Acórdão nº 50003836920218210106 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50003836920218210106
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002044632
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5000383-69.2021.8.21.0106/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Desembargadora ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

MARLON DE ALMEIDA DE ANDRADE, representado pela Defensoria Pública, apresentou recurso em sentido estrito contra a sentença que o pronunciou como incurso nas sanções dos artigos 121, § 2°, I e IV, combinado com o artigo 14, II, do Código Penal, e 33, caput, da Lei nº 11.343/06, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

1º FATO: No dia 19 de agosto de 2021, por volta das 12h50min, na Rua Laudelino Moreira, Cohab, Bairro Vila Militar de Iraí/RS, o denunciado MARLON DE ALMEIDA DE ANDRADE, mediante paga ou promessa de recompensa e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, utilizando-se de arma de fogo (cf. evento nº 01, OUT12), tentou matar a vítima Marciano Vargas, somente não se consumando o crime por circunstâncias alheias à sua vontade, pois, após ter errado os disparos efetuados, a vítima conseguiu fugir, e, na sequência, o denunciado foi detido pelos Policiais Militares.

Na oportunidade, MARLON DE ALMEIDA DE ANDRADE, em companhia do adolescente Cauã Lima de Moraes, invadiu a casa de Marciano Vargas e, após receber uma ordem vinda por telefone, efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima, que conseguiu fugir. O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, considerando que a vítima, Marciano Vargas, estava desarmada e foi colocada de joelhos, tendo, em seguida, conseguido fugir. Ademais, o flagrado portava um revólver calibre .38, municiado com 5 projéteis, e uma faca. O crime foi cometido mediante paga ou promessa de recompensa, em razão de o denunciado ter recebido uma ligação telefônica com a ordem de ceifar a vida de MARCIANO VARGAS, dando início ao ato de matá-lo com um revólver calibre .38, que portava ilegalmente em sua cintura, desferindo de 02 a 03 tiros contra a vítima, somente não logrando êxito em seu intento homicida por circunstâncias alheias a sua vontade, visto que errou os tiros e que ele e a vítima entraram em luta corporal, tendo conseguido fugir correndo logo em seguida.

2º FATO: Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, MARLON DE ALMEIDA DE ANDRADE trazia consigo e guardava, com o fim de comércio, 66g de maconha (13 porções de canabis sativa, conforme foto do evento n.º 01, OUT12, bem como Laudo de Constatação de Natureza de Substância do evento nº 01, PERÍCIA17 e AUTOCIRCUNS3, ambos do APF nº 5000324- 81.2021.8.21.0106), substância que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na ocasião, segundo a Ocorrência Policial n.º 628/2021/151629, após os indivíduos serem detidos e algemados pelo Sargento Rogério, foram realizadas buscas na casa, ocasião em que foi encontrada uma pochete com 13 porções de maconha em seu interior, totalizando 66g da substância, sendo que esta mesma pochete havia sido vista com Marlon em duas outras abordagens em dias anteriores.

Em preliminar, alegou a nulidade da decisão de pronúncia por ausência de fundamentação quanto às qualificadoras. No mérito, sustentou a ilicitude das provas, porque não foi efetuada perícia no local do crime e por quebra da cadeia de custódia. Também, a inconstitucionalidade do princípio in dubio pro societate e a insuficiência probatória para a pronúncia, destacando a impossibilidade de se pronunciar o acusado com provas exclusivamente inquisitoriais. Ressaltou que não foi comprovado que houve disparo de arma de fogo nem houve coleta de projetis no local. Requereu a reforma da sentença para afastar a pronúncia pelo crime de tentativa de homicídio e também pelo delito de tráfico de drogas, porque, com relação ao último, tampouco foram produzidas provas mínimas. Subsidiariamente, pediu o afastamento das qualificadoras e a desclassificação do delito contra a vida para lesão corporal e do de tráfico para posse destinada a uso (evento 136, PET1).

A acusação apresentou contrarrazões. Pugnou pelo afastamento dos argumentos declinados em preliminar e quanto às nulidades. Destacou a constitucionalidade do princípio in dubio pro societate, o qual preserva a competência do tribunal popular, ressaltando a suficiência probatória no que concerne aos delitos denunciados. Arguiu a impossibilidade de desclassificação dos delitos. Requereu a manutenção da sentença de pronúncia como proferida, inclusive quanto às qualificadoras (evento 144, CONTRAZ1).

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (8.1).

É o relatório.

