Acórdão nº 50004293220188216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004293220188216001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002610513
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000429-32.2018.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Dissolução

RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA DEBONI

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Gerson S.P., inconformado com sentença do 1º Juízo da Vara de Família do Foro Regional da Tristeza da Comarca de Porto Alegre, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de conversão de separação judicial em divórcio cumulada com partilha de bens movida em face da apelada, Márcia G., para o fim de (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 33-37):

(a) decretar o divórcio das partes;

(b) partilhar, em relação ao imóvel arrolado, adquirido de forma parcela/financiada, os direitos e ações, assim como as obrigações decorrentes do contrato, reconhecendo, no entanto, a sub-rogação de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais), pagos a título de entrada, com recursos particulares da recorrida; e

(c) determinar que recorrida pague aluguéis ao apelante, pelo uso exclusivo do bem, a partir da data da prolação da sentença, em valor a ser apurado em sede de liquidação.

Em suas razões de apelação (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 50, e PROCJUDIC4, fls. 01-06), narrou o recorrente que as partes adquiriram um apartamento, no ano de 1996, mediante financiamento, o qual está sendo utilizado apenas pela recorrida, desde 2000, quando findou o casamento. Defendeu que a sentença não pode prevalecer, porquanto reconheceu sub-rogação não ocorrida. Afirmou que o cheque no valor de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais) foi emprestado pela mãe da parte adversa, “para não ter que se transportar valores em espécie” (sic). Salientou que os valores do financiamento suportados pela apelada após a separação de fato foram na verdade pagos com o valor da pensão que ela recebia dele, de modo que não é “coerente reverter à apelada a propriedade” (sic). Sustentou, ainda, que não é cabível a divisão igualitária das despesas relativas ao bem no período em que foi ocupado apenas pela recorrida. Destacou que há dívida de condomínio cuja execução encontra-se averbada na matrícula do imóvel, a qual, segundo alegou, diz respeito ao “tempo em que a ré residiu sozinha no apartamento, sendo proveniente de uso exclusivo da ré sobre o bem” (sic). Tocante ao aluguel, asseverou que “devem ser fixados a partir da data em que a apelada passou a morar sozinha ou, no mínimo, a partir da propositura da ação, não podendo o apelante ser prejudicado pelo tempo de decurso do processo” (sic). Pugnou, nesses termos, pelo provimento do recurso, a fim de que: (a) “a propriedade do bem seja dividida igualitariamente” (sic); (b) “as despesas do imóvel sejam divididas conforme a lei de locação, sendo a apelada responsável pelas despesas ordinárias e sendo ambos responsáveis pelas extraordinárias na exata medida de sua propriedade, o mesmo ocorrendo com as dívidas pretéritas” (sic); e “o aluguel seja deferido desde o início do uso exclusivo da apelada, ou, no mínimo, desde a propositura da presente ação” (sic).

Não foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público declinou de intervir (evento 8).

Vieram os autos conclusos em 31/05/2022 (evento 9).

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade. No entanto, só em parte pode ser conhecido.

Isso porque o autor/apelante deduz pretensões, em sede recursal, que extrapolam o objeto do processo.

Com efeito, os pedidos deduzidos na exordial consistiam, tão somente, no seguinte (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 03):

Diante do exposto, REQUER:

1) a procedência da presente ação, para:

1.1 decretar o divórcio do casal, pondo fim ao vínculo matrimonial, ordenando a expedição de ofício para averbação juntado ao Registro Civil competente;

1.2 determinar a partilha igualitária do imóvel matriculado sob o nº 35.424;

1.3 deferir a fixação de aluguel pelo uso exclusivo do bem comum pela demandada.

Como se vê, não foi arrolada à partilha nenhuma dívida, sequer decorrente de obrigações condominiais. Portanto, é incabível o exame de tal pretensão no presente feito, sob pena de violação ao contraditório, porquanto a ré não foi citada para contestar pedido dessa natureza.

Embora o recorrente afirme que há penhora registrada na matrícula do imóvel, oriunda de processo de execução em que se cobravam parcelas condominiais, não há como saber a que período concernem tais obrigações, sendo essa, reitero, discussão estranha ao processo.

Assim, não é dado ao recorrente inovar em sede recursal, pois o mérito deve ser acolhido ou rejeitado, no todo ou em parte, de acordo com o pedido formulado (artigo 4901 do Código de Processo Civil), sendo vedado ao magistrado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exija iniciativa da parte (artigo 1412 do Código de Processo Civil).

Ademais, nos termos do artigo 492, caput3, do Código de Processo Civil, é vedada a prolação de decisão de natureza diversa da pedida (extra petita), porquanto isso importa em nulidade.

