Acórdão nº 50003991820188210077 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003991820188210077
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003327617
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000399-18.2018.8.21.0077/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: ELY CARLOS DA COSTA (AUTOR)

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. e por ELY CARLOS DA COSTA contra a sentença (evento 4, PROCJUDIC5, fls. 1-15) que, nos autos desta ação indenizatória por danos materiais e danos morais movida pelo segundo em face da primeira, julgou parcialmente procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos etc.

ELY CARLOS DA COSTA, qualificado nos autos, ajuizou ação indenizatória por danos materiais e morais em desfavor da RGE – RIO GRANDE ENERGIA S/A, igualmente identificada, aludindo que possui pequena propriedade rural onde planta tabaco e outros produtos de subsistência, tendo construído três estufas de ar forçado movidas por motores elétricos. Aduziu que no dia 19 de novembro de 2017 faltou luz à noite em decorrência da queda de um poste que estava apodrecido, tendo retornado apenas no dia 20/11/2017, inobstante as várias ligações do autor para a requerida. Aduziu ter sofrido prejuízo em sua produção na monta de 113,4 arrobas de fumo deteriorado e sem condições de comercialização, ensejando prejuízo de R$18.000,00. Discorreu sobre o dever de indenizar da requerida. Invocou dispositivos legais a amparar sua pretensão. Postulou o julgamento de procedência, condenando a requerida a ressarcir o dano material sofrido no montante de R$18.000,00, e dano moral na ordem de R$10.000,00. Requereu o benefício da AJG. Juntou documentos (fls. 02-19).

Após emenda à inicial, foi citada a requerida, que ofereceu contestação, na qual aduziu que a queda de energia decorreu de eventos climáticos que foram muito significativos em todo o Estado. Aduziu realizar anualmente podas de árvores e vegetação próxima à rede de distribuição, porém muitas vezes em temporais galhos são arremessados sobre a rede. Discorreu sobre os investimentos que vem realizando em suas redes. Aduziu que a interrupção de energia ocorreu por ter sido acionado dispositivo de segurança de operação da rede atingida por forte temporal, com incidência de descargas atmosféricas e ventos fortes. De modo a evitar danos maiores aos equipamentos e aos consumidores. Sustentou a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Discorreu sobre a excludente de nexo causal. Aduziu se tratar de hipótese de responsabilidade subjetiva, decorrente de fato do serviço, devendo ser comprovada a culpa. Refutou a pretensão indenizatória. Juntou documentos (fls. 20-69).

Em réplica, a parte autora renovou seus argumentos e pedidos (fl. 71).

Durante a instrução, foi realizada audiência, na qual foram ouvidas duas testemunhas e, as partes, em manifestação final, reportaram-se as provas carreadas ao processo (fls. 72-88).

Vieram os autos conclusos.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por ELY CARLOS DA COSTA, qualificado na inicial, em face de RGE – RIO GRANDE ENERGIA S/A, também identificada, para, forte no que dispõe o artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, CONDENAR a requerida ao pagamento da quantia correspondente a 1.701 quilos de tabaco, devendo ser observado o valor da arroba da data do evento danoso (19/11/2017) para a classificação BL2, devendo os valores ser corrigidos pelo IGP-M a contar da data do evento danoso (19/11/2017), acrescido de juros moratórios, a partir da citação, de 12% ao ano.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 30% da Taxa Única e despesas processuais, cabendo à requerida o pagamento do restante. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da demandada, que fixo em 10% sobre o valor da condenação e o requerida ao pagamento de honorários advocatícios ao patrona do autor, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, considerando a natureza da causa e o labor desenvolvido pelos profissionais. Vedada a compensação.

