Acórdão nº 50004120220168210137 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004120220168210137
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002847013
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000412-02.2016.8.21.0137/RS

TIPO DE AÇÃO: Perturbação da tranquilidade

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra S. S. S., afirmando estar incurso nas sanções do artigo 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais - LCP), combinado com o artigo 61, inciso II, alínea "f", do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/3):

"No dia 04 de agosto de 2016, por volta das 01 hora, na zona urbana, em Tapes/RS, o denunciado S. S. S. perturbou a tranquilidade e o sossego de sua ex-companheira E. S. D.

No ocorrido, o denunciado não aceitando o término do relacionamento, dirigiu-se até o trabalho da vítima, com o intuito de falar com o chefe desta, perturbando sua tranquilidade, pelo fato de prometê-la que irá perder seu emprego. Posteriormente, por diversas vezes, efetuou chamadas telefônicas para o celular da vítima, para perturbá-la, eis que descobriu que a vítima tem um novo relacionamento.

Ato contínuo, o denunciado desferiu diversas palavras de baixo calão à vítima, como "vagabunda", "chinela" e "puta"" (adaptado).

Recebida a denúncia em 13/01/2017 (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 31/32) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada procedente (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 21/25):

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o acusado S. S. S. nas sanções do art. 65 da Lei 3.688/41

PASSO A DOSIMETRIA DA PENA:

A culpabilidade do sentenciado não refoge à normalidade; o condenado não ostenta antecedentes; os motivos são inerentes à conduta; a conduta social não foi aferida e a personalidade não pode ser valorada; as consequências do crime não avultam; as circunstâncias são comuns ao fato; a vítima, não contribuiu para o resultado delitivo.

Sopesadas as circunstâncias judiciais, em não havendo vetorial negativa, fixo a pena-base em 15 (quinze) dias de detenção.

Agravantes e atenuantes: Na medida em que o crime foi praticado com violência contra a mulher, sendo causas agravantes de pena, na forma do art. 61, inc. II, alínea "f", do Código Penal, agravo-lhe a pena em 15 (quinze) dias de detenção, a qual torno definitiva em 01 (hum) mês de detenção ante a ausência de causas de aumento e diminuição de pena.

REGIME DE PENA:

Atendendo ao critério da necessidade e proporcionalidade as penas serão cumpridas inicialmente em regime aberto, na forma do art. 33, §2º, alínea "c", do CP.

SUBSTITUIÇÃO E SURSIS:

Na medida em que o crime foi praticado contra a mulher no âmbito doméstico, portanto, incabível a substituição da pena prevista no art. 44, do CP - inteligência da súmula 588 do STJ -.

Presentes os requisitos constantes do art. 77 do Código Penal, suspendo a pena por 02 (dois) anos, no decorrer dos quais deverá: (a) manter o endereço atualizado, (b) comparecer em juízo bimestralmente para informar suas atividades e (c) Prestar serviço à comunidade, no primeiro ano da substituição, pelo período de 01 hora diária a ser encaminhado à Secretaria de Assistência Social do Município de Tapes/RS.

Fica o condenado, ainda, proibido de sair da Comarca por mais de 15 (quinze) dias sem antes comunicar o juízo da execução.

PROVIMENTOS FINAIS:

O réu deverá permanecer em liberdade, pois ausentes os pressupostos do art. 312 do CPP.

Deixo de fixar valor mínimo para reparação do dano, uma vez que não houve pedido e contraditório nesse sentido.

Custas pelo sentenciado, cuja exigibilidade suspendo por ser pobre, vez que é assistido pela Defensoria Pública" (adaptado).

O réu ingressou com apelação (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 28 e 35/42), alegando, em suma: (a) insuficiência probatória; (b) necessidade de prevalência dos princípios in dubio pro reo e intervenção mínima do direito penal. Pediu, assim, a reforma da sentença e a absolvição ou o reconhecimento da atenuante da confissão, redimensionando-se a pena ao mínimo legal.

O Ministério Público, em contrarrazões, postulou o não provimento do recurso (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 43/46).

Nesta instância recursal, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/TJRS, evento 6, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (artigo 593, inciso I, do CPP), conheço do recurso do réu.

Cuida-se de apelação interposta pela defesa, em virtude da sentença que condenou o acusado à pena de 01 mês de detenção pela prática da contravenção penal de perturbação da tranquilidade (artigo 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41).

Adianto, no caso, ser caso de acolhimento do pleito defensivo, ainda que por motivação diversa.

Com efeito, o réu/apelante foi denunciado e condenado pelo cometimento da contravenção penal de perturbação da tranquilidade, infração prevista no artigo 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41.

No entanto, no curso do andamento processual, o referido dispositivo foi revogado pela Lei n. 14.132/2021, impondo-se, por este motivo, a extinção da punibilidade do recorrente, nos termos da regra posta no artigo 107, inciso III, do Código Penal1.

Dentro deste quadro, esclareça-se que a Lei n. 14.132/2021, ao passo que revogou o dispositivo indicado, incorporou ao ordenamento jurídico a punição penal da perseguição (stalking). E, nada obstante tal disposição, não há que se cogitar, na hipótese em apreciação, em continuidade normativo-típica da contravenção em relação ao crime do 147-A do Código Penal2.

O novo tipo prevê diversos elementos outros, não abrangidos pela norma revogada, verificando-se, como comportamentos que agora integram o tipo penal, a perseguição (I) reiterada e por qualquer meio, (II) a ameaça à integridade física ou psicológica da vítima, (III) a restrição da capacidade de locomoção e (IV) a invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade.

Em consequência, narrando a denúncia, na essência, a prática de conduta delituosa única, cometida, supostamente, em 04/08/2016 (processo 5000412-02.2016.8.21.0137/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/3), sem reiteração ou continuidade absolutamente incessante, inviável a incidência da continuidade normativo-típica no caso em exame.

Neste cenário, pela pertinência, destaco os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS . CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE, CRIMES DE AMEAÇA E DE SUBMISSÃO DE CRIANÇA A VEXAME OU CONSTRANGIMENTO. PLEITO PELO RECONHECIMENTO DA ABOLITIO CRIMINIS COM RELAÇÃO À CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTUBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. ART. 65 DO DECRETO-LEI N. 3.688/1941 REVOGADO. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA COM RELAÇÃO AO ART. 147-A DO CÓDIGO PENAL. REITERAÇÃO DE CONDUTAS. PRECEDENTES. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL (INÉPCIA DA DENÚNCIA E ATIPICIDADE DOS FATOS). AMEAÇA. DELITO DE FORMA LIVRE. AMEAÇA INDIRETA. POSSIBILIDADE. PEÇA ACUSATÓRIA APTA A INAUGURAR A AÇÃO.
1. A decisão agravada revela-se consentânea com a jurisprudência deste Superior Tribunal, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos.
2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, entende-se que, nos casos de reiteração delitiva, não houve abolitio criminis do delito previsto no art. 65 da Lei de Contravenções Penais, mas, sim, continuidade normativo-típica com...

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