Acórdão nº 50004013220158210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
Classe processualApelação
Número do processo50004013220158210064
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001534831
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000401-32.2015.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATOR: Desembargador VOLCIR ANTONIO CASAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Santiago, o Ministério Público denunciou Eudócio Pozo Camargo, nascido em 23-02-1960 e Rose Catarina Fiorenza, nascida em 12-12-1961, filha de Derli Fiorenza e Neiva Borges de Oliveira, como incursos nas sanções do artigo 171, caput, na forma do artigo 29, caput, ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 25 de abril de 2013, na Rua Venâncio Aires, próximo ao banco Banrisul, em Santiago/RS, os denunciados EUDÓCIO POZO CAMARGO e ROSE CATARINA FIORENZA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, obtiveram, para si, vantagem ilícita no valor de R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais), em prejuízo da vítima SANDRO DA SILVEIRA, mediante meio fraudulento, consistente na emissão das Cártulas de Cheque nº 000179 e nº 000180, ambos da Conta Corrente nº 35.016964.0-0, do Banco Banrisul (fl. 48 do I.P.), sem suficiente provisão de fundos.

Naquela ocaisão, o denunciado Eudocio Pozo contratou o conserto do veículo de propriedade de Rose Catarina junto ao estabelecimento comercial "Renocar", dando como forma de pagamento pela mão de obra e pelas peças adquiridas as aludidas cártulas de cheque, as quais foram emitidas com a autorização da denunciada Rose Catarina, titular da conta corrente, e apresentou insuficiência de fundos.

A denúncia foi recebida em 23-11-2015 (3.2 fl.15-16), os acusados foram pessoalmente citados (3.2 fls. 26 e 30) e apresentaram resposta à acusação (3.2 fls. 32-37 e 43-46).

Sobreveio sentença, proferida em 31-05-2019, condenando Eudócio Pozo Camargo e Rose Catarina Fiorenza como incursos nas sanções do artigo 171, caput, na forma do artigo 29, caput, ambos do Código Penal, sendo Rose Catarina à pena privativa de liberdade de um ano de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por pena restritiva de direitos, consistente no pagamento de prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos nacionais vigentes ao tempo do fato, e a pena de multa de 10 dias-multa, à razão do mínimo legal. Foi deferido o direito de recorrer em liberdade e indeferida a gratuidade judiciária (3.4 fls. 32-45).

Foi declarada extinta a punibilidade do réu Eudócio, diante do óbito (3.5 fl. 31).

Rose, por meio da defesa constituída, interpôs recurso de apelação, alegando, preliminarmente, a prescrição da pretensão punitiva estatal. No mérito, negou a prática delitiva e afirmou que toda a ação foi praticada por Eudócio, pois era ele que tinha o dolo de ludibriar, o que foi referendado pela vítima quando ouvida. Disse que era apenas a titular da conta dos cheques emitidos e que não pode ser responsabilizada penalmente por uma dificuldade financeira. Aduziu que quem negociou foi Eudócio e o proveito da negociação foi o conserto do carro do corréu, não tendo ela auferido qualquer vantagem. Pugnou pelo acolhimento da preliminar e, no mérito, pela absolvição por atipicidade de conduta, bem como o deferimento da gratuidade de justiça (3.5 fls. 37-49).

Apresentadas contrarrazões (3.6 fls. 1-4).

Nesta instância, o parecer ministerial é pela rejeição de preliminar arguida e, no mérito, desprovimento do recurso defensivo (6.1)

VOTO

A sentença condenatória examinou a prova produzida utilizando os seguintes fundamentos:

O procedimento foi regular e livre de máculas, de modo que passo de imediato à análise do mérito, no qual adianto que merece prosperar integralmente a pretensão punitiva deduzida na inicial acusatória.

Da materialidade:

Na hipótese concreta, a MATERIALIDADE delitiva restou devidamente comprovada através do registro de ocorrência de fls. 09/10; da cópia das cártulas de cheque (fls. 13/13-verso, autenticadas às fls. 53/54), bem como pela prova oral colhida durante a instrução criminal.

Da autoria delitiva:

A AUTORIA, no mesmo sentido, está sobejamente demonstrada e, incontestavelmente, recai sobre os denunciados Eudócio e Rose. Isso porque o depoimento da vítima, aliado à prova documental, constitui prova bastante da responsabilidade delitiva por parte dos nominados.

Do interrogatório dos acusados:

O acusado EUDÓCIO POZO CAMARGO, em juízo, confirmou que entregou cheques à vítima e a ré Rose estava presente. Mencionou que era companheiro da ré Rose, sendo que foram até a oficina da vítima para consertar o veículo, que possuíam, e pagaram o conserto com uma parte em dinheiro e três cheques pré-datados. Aduziu que o primeiro cheque foi pago e, posteriormente, acabaram se separando. Informou que a separação ocorreu em junho ou julho de 2010 ou 2011. Acrescentou que, na separação, que foi feita verbalmente, a responsabilidade dos cheques emitidos por ela seria dela. Referiu que tal acordo não foi comunicado aos credores. Asseverou que os cheques eram da corré e estavam assinados por ela. Disse que os cheques ficaram sob responsabilidade dela porque ela possuía dois contratos do Estado. Contou que foi procurado pelo pai da vítima para receber o valor, sendo que disse a ele que a dívida havia ficado sob a responsabilidade de Rose. Afirmou que a letra constante nos cheques da fl. 13 não é sua. Esclareceu que o cheque de Rose apreendido em sua casa estava consigo porque havia sido dado a um amigo e este amigo lhe procurou, então fez o pagamento e ficou com o cheque. Confirmou que Rose possuía problemas financeiros e sempre tomou remédios para depressão. Mencionou que os problemas financeiros não tinham relação com atrasos de salário, pois não ocorriam na época (fl. 111).

A acusada ROSE CATARINA FIORENZA, em juízo, negou a acusação. Contou que deixava diversos cheques em branco já assinados em casa, pois o único que morava consigo era seu companheiro. Aduziu que, quando se separou dele, começou a receber diversas ligações cobrando os cheques, sendo que, ao procurar os cheques que deixava assinados, notou que haviam sumido. Referiu que era um costume seu deixar os cheques em branco já assinados em casa, e não conhece mais ninguém que também faça isso. Disse que não esteve na oficina com Eudócio, e não sabe por que ele disse que estava presente. Confirmou que as assinaturas dos cheques da fl. 13 são suas. Aduziu que, quando se separaram, não houve acordo sobre o pagamento dos cheques, pois não sabia que haviam sido emitidos. Referiu que, na separação, Eudócio levou o que quis dos móveis da casa. Asseverou que o acordo citado por Eudócio nunca existiu. Afirmou que, na época, era professora do Estado e possuía contrato de 40h semanais. Mencionou que recebeu muitas ligações de cobranças, então não sabe quem ligou. Disse que estava tão desesperada que nem sabia de sua situação no banco, então não percebeu o desconto do primeiro cheque. Afirmou que se separou de Eudócio em julho de 2013. Relatou que não preenchia os cheques, deixava-os somente assinados. Aduziu que sempre teve pouco dinheiro, mas quando os cheques passaram a ser descontados, começou a passar por mais dificuldades. Acrescentou que estava depressiva, tanto que foi aposentada com limitação de função. Confirmou que registrou ocorrência policial em razão dos cheques que desapareceram (fl. 111).

Da prova oral:

A vítima SANDRO DA SILVEIRA, em juízo, contou que foi feito um serviço de conserto de um veículo do réu em sua empresa, o qual foi pago em cheques. Aduziu que os cheques eram em nome da então companheira do réu. Acrescentou que o serviço foi pago com três cheques, sendo que o primeiro teve fundos e o segundo retornou pelo motivo “11”. Mencionou que sabia que a titular da cártula era funcionária pública, então segurou o cheque até o início do próximo mês, sendo que, ao tentar novamente descontá-lo, foi informado de que ele havia sido sustado por motivo de perda ou roubo. Disse que tentou contato com os réus, mas não obteve sucesso. Referiu que Eudócio ficou de ir acertar com o declarante, mas não foi. Afirmou que, neste período, o terceiro cheque também venceu, e como sabia que também estava sustado, registrou ocorrência policial e buscou o juizado de pequenas causas. Acrescentou que, no juizado, foram realizadas duas audiências, sendo que todos foram citados, mas nenhum dos réus compareceu às audiências. Informou que teve sua ação julgada procedente, sendo que recebeu o valor porque descobriu um precatório em nome da ré Rose, então recebeu quando ele foi pago. Afirmou que demorou mais de um ano para receber o valor do cheque. Asseverou que só recebeu o valor por conta da ação no juizado especial cível. Referiu que sempre que conseguia contato com Eudócio, ele ficava de comparecer à empresa para acertar, mas nunca apareceu. Mencionou que Rose também foi procurada, mas também não pagou espontaneamente. Asseverou que se sentiu enganado. Confirmou que Eudócio já era seu cliente antes do fato, mas só recebeu em cheque nesta oportunidade. Esclareceu que dois dos cheques eram pré-datados, sendo um de entrada, outro para 30 dias e o terceiro para 60 dias. Contou que a ré Rose disse que não se relacionava mais com Eudócio e não tinha como pagar os cheques. Aduziu que essa informação foi dada pelo pai do depoente, que foi cobrá-la (fl. 111).

Desta forma, resta evidente que a ilusão foi exitosamente empregada, já que o ofendido prontamente recebeu os títulos como forma de pagamento, por não ter suspeitado do comportamento dos réus. Incontroverso o dolo em sua conduta, pois induziram a vítima em erro e frustraram, de forma preordenada, a respectiva contraprestação.

Ao que tudo indica, a inadimplência adviria de circunstância previsível e preexistente, pois perpetrou a ação já com a...

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