Acórdão nº 50004228120198210156 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004228120198210156
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002240851
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000422-81.2019.8.21.0156/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: JULIAN DOSE LEOTTY (AUTOR)

APELADO: SANTO IVO TASSONI (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JULIAN DOSE LEOTTY, nos autos da ação de indenização ajuizada em face de SANTO IVO TASSONI, contra sentença [Evento 94, SENT1] que julgou improcedente a pretensão deduzida na exordial, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos à parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade por litigar sob o amparo da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões [Evento 100, APELAÇÃO1], o autor manifestou sua contrariedade ao resultado do julgamento renovando os acontecimentos de origem em relação à agressão sofrida pelo demandado, ao tentar esfaqueá-lo, cujo fato somente não se consumou por situação alheia a vontade do agressor, visto que a faca ficou prese à bainha. Disse do conhecimento público do fato diante da cobertura de grande parte da imprensa gaúcha, sendo que após o ocorrido, foi ameaçado e humilhado pelo acontecido, visto que sua imagem foi exposta pelo fato criminoso e antidemocrático de alguém que não soube respeitar a democracia e o livre mercado. Alegou que os fatos são bastantes para ensejar a indenização por danos morais pleiteada, sobretudo para demonstrar o caráter ilícito de portar uma faca na sede de um Poder e usá-la contra quem se divirja da opinião, cujo homicídio só não se consumou por circunstância alheia a vontade do apelado, haja vista o tamanho da faca (conforme fotografia divulgada pela mídia e colacionada acima) utilizada contra o apelante. Na sequência, discorreu sobre a configuração dos danos morais, as disposições legais aplicáveis e o quantum indenizatório, postulando, ao final, o provimento do recurso para julgar procedente o pedido com a condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos morais.

Apresentadas contrarrazões [Evento 103, CONTRAZAP1], os autos foram remetidos a esta Corte e vieram distribuídos por sorteio.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

Conheço do recurso uma vez que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Na situação dos autos, o autor reclama a condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos morais sofridos em razão da alegada tentativa de homicídio perpetrada pelo demandado, ao ser agredido por ele após deixar sessão da Câmara de Vereadores de Charqueadas cujo fato afirma que não se consumou em razão de que a faca que o réu portava ficou presa à bainha.

Pois bem. Inicialmente, de se assentar que a responsabilidade civil consubstanciada no dever de indenizar é oriunda do ato ilícito resultante da violação da ordem jurídica, com ofensa ao direito alheio, exigindo-se, necessariamente, a presença dos seguintes pressupostos legais, quais sejam: a ação do agente, o resultado lesivo e o nexo causal entre o ato danoso e o resultado. A culpa, por sua vez, também deve estar presente, caracterizando um elemento nuclear da responsabilidade civil subjetiva.

Quanto ao primeiro elemento, deve haver a noção de voluntariedade, de modo que a conduta pode ser positiva ou negativa. A ação ou a omissão trata-se de aspecto físico da conduta, sendo a vontade o seu aspecto subjetivo, sua carga de energia psíquica que impele o agente. Em outras palavras, é o impulso causal do comportamento humano. Além disso, em regra, a conduta deve ser ilícita, considerando que os casos de indenização por ato lícito são excepcionalíssimos, só tendo lugar nas hipóteses expressamente previstas em lei. Enquanto o dolo se constitui na “vontade consciente de violar direito1”, a culpa em stricto sensu se traduz no comportamento equivocado, açodado, exagerado ou excessivo da pessoa, despido da intenção de lesar ou de violar direito, mas da qual se poderia exigir outro comportamento.

De se ressaltar, ainda, que a violação de um dever jurídico possibilita formular dois juízos de valor. O juízo sobre o caráter antissocial ou socialmente nocivo do ato ou do seu resultado e um juízo de valor sobre a conduta do agente, sendo necessário, sobre este aspecto, que o ato seja imputável ao ofensor, isto é, a quem tenha procedido culposamente2.

