Acórdão nº 50004136520178210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004136520178210132
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001475123
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000413-65.2017.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Penalidades

RELATOR: Desembargador JOAO BARCELOS DE SOUZA JUNIOR

APELANTE: SOCIEDADE BENEFICENTE SAPIRANGUENSE (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

SOCIEDADE BENEFICENTE SAPIRANGUENSE interpõe recurso de apelação contra sentença que julgou improcedente a ação declaratória ajuizada em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. O dispositivo sentencial está assim lançado (evento 55):

III - DO DISPOSITIVO:

Diante do exposto, revogo a medida liminar (EVENTO 02 – DESP22 – Pág. 67) a contar do trânsito em julgado e com base no art. 487, inc. I, do CPC/15, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por SOCIEDADE BENEFICENTE SAPIRANGUENSE contra ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, estes acrescidos de correção monetária pelo IGPM a partir do respectivo ajuizamento [18.09.2017] e juros legais de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado da sentença, considerada a natureza da demanda, bem como o tempo de tramitação do processo, forte art. 85, § 2º, do CPC/15, suspensa a exigibilidade pois deferida a gratuidade da Justiça (EVENTO 02 – DESP22 – Pág. 67)

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso(s) – excepcionados embargos de declaração – intime(m)-se, independentemente de conclusão (ato ordinatório – arts. 152, VI, CPC/15, e 567, XX, da Consolidação Normativa Judicial), a(s) contraparte(s) para contrarrazões, remetendo-se em seguida os autos ao Tribunal de Justiça (art. 1010 § 3º, CPC/15).

Interposta apelação adesiva pelo apelado, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões e após o Ministério Público (se for o caso de intervenção), remetendo-se em seguida os autos ao Tribunal de Justiça (art. 1010 § 3º, CPC/15).

Com a preclusão, ressalvadas eventuais custas/despesas pendentes, arquive-se com baixa.

Em razões de recorrer, a parte apelante discorreu sobre as periódicas fiscalizações realizadas pelo Estado em suas atividades, referindo que foi aberto processo administrativo após a afirmação do auditor de que o hospital demandante teria lucrado com determinados procedimentos. Explicou que foi constatado o uso incorreto de certos códigos, que não seriam condizentes com o conceito de cirurgias múltiplas ou sequenciais, mas sim cirurgias simples, o que supostamente teria gerado lucro para o hospital filantrópico. Defendeu ser possível a revisão das decisões administrativas quando houver equívoco, o que não importa em violação à garantia constitucional da Separação de Poderes. Frisou que a prova pericial dos autos demonstra, de forma cabal, que as cirurgias realizadas eram sequenciais e não simples, o que comprova que a conceituação da glosa está incorreta, visto que não houve ato ilegal ou antieconômico por parte da demandante. Aduziu que o que determina o valor a ser pago é o serviço comprovadamente prestado, motivo pelo qual não houve má-fé por parte da instituição hospitalar. Pontuou que o mero erro é um "ato involuntário de omissão, desatenção, desconhecimento ou má interpretação de fatos na elaboração de registros e demonstrações contábeis", sendo que "a mera irregularidade de preenchimento de AIH ou prontuário não causa a penalidade de devolução, sob pena e enriquecimento ilícito do Estado". Enfatizou a demandante que está sendo condenada ao ressarcimento dos valores como se não tivesse prestado o serviço ou como se o tivesse feito de má-fé, o que não deve prosperar. Ao final pediu o provimento do recurso, para que sejam anuladas as decisões do processo administrativo nº 00507-20.00/14-3, ou, alternativamente, caso haja o entendimento de que algo deva ser pago, que a devolução seja somente em relação à diferença de códigos e não à devolução total dos procedimento. Nestes termos pugnou pelo provimento do recurso (evento 65 do processo originário)

O Estado ofereceu contrarrazões, e pugnou pelo desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença (evento 68 dos autos de origem).

O Ministério Público, neste grau de jurisdição, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos.

Observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Infere-se dos autos de origem que em 18/09/2017 a Sociedade Beneficente Sapiranguense ajuizou ação declaratória em face do Estado do Rio Grande do Sul. Narrou que é associação privada filantrópica, mantenedora do Hospital de Sapiranga, que atende usuários do SUS, através de contrato com o Estado do RS e o Município de Sapiranga. Discorreu que, em razão disso, é submetida a periódicas fiscalizações pelo ente público, sendo que uma dessas resultou na instauração do processo administrativo nº 100507-20.00/14-3.

