que a parte autora requereu a intimação da parte adversa para dizer sobre a possibilidade de fazer uso de prova emprestada em relação a processos que tratam de fatos similares (fls. 322/324).

Determinada a intimação da parte autora para especificar o pedido de produção de prova emprestada e, após, a intimação da ré para se manifestar sobre a pretensão (fl. 325).

A parte demandante indicou o processo paradigma para a realização da prova emprestada (fl. 327).

Em análise, o Juízo informou a existência de processo semelhante com audiência de instrução já realizada, de modo que determinou o traslado da prova testemunhal produzida naquele expediente aos autos da presente ação, bem como a intimação das partes sobre a produção de outras provas. Por fim, indeferido o pedido de depoimento pessoal da parte autora, pois o requerido não indicou a relevância da medida (fl. 328).

Aportaram-se ao feito os documentos referidos sobre a produção da prova testemunhal em outro expediente (fls. 231/232).

A parte autora requereu a juntada da degravação da audiência (fls. 234/244) e a ré deixou transcorrer o prazo sem apresentar manifestação (fl. 245-v).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

Passo a fundamentar.

Sobreveio julgamento de parcial procedência, contra o qual as partes se insurgem.

A discussão posta nos autos diz respeito, basicamente, ao dever da fornecedora de energia elétrica de ressarcir o prejuízo moral supostamente suportado pelo autor em razão da interrupção do serviço ocorrida dos dias 01-10-2017 a 06-10-2017. No aludido período, segundo informado na inicial, a suspensão deu ensejo ao desligamento dos refrigeradores de leite e das máquinas utilizadas na ordenha das vacas, trazendo problemas na produção da autora e ocasionando a perda da qualidade do produto, consequentemente diminuindo seu valor comercial. Ademais, teria ensejado transtornos por impedir que o requerente e sua família utilizassem de outros utensílios domésticos elétricos e eletrônicos.

Pois bem.

No caso em apreço, observo ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor, ainda que o demandante, pequeno produtor rural, não seja o destinatário final do produto ou serviço. Isso porque o critério para fins de verificação da incidência ou não do CDC a determinadas relações jurídicas parte do conceito de vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor do produto ou serviço.

Oportuna a lição de Cláudia Lima Marques sobre o assunto:

Certo é que a “vulnerabilidade”, no dizer de Antônio Hermann Benjamin, é a peça fundamental do direito do consumidor, é o ponto de partida de toda sua aplicação aos contratos. Em se tratando de vulnerabilidade fática, o sistema do CDC a presume para o consumidor não-profissional (o advogado que assina um contrato de locação abusivo porque necessita de uma casa para a sua família perto do colégio dos filhos), mas não a presume para o profissional (o mesmo advogado que assina o contrato de locação comercial abusivo, para localizar o seu escritório mais próximo do fórum), nem a presume para o consumidor pessoa jurídica (veja art. 51, I, in fine, do CDC). Isto não significa que o Judiciário não possa tratar o profissional de maneira equivalente ao consumidor, se o profissional efetivamente provar a sua...

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