Sobre a culpa como pressuposto do dever de indenizar, ensina com maestria Sergio Cavalieri Filho3, verbis:

Não basta a imputabilidade do agente para que o ato lhe possa ser imputado. A responsabilidade subjetiva é assim chamada porque exige, ainda, o elemento culpa. A conduta culposa do agente erige-se, como assinalado, em pressuposto principal da obrigação de indenizar. Importa dizer que nem todo comportamento do agente será apto a gerar o dever de indenizar, mas somente aquele que estiver revestido de certas características previstas na ordem jurídica. A vítima de um dano só poderá pleitear ressarcimento de alguém se conseguir provar que esse alguém agiu com culpa; caso contrário, terá que conformar-se com a sua má sorte e sozinha suportar o prejuízo.

Rui Stoco4, ao seu turno, também assevera:

[...] quando o legislado, na Parte Geral do Código Civil, conceituou o ato ilícito, fê-lo com as seguintes exigências: a existência de uma ação ou omissão voluntária; que essa ação ou omissão tenha sido pratica mediante negligência ou imprudência e que tal comportamento viole o direito preexistente, que quer dizer, que seja contra jus.

Exigiu-se, como se verifica, para que nasça o ato ilícito, além da ofensa ao ordenamento jurídico, que essa conduta tenha ocorrido intencionalmente ou por imprudência ou negligência.

Conclui-se, assim, que não basta a prática de um ato prejudicial aos interesses de outrem, sendo imprescindível a ilicitude, consubstanciada na violação de dever jurídico preexistente.

O nexo de causalidade é o liame que une a conduta humana ao resultado danoso. Trata-se, igualmente, de elemento essencial da responsabilidade civil. Como destaca Sergio Cavalieri Filho5, “o conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico; decorre primeiramente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. Por outro lado, não basta que as possibilidades de dano tenham sido acrescidas pelo fato alegado. É necessário ficar suficientemente demonstrado que, sem o fato alegado, o dano não teria ocorrido.

O dano, ao seu turno, é a lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou imaterial, este ligado aos direitos da personalidade. Dano possui um sentido de diminuição do patrimônio do ofendido, por ato ou fato estranho à sua vontade, equivalendo à perda ou prejuízo. O dano é elemento fundamental da responsabilidade civil. Conforme ressalta Sergio Cavalieri Filho6, “sem dano não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa”.

A responsabilidade aquiliana, ademais, rege-se pelo princípio denominado de neminem laedere, segundo o qual a ninguém é facultado causar prejuízo a outrem, extraído do disposto no artigo 186, do Código Civil Brasileiro, o qual trata sobre o ato ilícito, verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Do ato ilícito, deflui o inexorável dever de indenizar, a teor do disposto no artigo 927 do Código Civil, verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O deslinde da controvérsia passa, então, pelo exame do conjunto probatório existente nos autos, cabendo ao autor fazer prova dos fatos constitutivos de sua pretensão.

E, no caso em análise, a partir dessas premissas e a pretensão indenizatória consubstanciada na alegada agressão física que teria sido perpetrada pelo demandada contra a pessoa do autor, não merece guarida a pretensão recursal, devendo ser mantida a sentença de improcedência.

Isso porque, malgrado a pretensão recursal aviada, os argumentos apresentados mostram-se insuficientes para refutar os fundamentos da sentença, cujas conclusões e percepções do juiz de origem, que foi quem, inclusive, presidiu a instrução processual e, por isso mesmo, merece ser prestigiada por estar rente aos fatos, peço vênia para transcrever, em parte, adotando como razões de decidir, verbis:

"(...)

II - Trata-se de ação e reconvenção em que buscam o autor/reconvindo Julian e o réu/reconvinte Santo Ivo, respectivamente motorista de Uber e taxista, indenização por danos morais causados pela outra parte, em razão de terem entrado em luta corporal no dia 01.10.2019, durante sessão da Câmara dos Vereadores que discutia projeto de lei com vistas à regulamentação de aplicativo de transporte em Charqueadas.

Em ambos os casos, cuida-se, evidentemente, de responsabilidade subjetiva (com perquirição de culpa), situação na qual somente existe o dever de indenizar se restarem comprovados os quatro elementos ou pressupostos da responsabilidade civil:

a) conduta humana (ação ou omissão);

b) dano ou prejuízo;

c) nexo de causalidade; e

d) culpa em sentido amplo, sendo este último um elemento acidental, presente somente na responsabilidade civil subjetiva, como é o caso da ação e da reconvenção sob análise.

Outrossim, cumpre referir que, na distribuição do ônus da prova, compete ao autor demonstrar o...

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