Acórdão nº 50004224720198210135 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004224720198210135
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002983592
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000422-47.2019.8.21.0135/RS

TIPO DE AÇÃO: Revisão

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

JOSÉ S.S. ajuizou ação revisional de alimentos contra VALENTINE K.S. e PIETRO K.S., menores representados pela genitora, CAROLINE K., que apresentaram reconvenção, sendo prolatada a sentença do evento 64, SENT1, julgando improcedentes os pedidos da ação e da reconvenção.

Ambas as partes apelam.

Em complemento, incorporo o relatório constante do parecer da em. Procuradora de Justiça (evento 07):

(...)

Em suas razões, a recorrente CAROLINE insurge-se contra o indeferimento do seu pedido de gratuidade judiciária, referindo não ter condições de arcar com os custos do processo sem prejuízo de sua subsistência e de sua família. Alega que o valor fixado a título de alimentos mostra-se insuficiente para prover as necessidades dos filhos. Refere que os menores estudam em escola pública desde janeiro de 2020, não se justificando a fixação de prestação in natura de pagamento das mensalidades escolares, mas sim a majoração da prestação in pecunia, já que passaram a ter despesa com transporte escolar, razão pela qual pede a majoração dos alimentos para 30% dos rendimentos líquidos do alimentante. Postula, também, a majoração dos honorários advocatícios para 20% do valor atualizado da causa. Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença atacada (evento 71, origem).

Por sua vez, o apelante SAMUEL insurge-se contra a revogação da gratuidade judiciária anteriormente deferida, referindo não ter condições de arcar com os custos do processo sem prejuízo de sua subsistência e de sua família. Destaca a importância de ser deferida a prestação de contas por parte da agravada com relação aos valores recebidos a título de alimentos em favor dos filhos. Refere que o valor dos alimentos fixados são superiores às necessidades dos filhos, postulando a redução para 20% dos seus rendimentos líquidos. Pugna pelo provimento do recurso, com a reforma da sentença atacada (evento 72, origem).

As partes apresentaram contrarrazões (eventos 76 e 77, origem).

O Ministério Público opinou pelo não provimento do recurso de JOSÉ SAMUEL e parcial provimento do recurso dos demandados/reconvintes (evento 07).

É o relatório.

VOTO

Inicio pela apelação dos demandados, no que diz com o indeferimento da gratuidade da justiça.

A ação revisional foi corretamente ajuizada em face dos beneficiários, VALENTINE e PIETRO, filhos menores do autor, que estão representados pela genitora.

Consoante estabelece o art. 98, caput, do CPC, a pessoa natural com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, sendo que, de acordo com o art. 99, § 3º, do CPC, a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural goza de presunção de veracidade.

Ou seja, há que se perquirir acerca das condições pessoais da parte requerente do benefício.

Desse modo, para a análise da gratuidade da justiça, sendo a parte menor de idade, é de ser presumida a insuficiência de recursos, não sendo hipótese de averiguar a capacidade financeira do respectivo representante legal, que não integra a lide, apenas representa o(s) menor(es).

É nesse sentido o entendimento jurisprudencial do STJ:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DE ALIMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES A PARTIR DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DE PESSOA DISTINTA DA PARTE, COMO A REPRESENTANTE LEGAL DE MENOR. (...) DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO MENOR. AUTOMÁTICO EXAME DO DIREITO À GRATUIDADE DE TITULARIDADE DO MENOR À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS PAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. TENSÃO ENTRE A NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DIREITO E INCAPACIDADE ECONÔMICA DO MENOR. PREVALÊNCIA DA REGRA DO ART. 99, §3º, DO NOVO CPC. ACENTUADA PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DO MENOR. (...). RISCO GRAVE E IMINENTE AOS CREDORES MENORES. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO INJUSTIFICADA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. REPRESENTANTE LEGAL QUE EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL. VALOR DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. IRRELEVÂNCIA.
1- (...).
2- O propósito recursal é definir se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por menor, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.

3- O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal.

4- Em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.

5- A interpretação que melhor equaliza a tensão entre a natureza personalíssima do direito à gratuidade e a notória incapacidade econômica do menor consiste em aplicar, inicialmente, a regra do art. 99, §3º, do novo CPC, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de sua insuficiência de recursos, ressalvada a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, §2º, do novo CPC, a posteriori, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, o que privilegia, a um só tempo, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório.

6- É igualmente imprescindível que se considere a natureza do direito material que é objeto da ação em que se pleiteia a gratuidade da justiça e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.

7- O fato de o representante legal das partes possuir atividade remunerada e o elevado valor da obrigação alimentar que é objeto da execução não podem, por si só, servir de empeço à concessão da gratuidade de justiça aos menores credores dos alimentos.

8- Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1807216/SP, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020) (grifei)

Na mesma linha são os precedentes no nosso Tribunal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ARROLAMENTO COM PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PARA FINS DE ANÁLISE DO PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA, DEVE-SE AFERIR A CAPACIDADE FINANCEIRA DA PARTE, QUE É A TITULAR DO DIREITO SUBJETIVO POSTO NA CAUSA, E NÃO DA REPRESENTANTE DELA, QUANDO INCAPAZ. O DIREITO SUBJETIVO EM DEBATE NESTE PROCESSO É TITULADO POR PESSOA MENOR DE IDADE, QUE NÃO APRESENTA RENDA OU PATRIMÔNIO PRÓPRIOS. LOGO, A GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEVE SER DEFERIDA, INDEPENDENTEMENTE DE COMPROVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA MÃE DELA, SUA REPRESENTANTE. RECURSO PROVIDO POR DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 51040371720228217000, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 31-05-2022)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C MODIFICAÇÃO NO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. PLEITO DE CONCESSÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. VIABILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA PRESUMIDA DAS APELANTES, MENORES DE IDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. A REGRA É O RECOLHIMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, SENDO A GRATUIDADE, EXCEÇÃO, E QUE DEVE SER CONCEDIDA ÀS PESSOAS HIPOSSUFICIENTES EM SUA ACEPÇÃO LEGAL (...). CASO DOS AUTOS EM QUE AS APELANTES SÃO MENORES DE IDADE E, PORTANTO, PRESUMIDAS AS SUAS NECESSIDADES E HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. RECURSO PROVIDO, POR MONOCRÁTICA.(Apelação Cível, Nº 50028784520198210013, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 06-05-2022)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE REVISIONAL DE ALIMENTOS. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DEFERIMENTO. A genitora da parte requerida não é parte do processo judicial, mas sua mera representante legal. Assim, à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, descabida a averiguação de sua capacidade financeira, devendo ser observado, além disso, o princípio da proteção integral, que recomenda seja facultado ao menor litigar gratuitamente para assegurar seus direitos. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 70082301706, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Redator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 26-07-2019)

Portanto, impõe-se a reforma da sentença para deferir a gratuidade das justiça aos demandados/reconvintes.

A gratuidade da justiça também é objeto da apelação do autor, uma vez que foi revogado na sentença.

A gratuidade é benefício excepcional, a ser concedido às pessoas realmente necessitadas, como estabelece o art. 98 do CPC, de sorte que a declaração de insuficiência financeira se reveste de presunção relativa de veracidade, que cede diante dos elementos dos autos, evidenciando a falta dos pressupostos legais para tal benesse.

JOSÉ é médico veterinário e nas razões recursais, apresentadas em junho de 2021, reproduziu seu comprovante salarial de março de 2020, tendo remuneração total de R$ 10.409,00 e líquido...

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