Ressalte-se, ainda, que também não houve formulação de pedido específico para que fossem aplicados à hipótese os preceitos da Lei do Inquilinato e/ou que a recorrida ficasse responsável “pelas despesas ordinárias e sendo ambos responsáveis pelas extraordinárias na exata medida de sua propriedade, o mesmo ocorrendo com as dívidas pretéritas [sic].

Consequentemente, não conheço do recurso no que diz respeito ao pleito deduzido na alínea “b” das razões de apelação (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 06).

Com essas considerações, passo ao exame dos demais pleitos recursais.

1. Da pretensão de partilha igualitária do imóvel (ou não reconhecimento da sub-rogação).

As partes casaram-se em 19/02/1993, pelo regime da comunhão parcial de bens, e separaram-se consensualmente, por meio de sentença proferida em 03/10/2000 e transitada em julgado em 18/10/2000 (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 39).

Na exordial, o autor postulou a partilha de um apartamento que está registrado sob a matrícula nº 35.424 do Livro nº 2 do Registro de Imóveis da 3ª Zona de Porto Alegre, em nome de Joel U.P.S. e Fani M.D.S., encontrando-se gravado de ônus real hipotecário em favor da Caixa Econômica Federal, que adquiriu o crédito da Habitasul Crédito Imobiliário S/A (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 22-25).

Ou seja, os divorciandos não detêm o direito real de propriedade do bem, mas apenas direitos pessoais (obrigacionais/contratuais), adquiridos por meio do contrato de arras firmado em 05/08/1996, com Edison B. e Miram F.B., no valor de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais).

De ver-se que o promitente vendedor também havia adquirido apenas direitos pessoais sobre o imóvel, mediante compromisso de compra e venda assinado com os proprietários registrais, Joel U.P.S. e Fani M.D.S. (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 12-14).

Portanto, o que se observa é uma sucessão de contratos de gaveta (não levados a registro).

Contudo, infere-se do instrumento particular de autorização de cancelamento de hipoteca e outras avenças, emitido pela credora hipotecária, na data de 15/07/2014, que as obrigações contratuais – 300 (trezentas) prestações mensais e sucessivas, sendo a última no valor de R$ 204,42 (duzentos e quatro reais e quarenta e dois centavos) – teriam sido quitadas (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 15, e PROCJUDIC3, fl. 26).

Nesse panorama, considerando-se que no regime da comunhão parcial de bens comunicam-se os aquestos, ressalvadas as exceções legais (artigo 1.6584 do Código Civil), bem como que a propriedade imobiliária só se adquire mediante registro do título translativo (artigo 1.2455 do Código Civil), a partilha recai exclusivamente sobre os direitos e obrigações que as partes, em conjunto (documento firmado por ambas), adquiriram por meio do contrato de arras retrorreferido.

Em outros termos, permanecem solidariamente responsáveis perante as obrigações assumidas frente ao promitente vendedor.

Não obstante, o cônjuge que, após a separação de fato, venha a satisfazer dívida comum, sub-roga-se no direito do credor em relação ao consorte, por força do disposto no artigo 259, parágrafo único6, do Código Civil.

Daí o acerto da sentença ao estabelecer que a partilha recaia sobre os valores efetivamente pagos na constância da sociedade conjugal, revertendo-se os pagamentos posteriores em favor daquele que os tenha adimplido.

Na hipótese vertente, o apelante, conquanto reconheça que após a separação fática foi a divorcianda que prosseguiu adimplindo as prestações do mútuo, deduz a estranha alegação de que ela o teria feito com valores “da pensão”, como se, com isso, ele pudesse invocar para si o proveito dos pagamentos.

A linha de argumentação, além de não possui fundamento jurídico que a sustente, sequer pode ser objeto de exame nesse momento processual, porque, como restou consignado na sentença, a matéria deverá ser objeto de apuração em incidente de liquidação.

Por outro lado, no que atine à pretensão que de não seja reconhecida a sub-rogação operada no pagamento da entrada (arras/sinal), melhor sorte não acode ao apelante.

A parte ré/apelada comprovou que os R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais) empregados no pagamento da entrada do imóvel foram pagos com dois cheques emitidos por sua genitora, nas datas de 22/04/1996 e 29/05/1996, cada um deles no valor de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinquenta reais), como demonstram as cártulas juntadas no evento 3, PROCJUDIC2, fl. 19.

Data venia, não podem ser mera coincidência que essas ordens de pagamento correspondam exatamente ao valor do sinal pactuado e tenham sido emitidas em datas próximas à contratação.

Além disso a demandada também juntou ao processo outros documentos que confirmam as alegações de que recebeu...

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