Explicou que as glosas das AIHs foram motivadas pelo fato de não se adequarem ao critérios de cirurgias múltiplas ou sequenciais, por possuírem rasuras, bem como por falta e/ou inconsistências de informações. Defendeu que, o fato de os auditores terem constatado que não havia correlação entre algumas cirurgias registradas e as efetivamente realizadas, não significa que não houve a realização de algum procedimento, não podendo toda a técnica ser considerada maculada. Enfatizou que o auditor "jamais poderia determinar devolução de valores por causa de erro de código que já tinha sido autorizado e auditado pelo próprio auditor do SUS municipal, ao autorizar a cirurgia", de modo que, "se o auditor entende que haveria ausência de descrição de documentos ou informações erradas, deveria determinar que se oficiasse ao Conselho Regional de Medicina para autuar ou multar o Hospital, e seguir o manual do SUS". Também pontuou que, anteriormente à auditoria do Estado, já havia ocorrido auditoria pelo gestor municipal do SUS, que autorizou a realização das cirurgias múltiplas e autorizou o pagamento do valor total do procedimento. Postulou a realização de perícia médica para que perito esclarecesse se os casos narrados se tratavam de procedimentos sequenciais e/ou múltiplos. Requereu a concessão de medida liminar e, no mérito, a procedência da demanda (evento 2, inic e docs1, fls. 04-26).

A antecipação de tutela foi deferida em 19/09/2017, para "determinar que o Estado do Rio Grande do Sul se abstenha de efetuar qualquer desconto nas faturas de pagamentos do SUS da autora, ou inscrição do débito em dívida ativa dos valores apurados no processo administrativo nº 100507-20.00/14-3 da competência de 06/2014 no valor de R$ 54.200,79 até o julgamento da ação" (evento 2, desp22, fl. 67).

O réu apresentou contestação (evento 2, cont e docs23 e seguintes).

Posteriormente, em 23/06/2021, foi exarada a sentença de improcedência hostilizada (evento 55).

Inicialmente cabe dizer que não desconheço que, em obediência ao princípio da independência das esferas administrativa e judicial, é vedado ao Judiciário intervir nas decisões administrativas, salvo em caso de lesão ou ameaça de lesão ao direito invocado, conforme estabelece o art. 5º, inciso XXXL, da Constituição Federal que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”.

Todavia, in casu, a interferência se mostra necessária. Explico.

Compulsando os documentos acostados aos autos de origem, verifico que foi realizada auditoria médica em 14/08/2017 na Sociedade Beneficente Sapiranguense (dado que esta se encontrava sob gestão estadual), após a instauração do processo administrativo nº 100507- 20.00/14-3, tendo sido determinado, ao final, que a autora devolvesse ao Fundo Estadual de Saúde o valor de R$ 54.200,79 (evento 2, cont e docs32, fls. 05-37; evento 2, réplica/impugn e docs33, fls. 01-09).

Na ocasião foram analisadas 63 AIH's (autorização de internação hospitalar) e verificadas algumas irregularidades. Dentre as conclusões da auditoria, verificam-se as seguintes (evento 2, réplica/impug e docs33, fls. 06-07):

"(...)

a) [...] em algumas AIHs, foi cobrado cirurgia múltipla com uma uma única patologia, não preenchendo, desta forma, os critérios da Portaria. [...]

b) Notas de Internação - São itens obrigatórios no prontuário do paciente - Anamnese e Exame físico, realizados no momento da baixa hospitalar, geralmente consignados no documento conhecido como Nota de Baixa ou Nota de Internação, a qual não corresponde ao preenchimento do Laudo de Solicitação de AIH (Manuel do SIH/SUS - out 2013, pg. 67-68; RESOLUÇÃO CFM nº 1.638/2002; RESOLUÇÃO CREMES nº 06/2010.

c) OPM - O auditor aponta irregularidades/impropriedades (ausência de documentos obrigatórios no prontuário hospitalar) com relação a utilização da OPM e a realização do procedimento. São documentos obrigatórios que devem constar do prontuário médico do paciente SUS em que seja feito uso de OPM: Laudo Médico com a solicitação de OPM; Nota Fiscal da OPM; Etiquetas de identificação da OPM; Controle radiológico pré e pós-operatório em implantes radiopacos, com identificação do paciente; Formulário de comunicação de uso; Descrição cirúrgica especificando a utilização da OPM, conforme previsto na legislação vigente à época da internação do paciente (Manual do SIH/SUS - out 2013, pg. 29-31; RESOLUÇÃO CFM nO1804/2006). A legislação apontada pelo prestador ou encontra-se desatualizada ou posterior a competência em análise (04/2014) na presente auditoria.

[...]

e) Presença de cirurgião auxiliar no ato cirúrgico- A Resolução CFM nO1.490/98, ao estabelecer a obrigatoriedade de médico como auxiliar, capacitado e habilitado, para substituir em caso de impedimento o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT