Acórdão nº 50004269520208210120 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004269520208210120
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002894089
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000426-95.2020.8.21.0120/RS

TIPO DE AÇÃO: Casamento

RELATOR: Desembargador RUI PORTANOVA

RELATÓRIO

Trata-se de ação de divórcio e partilha de bens ajuizada por KELI em face de LEANDRO.

Na inicial, a autora requereu o divórcio e a partilha dos bens comuns - um imóvel e a edificação sob ele construída, um caminhão, um automóvel Fiat/Fiorino, um automóvel VW/Saveiro, e verba de ação trabalhista.

Em contestação, o demandado requereu a exclusão de bens da partilha - concordando apenas com a verba da ação trabalhista e o veículo Fiat/Fiorino. Também arrolou bens a integrar a partilha - bens móveis que guarneciam a residência comum, e cotas da empresa com nome fantasia Nostra Casa.

Nos memoriais, a autora apresentou pedido alternativo para, caso não fosse reconhecida a partilha sobre o imóvel e a edificação, ao menos ela fosse indenizada pelas benfeitorias realizadas junto ao porão da edificação, local em que desenvolvia sua atividade laboral - Empresa de comércio de massas Nostra Casa. Também, pediu a condenação do demandado às penas por litigância de má-fé.

A sentença julgou parcialmente procedendo o pedido para

(a) partilhar as cotas da empresa Nostra Casa, o veículo Fiat/Fiorino, os valores recebidos pelo demandado fruto de ação trabalhista;

(b) partilhar o produto da venda do Caminhão, a ser apurado em liquidação de sentença

(c) excluir da partilha os bens móveis que guarneciam a residência do casal, e o veículo Saveiro;

(d) excluir da partilha o imóvel de matrícula 12.054 e a edificação nele construída, mas reconhecer o direito e meação da autora sobre eventuais direitos que as partes possam ter contra os proprietários registrais do imóvel; e

(e) indeferir o pedido de indenização por benfeitoria realizadas junto ao porão da edificação.

Em face da sentença, a autora opôs embargos declaratórios alegando omissão face pedido de condenação do demandado por litigância de má-fé (Evento 84 dos autos de origem).

Os declaratórios foram desacolhidos, indeferindo, pois, o pedido e aplicação das penas por litigância de má-fé (Evento 91 dos autos de origem).

Ambas as partes apelaram.

O demandado requereu (Evento 96 dos autos de origem):

(a) a anulação da sentença quando ao pedido de indenização pelas benfeitorias realizadas pela autora no porão da edificação;

(b) a exclusão da partilha do produto da venda do caminhão; e

(c) a exclusão de eventuais direitos que as partes possam ter contra os proprietários do imóvel de matrícula 12.054.

Contrarrazões ao Evento 99, CONTRAZ2, dos autos de origem.

A autora requereu a condenação do demandado as sanções por litigância de má-fé (Evento 99, APELAÇÃO1, dos autos de origem).

Contrarrazões ao Evento 102 dos autos de origem.

O Ministério Público com atuação neste grau de jurisdição deixou de emitir parecer de mérito (Evento 07).

É o relatório.

VOTO

APELO DO DEMANDADO.

Preliminar. Sentença ultra petita.

Na inicial, a autora requereu a partilha do imóvel de matrícula 12.054 e da respectiva edificação (benfeitoria) nele construída.

Em memorias, a autora realizou pedido - não expresso na inicial - pela indenização pelas benfeitorias por ela realizadas no porão da edificação construída sobre o imóvel de matrícula 12.054. Alegou que realizou benfeitorias na edificação, para tornar o local apto ao exercício de sua atividade laboral, a Empresa Nostra Casa, onde produzia massas, lasanhas, canelones, etc.

A sentença disse:

"Não há controvérsia quanto à propriedade do terreno, a qual pertence a Euclides Carra. Por isso que, em função disso, é inviável obter meação, ou desde logo indenização, decorrente de benfeitoria realizada pelo casal litigante em bem imóvel registrado em nome de terceiro. Viável, contudo, o reconhecimento da meação da autora sobre os eventuais direitos que as partes possam ter contra os proprietários registrais do imóvel. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL CONSTRUÍDO EM TERRENO DE TERCEIRO. VEÍCULO DE TITULARIDADE DE TERCEIRO. DÍVIDAS DE EMPRESA. APELAÇÃO AUTORA: É inviável obter meação, ou desde logo indenização, decorrente de benfeitoria realizada pelo casal litigante em bem imóvel registrado em nome de terceiro. Viável, contudo, o reconhecimento da meação da autora/apelante sobre os direitos e ações que as partes têm contra o proprietário registral do imóvel. Precedentes. Apelo parcialmente provido. RECURSO ADESIVO RÉU: 1. Partilha de edificação sobre terreno do pai da autora e dívidas correspondentes: Pelo mesmo fundamento do item anterior, viável somente a partilha de “direitos e ações” sobre residência e dívidas correspondentes, relativamente à imóvel construído em terreno de terceiro. Parcial provimento do recurso no ponto. (...) (Apelação Cível, Nº 70081576589, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 16-12-2019)

Agora, em apelação, o demandado alega que a decisão foi ultra petita, foi o pedido para indenização por realização de benfeitoria foi realizado apenas em memoriais, e não constou na inicial.

Pediu:

"a anulação da sentença neste ponto, por violação aos limites do pedido, ou seja, o pedido de indenização das benfeitorias não foi postulado na petição inicial, mas apenas nas alegações finais apresentadas pela Apelada, devendo os autos serem remetidos ao tribunal de origem para novo julgamento, nos termos do art. 141 c/c. 492, ambos do Código de Processo Civil."

Pois bem.

Primeiro é necessário fazer uma separação entre

(a) a benfeitoria consistente na edificação da casa de três andares, local que serviu de domicílio para o casal e

(b) a benfeitoria consistente na reforma do porão, posteriormente realizada para viabilizar a atividade laboral da autora.

Importa esclarecer, também, que a sentença não fez tal distinção. Contudo, trata-se de fato que pode ser suprido aqui neste grau recursal.

Então.

Quanto a benfeitoria consistente na edificação da casa de três andares, local que serviu de domicilio do casal, não há falar em anulação da sentença, pois não há decisão ultra petita.

Desde a inicial a autora requereu a partilha da edificação. A sentença, contudo, indeferiu o pedido, reconhecendo apenas o direito de meação sobre eventuais direitos e ações em relação aos proprietário do imóvel.

E, este tema, será objeto de apreciação em tópico posterior.

Aqui, neste tópico, estamos a falar da benfeitoria consistente na reforma do porão.

Em relação a este benfeitoria, ainda que o pedido por sua indenização tenha vindo, expressamente, apenas em memoriais, é bem de ver que desde a inicial a autora já havia pedido a partilha da edificação.

Ora, a edificação deve ser entendida em sua totalidade - incluso a benfeitoria consistente na reforma do porão, portanto.

Com efeito, não há decisão ultra petita, pois, reitero, desde a inicial a autora já havia realizado pedido para partilhar a edificação (benfeitoria).

O que ocorreu foi que apenas em memoriais veio pedido expresso de indenização pela benfeitoria consistente no porão, como pedido subsidiário, caso a partilha da benfeitoria consistente na edificação não fosse deferida.

Não há falar em anular a sentença, pois a sentença não deferiu o pedido de indenização pela benfeitoria.

A sentença indeferiu o pedido de partilha, tanto do imóvel de matrícula 12.054, quanto da respectiva edificação nele construída (o porão incluso), e reconheceu apenas a meação da autora sobre eventuais direitos em relação ao proprietário do imóvel.

E, isso, é tema para o próximo tópico.

Em suma, vai afastada a alegação de decisão ultra petita, desprovido o recurso no ponto, portanto.

Direitos contra os proprietários do imóvel de matrícula 12.054.

Na inicial, a autora arrolou o imóvel de matrícula 12.054, e a respectiva edificação sobre ele construída, como bem a integrar a partilha.

O demandado refutou o pedido, sob alegação de que o imóvel, e a edificação, era de propriedade de seu genitor, Euclides.

A sentença decidiu:

"Nota-se que algumas contradições surgem na medida em que novos depoimentos vão sendo tomados. No entanto, a meu ver, ainda que não se consiga ter exata compreensão de todos os negócios que envolveram Kely e Leandro, é inconcebível a alegação de que estes, considerando que ambos possuíam renda e trabalho, não tenham adquirido, mediante esforço comum, nenhum bem.

Veja-se que a parte autora arrolou testemunhas que negociaram diretamente com o ex casal, a exemplo de Raymundo Benetti que emprestou dinheiro à Kely, e Adriana Galina e seu esposo, os quais declararam que a compra do terreno foi realizada pela autora, mediante depósito bancário. Ambos os relatos, quando sopesados com as declarações das testemunhas do réu, bem como suas alegações, possuem maior carga probante, justamente pelo fato de que envolvidos, conforme dito, atuaram diretamente com a negociação.

Ademais, com relação às declarações do pai do genitor, pelo próprio litígio instalado nos autos, as mesmas devem ser analisadas com cautela, na medida que é claro o interesse de pai e filho em ver excluídos praticamente todos os principais bens da partilha.

O próprio contrato de aluguel da casa e comodato no caminhão, na constância da união, dão conta de uma provável tentativa de encobrir e prevenir eventual discussão patrimonial futura entre o casal.

Assim, diante do conjunto probatório, resta claro que Kely e Leandro, mediante esforço comum, constituíam patrimônio, sendo irrelevantes, nestes casos, perquirir acerca da colaboração individual de cada um.

Não há controvérsia quanto à propriedade do terreno, a qual pertence a Euclides Carra. Por isso que, em função disso, é inviável obter meação, ou desde logo indenização, decorrente de benfeitoria realizada...

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