Acórdão nº 50003819520158210143 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003819520158210143
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002939382
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000381-95.2015.8.21.0143/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000381-95.2015.8.21.0143/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro (art. 213)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

RELATÓRIO

O Ministério Público, na Comarca de Arroio do Tigre, ofereceu denúncia contra J.B., já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática dos crimes previstos no artigo 217-A, caput, c/c o artigo 226, inciso II, e artigo 61, inciso II, alínea "f", várias vezes, na forma do artigo 71, caput, todos do Código Penal. Narra a denúncia:

Desde data não devidamente esclarecida no incluso inquérito policial, mas até o dia 14 de novembro de 2014, na Rua (...), no município de Arroio do Tigre/RS, o denunciado, a fim de satisfazer sua lascívia, por diversas vezes, praticou com a vítima N.S., que tinha 12 anos de idade à época, atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

No referido período, o denunciado, aproveitando-se das oportunidades em que a genitora da vítima saiu da residência, por diversas vezes, passou as mãos pelo corpo da criança, nos seios, nas nádegas e no órgão sexual da mesma, inclusive por dentro da roupa, com o intuito de satisfazer sua lascívia. Por ocasião dos fatos, o denunciado segurava a vítima para tocá-la, bem como tecia ameaças de agressão caso a vítima falasse sobre os abusos que sofria.

O denunciado é padrasto da vítima e, nas ocasiões das práticas dos crimes, detinha autoridade sobre a mesma. O crime foi praticado prevalecendo-se da relação de coabitação.

A denúncia foi recebida em 22/03/2018.

Citado pessoalmente, o réu apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública.

Encerrada a instrução, as partes ofereceram memoriais escritos.

Sobreveio sentença, julgando IMPROCEDENTE a ação penal, para absolver o réu J.B. da acusação contida na denúncia, por insuficiência probatória.

Publicada a sentença, presumidamente, em 26/11/2020.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido.

Em suas razões, postula o total provimento da apelação, com a reforma da sentença do juízo de primeiro grau, a fim de condenar o apelado J.B. nos moldes denunciados. Assevera, no ponto, que as provas, em especial o depoimento uníssono e inequívoco da vítima, não deixam dúvidas de que o denunciado praticou o crime. Analisa a prova documental e oral produzidas ao longo do feito e refere estar evidenciada a materialidade dos crimes e a autoria do acusado.

Apresentadas as contrarrazões.

Remetidos os autos a esta Instância, foram distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Dr. Gilberto Thums, opinou pelo desprovimento do apelo ministerial.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso é cabível, e foi tempestivamente interposto, preenchendo os requisitos para que seja conhecido.

E, quanto ao mérito, adianto que prospera o pleito condenatório trazido pelo Ministério Público.

Com efeito, a materialidade delitiva e a autoria do réu restaram demonstradas ao longo do feito, com a devida vênia à magistrada sentenciante.

A meu ver, os depoimentos da vítima, tanto na fase policial, quanto em juízo, bem como a avaliação psíquica dela, realizada por profissional do Instituto Geral de Perícias do Estado, aliados às demais provas, não deixam dúvidas de que ela foi vítima de abuso sexual perpetrado pelo padrasto, o réu J.B.

Quanto ao ponto, conquanto discorde da conclusão adotada pela magistrada a quo, transcrevo o trecho da sentença em que realizado minucioso resumo da prova documental e oral, agregando-o às razões de decidir, salientando, ainda, que os nomes das partes serão abreviados, a fim de garantir o anonimato da ofendida:

(...)

Do registro de ocorrência policial 1049/2014, de 14/11/2014, consta que a declarante I.B.S., conselheira tutelar, comunicou que “foi acionada pela diretora da escola de linha Rocinha, sra. A.S., pois uma aluna, aqui qualificada como vitima, lhe entregou um bilhete pedindo socorro, pois seu padrasto estaria lhe abusando. A. ainda relatou que notou um comportamento estranho na menina e já havia lhe questionado o que estava acontecendo. Ao questionar a menina a mesma afirmou que o suspeito apenas lhe passa as mãos em seu corpo (se referindo a seios, nádegas e vagina), mas não teria mantido relação sexual com a mesma. A menina também afirmou que não contou para sua mãe, pois tinha medo de seu padrasto. O fato ocorria sempre que sua mãe saía para trabalhar. Durante seu depoimento, N. vomitou devido ao seu nervosismo, sendo encaminhada ao hospital pelo conselheiro tutelar. N. manifestou grande preocupação em voltar para casa”. (fl. 03).

O bilhete referido na ocorrência é o que consta da fl. 10, atribuído à vítima N. e assim redigido: “querida diretora não quis te falar isto porque não tinha coragem sobre um dia eu estava muito [...] eu estava sozinha com meu padrasto e eu não consegui nem me levantar e ele se aproveitou de mim [... e me ameaçou. Me ajuda por favor”.

