Acórdão nº 50004287620198210160 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004287620198210160
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002231352
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000428-76.2019.8.21.0160/RS

TIPO DE AÇÃO: Crédito rural

RELATORA: Desembargadora ROSANA BROGLIO GARBIN

APELANTE: NATALINA GOMES DA SILVA (EMBARGANTE)

APELADO: ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA (EMBARGADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por NATALINA GOMES DA SILVA da decisão em que, apreciando embargos à execução opostos em face de ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA, a Magistrada a quo julgou improcedente o incidente, condenando a parte embargante ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa; suspensa a exigibilidade de tais encargos em virtude do deferimento da gratuidade de justiça (evento 22, SENT1).

Em suas razões (evento 27, APELAÇÃO1), alega a devedora, em síntese, a nulidade do título que embasa a execução, por ausência de requisitos do art. 783 do CPC, quais sejam, liquidez, certeza e exigibilidade, argumentando haver cômputo de juros e correções superiores ao legalmente permitidos. Tergiversa sobre boa-fé e desequilíbrio contratual. Ainda, persegue o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família, aduzindo que, conforme certidão carreada aos autos da execução, o único imóvel da apelante seria uma pequena propriedade rural em que a família da embargante trabalha, garantindo a sua subsistência, consoante talão de notas de produtor de tabaco. Pugna, ao final, pelo provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 30, CONTRAZAP1).

Remetidos os autos eletrônicos a essa Corte, vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se o feito subjacente de embargos à execução julgados improcedentes na origem, dando azo à interposição do presente recurso.

No entanto, a insurgência da executada/embargante merece parcial conhecimento, por não preenchimento dos requisitos mínimos de admissibilidade quanto à alegação de ausência de liquidez, certeza e exigibilidade do título exequendo, alicerçada na cobrança de juros e correções superiores ao legalmente permitido, diante da afronta ao princípio da dialeticidade recursal.

Veja-se que a sentença rechaçou aludida tese sob o fundamento de inobservância ao disposto art. 917, §3º do CPC, uma vez que, defendendo a parte ora apelante verdadeiro excesso de execução, a embargante deveria declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo do valor incontroverso, o que, no entanto, não realizado, conduz ao não exame do tópico.

Todavia, nada referiu a recorrente quanto aos fundamentos acima descritos. A embargante se limita a transcrever ipsis litteris os parágrafos da sua peça pórtica quanto ao tema (evento 1, INIC1), reiterando as teses previamente suscitadas nos autos, sem impugnar de maneira mínima e adequada a sentença combatida.

Destarte, sem expor a apelante as razões de fato e de direito pelas quais entende deva ser reformada a decisão recorrida, deixando de apontar em que elementos específicos deveriam os Julgadores ad quem se amparar para a reforma do decisum fustigado, é medida que se impõe o não conhecimento do recurso, eis que não preenchido requisito intrínseco de admissibilidade recursal, com afronta aos termos do art. 1.010, inciso II e III, do CPC, in verbis:

Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

I - os nomes e a qualificação das partes;

II - a exposição do fato e do direito;

III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;

IV - o pedido de nova decisão.

(...)

De acordo com Nelson Nery Junior1, "o apelante deve dar as razões, de fato e de direito, pelas quais entende deva ser anulada ou reformada a sentença recorrida"; e segue o doutrinador, registrando que "sem as razões do inconformismo, o recurso não pode ser conhecido".

Outro, aliás, não é o entendimento do Tribunal no julgamento de casos análogos:

APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA E RECONVENÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ANALÍTICA E DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. MERA CÓPIA DE PEÇA PROCESSUAL APRESENTADA ANTERIORMENTE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. HIPÓTESE DE NÃO CONHECIMENTO. O dever de fundamentação analítica não se restringe a orientar a prestação jurisdicional realizada pelo Magistrado, estendendo-se também às partes. Ao limitar as razões recursais à mera reprodução da contestação, não atendeu o apelante ao princípio da dialeticidade, deixando de combater, modo expresso, os fundamentos esposados na sentença vergastada, inviabilizando o conhecimento do apelo. APELO NÃO CONHECIDO.(Apelação Cível, Nº 50380066520198210001, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Julgado em: 29-04-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. RAZÕES DISSOCIADAS. DESCUMPRIMENTO DO PRECONIZADO PELO ART. 1.010, INCISOS II E III DO CPC/15. Conforme estabelece o art. 1.010, incisos II e III, do CPC/15, compete ao recorrente, em seu arrazoado, expor os fatos, o direito e as razões de direito, nos quais respalda sua pretensão de reforma da sentença vergastada. Hipótese em que a parte recorrente apresentou razões dissociadas da linha argumentativa do decisum, por ausência de contraposição ao fundamento do julgamento, o que impede o conhecimento do recurso. Mera repetição dos fundamentos expostos nos embargos apresentados. Sentença mantida. APELO NÃO CONHECIDO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA.(Apelação Cível, Nº 70084930494, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 25-08-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. REGULARIDADE FORMAL DO RECURSO. REQUISITO NÃO ATENDIDO. NÃO CONHECIMENTO. ART. 932, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Desatendida está a exigência do artigo 1.010 do Código de Processo Civil se a apelação não ataca os fundamentos da sentença. No caso, a apelante limitou-se a copiar, ipsis litteris, os termos da contestação, sem combater as razões de decidir da sentença que, de forma pormenorizada e fundamentada, havia repelido as teses apresentadas naquela peça defensiva. Dessa forma, não se conhece do apelo, na forma do art. 932, III, do Código de Processo Civil. RECURSO NÃO CONHECIDO EM JULGAMENTO MONOCRÁTICO.(Apelação Cível, Nº 70083605675, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 03-03-2020)

Assim, de rigor o não conhecimento do recurso no ponto.

Melhor sorte não socorre à apelante no que diz com a alegação de impenhorabilidade de bem.

A execução por quantia certa contra devedor solvente observa o princípio da responsabilidade patrimonial, pelo qual o devedor responde tão somente com seus bens por obrigações daquela natureza.

Dispõe o art. 789 do CPC:

Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Aludido dispositivo, como se vê, resguarda a proteção de certos valores pessoais e sociais, admitindo restrições à penhora.

Nesse viés, preconizam os arts. e da Lei nº 8.009/90:

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Art. 5º. Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. ”

Daí porque, para que se reconheça a impenhorabilidade do bem de família, impositiva a demonstração de que o imóvel constrito é utilizado pela entidade familiar para moradia.

Ainda, a teor do que dispõe o art. 5º, XXVI2, da Magna Carta c/c o art. 8333, VIII, do CPC, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva atinente a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.

O art. 4º, §2º, da Lei 8.009/902, repete a proteção constitucional, sendo que o art. 4º, I, da Lei 8.629/93, define imóvel rural como o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial, e o inciso II, conceitua pequena propriedade como o imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais. Refere o artigo:

Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I- Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;

II - Pequena Propriedade - o imóvel rural:

a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento; (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

III - Média Propriedade - o imóvel rural:

a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;

§ 1º São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural. (Redação dada pela nº Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2o É obrigatória a manutenção no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) de informações específicas sobre imóveis rurais com área de até um módulo fiscal.

Na hipótese, salvo engano, até o presente momento, não houve...

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