Em suas razões recursais (evento 18, APELAÇÃO1), a parte ré sustenta que apontou a ocorrência de temporal na data informada. Aduz que realiza anualmente a manutenção da vegetação próxima à rede de distribuição e que vem implementando melhorias em suas estruturas. Colaciona julgados em que reconhecida a inexistência de comprovação dos fatos constitutivos do direito do autor. Defende que há exclusão do nexo de causalidade por culpa exclusiva da vítima, arguindo que o autor deveria possuir gerador próprio. Assevera que não estão comprovados os alegados danos materiais. Diz que o laudo acostado pelo autor é unilateral. Pontua que jamais teve acesso ao fumo danificado e que não foi notificada pelo autor para que pudesse realizar a vistoria. Menciona que o laudo não se presta a comprovar a classe do fumo supostamente danificado. Refere que, conforme a Portaria nº 526/93 do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, a classificação do fumo deve ser feita por “Órgão Oficial de Classificação” devidamente credenciado por este Ministério. Nesse sentido, argumenta que seria necessária perícia técnica imediatamente após o ocorrido. Discorre sobre a impossibilidade de produzir prova negativa. Disserta acerca das regras da agência reguladora. Impugna as alegações de precariedade da rede elétrica. De forma alternativa, pede seja reconhecida a culpa concorrente do demandante. Sinala a presunção de legitimidade dos atos administrativos. Alude à inadmissibilidade da decretação da inversão do ônus da prova. Caso mantida a condenação, pede seja aplicada a taxa SELIC a título de consectários legais, arguindo que esta taxa melhor acompanha as oscilações existentes no mercado. Requer o provimento do recurso.

A parte autora, por sua vez, em suas razões de apelação (evento 21, APELAÇÃO1) se insurge no tocante à improcedência do pedido de reparação por danos morais. Pondera que foi ultrapassado o prazo razoável para restabelecimento do serviço. Ainda, ressalta que classificação do fumo pretendida seria TO2, a que se revela melhor adequada à expectativa da produção. Transcreve jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas as contrarrazões por ambas as partes (evento 27, CONTRAZAP1 e evento 28, CONTRAZ1), sendo postulado pelo autor a condenação da ré à penalidade por litigância de má-fé, havendo intimação posterior da demandada junto ao evento 33 dos autos originários.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Os recursos devem ser conhecidos, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade, tempestivamente interpostos, comprovado o pagamento do preparo pela parte ré (evento 18, COMP3) e dispensado o autor de seu pagamento pela concessão da gratuidade da justiça (evento 30, DESPADEC1).

Com efeito, consoante mencionado acima, são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e as pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais as normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (artigo 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (artigo 22).

No caso em tela, o autor é fumicultor, sua subsistência é baseada na agricultura familiar, identificando-se como destinatário final (consumidor) do serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada, nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”1, e 3º, § 2º2, da legislação consumerista.

Importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor regula situações em que produtos e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer pessoa os adquira como destinatária final. São os bens e serviços tipicamente de consumo, levados ao mercado numa rede de distribuição, que serão em algum momento adquiridos “independentemente de o produto ou serviço estar sendo usado ou não para a produção de outros”3, como acontece com o serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada.

A respeito do tema, bem esclarece o ilustre Professor Rizzatto Nunes em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor4: “a Lei n. 8.078 regula o pólo de consumo, isto é, pretende controlar os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para ser vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.”

E, mais adiante, conclui: “Dessa maneira, repita-se, toda vez que o produto e/ou serviço puderem ser utilizados como de consumo, incidem na relação as regras do CDC. Vale para a caneta do exemplo supra, mas vale também para a água e a eletricidade que se fornece e para o dinheiro que é emprestado por um banco, porque tais bens são utilizados tanto por consumidores quanto por fornecedores.”

Ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse que a parte autora, no caso, o produtor rural, não se enquadre, propriamente, no conceito de destinatário final do serviço de energia elétrica, seria possível aplicar as disposições do CDC, porque configurada situação de vulnerabilidade deste em relação à empresa pública fornecedora do serviço de eletricidade.

A mitigação da teoria finalista na interpretação do conceito de consumidor e, portanto, a possibilidade de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT