Acórdão nº 50004118120228210080 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004118120228210080
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002978115
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000411-81.2022.8.21.0080/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora JUDITH DOS SANTOS MOTTECY

APELANTE: ANGELICA DE AZEVEDO (AUTOR)

APELADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ANGELICA DE AZEVEDO, em ação revisional de contrato bancário, com cláusula de alienação fiduciária, movida em face de AYMORE S.A., visando reformar a sentença que julgou improcedentes os pedidos.

Requer a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; a limitação dos juros remuneratórios em conformidade com a taxa média de mercado; a vedação da capitalização de juros; o afastamento da comissão de permanência e dos demais encargos de mora; a declaração de nulidade do seguro e do IOF; a descaracterização da mora e a compensação e repetição em dobro dos valores pagos a maior.

Apresentadas contrarrazões (evento 42).

VOTO

Da inovação recursal

Inicialmente ressalta-se que a insurgência quanto ao seguro prestamista importa inovação recursal, de modo que resta impossibilitada a análise. Sabe-se que o ordenamento jurídico pátrio, ressalvado o disposto no art. 329 do CPC, veda a alteração do pedido e da causa de pedir expostos na inicial, a partir da citação.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, corroborando esse entendimento, avaliam:

“(...) por inovação, entende-se todo elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi arguido ou discutido no processo, no procedimento de primeiro grau de jurisdição. Não se pode inovar no juízo de apelação, sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (...). Pela proibição do ius novorum prestigia-se a atividade do juízo de primeiro grau (...).” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 860).

Neste sentindo, a consequência lógica da inovação recursal é o não enfrentamento da questão, porquanto ela afronta a regra do duplo grau de jurisdição e os princípios do contraditório e da ampla defesa.

A ação tramitou regularmente, encontrando-se preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade do recurso quanto aos demais capítulos.

Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) às operações de concessão de crédito e financiamento, na medida em que plenamente caracterizado o conceito de consumidor (art. 2°) e fornecedor (art. 3°). Entendimento que restou consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula nº 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às Instituições Financeiras".

Dos juros remuneratórios

A questão foi analisada no Recurso Especial nº 1.061.530-RS, com o propósito de estabelecer paradigma de julgamento; o acórdão, relativamente aos juros remuneratórios, restou assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. (...) I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...)Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão. II- JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

No caso em exame, a taxa estabelecida no contrato (27,56% a.a.) não ultrapassa uma vez e meia a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para o período (19,65% a.a.), impondo-se sua manutenção1.

Da capitalização de juros

Nos contratos de financiamento bancário, conforme estabelece o artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 e o artigo 4º da MP 2.172-32, e em cédulas de crédito bancário (arts. 28, §1º, I, e 29, V, da Lei nº 10.931/04), as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional estão autorizadas a capitalizar juros com periodicidade inferior a um ano, desde que o pacto seja firmado após 31/03/2000 e haja previsão contratual nesse sentido. Assim, não há falar em incidência do artigo 4º da Lei de Usura e da Súmula 121 do STF.

Outrossim, nos termos da jurisprudência consolidada do E. Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de incidente repetitivo (Recurso Especial n. 973827/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/06/2012), a “previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.

Logo, ante a expressa previsão de capitalização de juros no ajuste, não há ilegalidade que determine a alteração judicial do contrato.

Dos encargos moratórios

A cobrança dos encargos previstos para a mora contratual – independentemente da designação utilizada pela instituição financeira (comissão de permanência, juros remuneratórios para a inadimplência, entre outros), não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios estabelecidos no contrato, consoante disposto nas Súmulas 30 e 472 do STJ2 e sedimentado no Recurso Especial Repetitivo n. 1.580.114:

DIREITO COMERCIAL E BANCÁRIO. CONTRATOS BANCÁRIOS SUJEITOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALIDADE DA CLÁUSULA. VERBAS INTEGRANTES. DECOTE DOS EXCESSOS. (...) 3. A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC. (...) (R. Esp. 1058114/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 16/11/2010)

Nesse contexto, possível a cobrança alternativamente de (a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado...

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