Em seu depoimento à autoridade policial, em 24/6/2015, a vítima N. declarou que "os fatos que havia noticiado na ocorrência policial não eram verdadeiros. Aduz que inventou a história em virtude de ter ficado brava com seus pais, pois os mesmos, ao conferir o computador que a informante usava, retiraram o computador, pois não gostaram do conteúdo das mensagens que recebia no facebook. Questionada sobre a origem das ideias e das denúncias contra o padrasto, permaneceu em silêncio. Quando afirmou que estava brava com o padrasto porque esse havia lhe proibido de mexer no facebook, a autoridade questionou-lhe sobre qual seu objetivo em trazer tal denúncia para a delegacia considerando a gravidade dos fatos, tendo ela permanecido em silêncio”, (fl. 19).

O acusado J., em seu depoimento à autoridade policial, declarou que ‘'possui duas filhas e uma enteada. A sua filha mais nova possui um ano e três meses e a mais velha, A.B., possui nove anos. Já sua enteada, N.S., possui doze anos de idade. Possui deficiência física em virtude de um acidente de moto perdendo parte da perna esquerda (do joelho para baixo) e para caminhar utiliza-se de uma prótese. Caminha com certa lentidão em virtude da deficiência. Sobre os fatos que lhe são imputados, afirma não ser verdade, pois nunca passou a mão em sua enteada. Aduz que N. é muito rebelde e, como foi proibida de sair com certas amigas, N. ficou brava e inventou as histórias citadas. Que N. é bastante nervosa. Que nunca passou a mão em sua enteada. Que somente dá para sua enteada as coisas necessárias como roupas e calçados, mas não costuma dar presentes. Que após sua mulher dar a luz a sua filha mais nova, saiu da empresa em que trabalhava e passou aficar em casa. Que dificilmente fica em casa sozinho com N. (fls. 21-22).

A Escola Municipal de ensino Fundamental (...), de linha Rocinha, por meio do documento de fl. 28, firmado pela Diretora, Professora A.T.A.S., firmou que “os professores, direção e funcionárias da escola vinham percebendo mudanças nas atitudes da aluna N.S., no relacionamento com os colegas e principalmente nas atividades diárias em sala de aula, na qual baixou o nível de aprendizagem, estava sempre muito abatida, triste, com crise nervosas e de choro. Observando a mudança de comportamento todos os professores e direção se reuniram pensamos que era ciúmes da maninha, chamamos muitas vezes a aluna na secretaria para conversarmos, na tentativa de poder ajudá-la, pois todos os professores se preocuparam, tendo em vista que o interesse nas aulas baixou muito. Na manhã de sexta-feira dia 14-11-2014 a aluna teve uma discussão com um colega, ambos foram chamados na secretaria para conversar, neste momento a aluna entrou em crise, chorando desesperadamente e nada falava. Após retornar para sala é que escreveu o bilhete direcionado a mim (diretora). No período da tarde a aluna retornou para a escola com a desculpa de ter aula de reforço e desabafou. Sem saber como agir pedimos o apoio do Conselho Tutelar".

Em seu depoimento à autoridade policial, a professora e diretora escolar A. reafirmou que no mês de novembro de 2014 “percebeu uma mudança no comportamento da aluna N.S. N. passou a chorar por qualquer motivo e com atitude violenta, respondendo aos professores e brigando com as colegas. Como é de costume, chamou a aluna na direção e a questionou sobre sua mudança de comportamento. Naquela oportunidade N. nada falou. No entanto, após a conversa com N., a menina escreveu uma carta (juntada ao inquérito) pedindo ajuda. De imediato acionou o conselho tutelar. Depois desse fato, não conversou mais com N. sobre o assunto. Questionada sobre N. ir até a escola, fora do horário de aula, afirmou que sim, N. esteve mais de uma vez na escola, sem ser exigido sua presença. Uma das vezes, chegou a pedir para a aluna voltar para casa, no entanto N. implorou para ficar na escola. De início achou que a menina pudesse ter ido até a escola para aprontar, motivo pelo qual ficou observado a menina. Observou que ela permaneceu o período todo em atividades escolares. Que a menina compareceu na escola mais de uma vez sem ser solicitada sua presença. Que N., após entregar o bilhete, chegou a afirmar para a depoente que ia para a escola, fora do horário, pois ficaria sozinha com o padrasto.

No relatório psicológico de 19/11/2014, elaborado pela psicóloga M.R.T., a profissional concluiu que “oí indícios são pertinentes com situações de abuso psicológico e sexual, entretanto também há pontos significativos que necessitam de um olhar diferenciado, como menarca e adolescência. A primeira menstruação é marcada por uma explosão de hormônios, onde oscilamos em nosso temperamento e...

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