VOTO

1. O presente recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade.

2. No que se refere à preliminar de ausência de fundamentação quanto às qualificadoras, entendo que não merece prosperar. O Em. Julgador, Dr. Marco Aurélio Antunes dos Santos assim se manifestou (evento 127, SENT1):

Ainda, as qualificadoras devem ser mantidas, uma vez que há elementos dando conta de que o acusado tenha recebido ou efetuado uma ligação telefônica que resultou na ordem de matar a vítima, bem como de que Marciano estava desarmado, sendo-lhe ordenado que ficasse de joelhos.

De outra parte, envolvendo matéria probatória, é prudente também remeter a decisão para o Tribunal do Júri, constitucionalmente competente para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, pois não comprovado, de maneira cabal, que os fatos tenham ocorrido de outra forma.

Sobre o assunto, válida a transcrição da lição de Hermínio Alberto Marques Porto:

Qualificadora presente na classificação da petição inicial, denúncia ou queixa, e por isso confrontada, em constante exame de adaptação ou inadaptação, com as provas pelo desenrolar da primeira fase procedimental, é somente afastável pela decisão de pronúncia e em consequência impedida de ser levada à apreciação dos jurados, quando tenha a instrução demonstrado, com segurança, a carência de suporte. (Porto, Hermínio Alberto Marques. Júri – procedimentos e aspectos do julgamento – questionários. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 88-89).

Do que se vê, a decisão destacou as razões de fato nas quais estava baseada a pronúncia pelas qualificadoras, deixando de se aprofundar de forma demasiada, o que não é necessário nem recomendável quando da sentença de pronúncia, sob pena de excesso de linguagem.

3. Quanto às demais nulidades arguidas, estas serão apreciadas com o mérito.

A sentença de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação. Assim, não se tratando de decisão condenatória, é pacífico que exige "o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se in dubio pro societate" (AgRg no AREsp 1939691/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021).

Tratando-se, portanto, de juízo de viabilidade sobre a acusação, comprovada a ocorrência do fato e havendo indícios que apontem sua autoria, cabe o encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, que fará a análise do mérito e a valoração da prova.

No caso em análise, a materialidade e os indícios de autoria restaram evidenciados pela Ocorrência Policial n.º 608/2021 (evento 1, REGOP2), auto de apreensão do evento (evento 1, AUTOCIRCUNS3), atestado médico (evento 1, OUT9), fotografia do objetos apreendidos (evento 1, OUT12), fotografia do réu em outra ocasião (evento 1, OUT11), relatório final (evento 1, REL_FINAL_IPL6), Laudo Pericial nº 327057 (evento 53, LAUDO1), e prova oral produzida, a qual transcrevo da sentença de pronúncia, a fim de evitar tautologia:

No tocante à autoria, em que pese o réu tenha se reservado o direito em permanecer em silêncio, a vítima Marciano Vargas, ouvido em juízo, relatou que foram pessoas até sua residência com a intenção de comprar o imóvel, porém ele não quis vender. Mais tarde, essas duas pessoas voltaram ao local, com um telefone, falando que havia uma pessoa que queria falar com ele por vídeo. Então, quando pegou o telefone na mão e falou que não iria vender a casa, a pessoa que estava no vídeo falou "pode matar". Ato contínuo, o acusado puxou o revólver, ordenou à vítima que se ajoelhasse, o que não fez, sendo desferido um tiro em direção a sua cara, contudo, errou a mira. Após, disse ter entrado em luta corporal com o réu, tendo ele jogado a arma na rua, sendo que um adolescente a pegou. Referiu que Marlon então ordenou ao adolescente que atirasse, o que ele não fez, tendo abaixado a arma. Após, a vítima refere ter fugido do local para não ser morto e, durante a fuga, ouviu o estampido de mais disparos de arma de fogo. Posteriormente os vizinhos chamaram a polícia que prendeu o suspeito. Afirmou que o réu queria comprar sua casa para transformá-la em um ponto de venda de drogas.

O Policial Militar Volnei Antunes da Silva, ouvido em sede judicial, informou que participou da prisão do acusado na data dos fatos. Relatou que vinham recebendo várias denúncias de que havia um pessoal traficando no bairro Cohab e, nesse dia, ligaram para o 190, dizendo que tinham invadido uma casa no referido bairro e "atropelado" um morador de dentro de sua casa, pois lá queriam estabelecer um ponto de venda de drogas e que esses caras faziam parte da facção denominada "Os Manos". Então, junto de seus colegas, foram até o local. Quando se aproximaram da casa, viram que os elementos empreenderam fuga em direção à parte de trás da...

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