Acórdão nº 50004322420168210062 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 11-08-2022

Data de Julgamento11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004322420168210062
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002428427
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000432-24.2016.8.21.0062/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

APELANTE: ORLANDO OTAVIO DA SILVA (RÉU/OFENDIDO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação do réu Orlando Otavio da Silva, contra sentença do Juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Rosário do Sul/RS que acolheu parcialmente denúncia do Ministério Público e absolveu o réu das sanções do art. 29, §1º, inc. III, da Lei nº 9.605/98, com base no art. 386, inc. VII, do CPP, e condenou-o como incurso nas sanções do art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03, às penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 20 (vinte) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária consistente no pagamento de um salário mínimo), pela prática do seguinte fato:

1º FATO DELITUOSO: No dia 08 de julho de 2016, por volta das 10h30, na rua Santo André, n.º 515, em Rosário do Sul/RS, o denunciado ORLANDO OTÁVIO DA SILVA possuía, mantinha sob sua guarda, no interior de sua residência, armas de fogo de uso permitido consistentes em 01 (um) revólver, calibre 38, n.° 14396, 01 (uma) espingarda de pressão broqueada para calibre 22, sem marca aparente, bem como munições de uso permitido, consistentes em 17 (dezessete) cartuchos, calibre 38; 06 (seis) cartuchos calibre 22, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

2º FATO DELITUOSO: Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar do 1º fato, o denunciado ORLANDO OTÁVIO DA SILVA possuía, tinha em depósito e ocultava, mantinha sob sua guarda, no interior de sua residência, arma de fogo de uso restrito, consistente em 01 (uma) espingarda, calibre 44, n.° 4116, bem como munições de uso restrito, consistentes em 06 (seis) cartuchos, calibre 44 sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

3º FATO DELITUOSO: Em momento e local não suficientemente esclarecidos, mas também do 1º fato, o denunciado ORLANDO OTÁVIO DA SILVA adquiriu, guardou/matou espécime da fauna silvestre, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

Por ocasião dos fatos, o denunciado Júlio estava com os objetos descritos acima no interior de sua residência, quando Policiais Civis estiveram no local a fim de dar cumprimento a mandado de e apreensão expedido pela 2ª Vara Criminal desta Comarca, nos autos do processo nº 062/2.16.0001213-0, momento em que restaram apreendidas as armas de fogo e munições discriminadas acima.

As armas de fogo e as munições podem ser usadas eficazmente, conforme Auto de Constatação de Funcionamento e Potencialidade de Arma de Fogo da fl. 61 do I.P., portanto, com potencialidade lesiva.

Ainda, na mesma diligência já descrita anteriormente, os agentes da Polícia Civil realizaram a apreensão de uma mulita já abatida e congelada, que havia sido morta pelo denunciado.

A carcaça do animal foi apreendida, conforme Auto de Apreensão da fl. 58 do IP.

Nas razões (evento 3, DOC4 - p. 40/46), a Defesa suscitou, em preliminar, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva Estatal no que concerne ao delito posse ilegal de arma de fogo e munições de uso permitido. Subsidiariamente, requereu a desclassificação da conduta tipificada no art. 16, da Lei nº 10.826/03 para a prevista no art. 12 da Lei de Armas, em face do Decreto nº 9.785/19, o reconhecimento das atenuantes do art. 65, inc. I e inc. III, alínea "d", ambos do CP, o afastamento do concurso formal, e o reconhecimento de crime único.

Nas contrarrazões (evento 3, DOC4 - p. 07/11), o Ministério Público postulou o improvimento do apelo.

Nesta instância, a Procuradora de Justiça, Dra. Ana Lúcia Cardozo da Silva, opinou pelo parcial provimento do recurso, para o fim de: a) declarar a extinção da punibilidade estatal pela ocorrência da prescrição em relação ao 1º fato e, b) desclassificar a conduta descrita no 2º fato, para o art. 12, Lei n. 10.826/2003, fixando-se novo apenamento.

VOTO

O réu é primário, conforme se extrai da certidão de antecedentes (evento 3, DOC3 - p. 43).

O recurso defensivo suscita a preliminar de prescrição e cinge-se aos critérios adotados na sentença para fixação da pena, o que deve ser acolhido no tocante ao delito previsto no art. 12, da Lei nº 10.826/03 (1º fato), já que, em observância ao disposto no art. 119, do CP, a prescrição é calculada separadamente, para cada infração na hipótese de concurso de crimes. A sentença condenou o apelante à pena de 1 (ano) de detenção, decorrendo a prescrição no prazo de 2 (dois) anos (art. 109, inc. V, c/c o art. 115, ambos do CP), o qual transcorreu da data do recebimento da denúncia (05/05/2017 - evento 3, DOC2 - p. 48) até a data da sentença penal condenatória (22/10/2019 - evento 3, DOC4 - p. 08/16), não se verificando a incidência de outras causas suspensivas ou interruptivas neste intervalo. Deste modo, está extinta a punibilidade do réu, pela prescrição retroativa, na forma do art. 107, inc. IV, do CP, decreto que alcança também a multa, a teor do art. 114, inc. II, do CP.

Atinente ao delito previsto no art. art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03, narrado no 2º fato delituoso, a materialidade delitiva restou consubstanciada pelo boletim de ocorrência (p. 12/14), auto da prisão em flagrante (p. 15), auto de apreensão (p. 22), auto de constatação de funcionamento e potencialidade de arma de fogo (p. 25), mandado de busca e apreensão (p. 27/28), todos constantes no evento 3, DOC1, pelos laudos periciais (evento 3, DOC2 - p. 36/44/46), aferindo a potencialidade das armas de fogo e munições, bem como pela prova oral coligida aos autos.

Quanto à prova testemunhal, está amparada nos depoimentos dos policiais civis e na confissão do réu que admitiu a posse da arma de fogo e munições para sua segurança e de seu patrimônio.

Em seguimento, a denúncia narra que, na residência do acusado foram apreendidas uma espingarda, calibre 44, nº 4116, bem como munições de uso restrito, consistentes em 6 (seis) cartuchos de calibre 44. No entanto, o laudo pericial nº 136063/2016, realizado pelo Instituto-Geral de Perícias, constatou que a espingarda possui calibre 36 para caça, dado como "calibre 44" no ofício solicitante (evento 3, DOC2 - p. 36).

Quanto às munições apreendidas, necessária a desclassificação do delito tipificado no art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03 para a conduta prevista no art. 12, do mesmo dispositivo legal (2º fato), em razão da alteração legislativa do complemento da norma penal em branco, que não mais classifica as munições de calibre 44-40 de uso restrito passando a ser considerada de uso permitido, o que ocorreu durante a tramitação do presente feito.

Na data do fato, a norma regulamentadora dos produtos controlados (Decreto nº 3.665/2000), classificava como de uso restrito as armas de fogo curtas, cuja munição comum tivesse, na saída do cano, energia superior a trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, citando no rol exemplificativo o calibre 357 (art. 16, inc. III). No entanto, com o advento do Decreto nº 9.847/2019, que trouxe nova complementação à Lei de Armas, passou-se a considerar como de uso restrito tão somente as munições que: a) atinjam, na saída do cano de prova de armas de porte ou portáteis de alma raiada, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; b) sejam traçantes, perfurantes ou fumígenas; c) sejam granadas de obuseiro, de canhão, de morteiro, de mão ou de bocal; ou d) sejam rojões, foguetes, mísseis ou bombas de qualquer natureza. Além disso, consideram-se de uso proibido as munições assim definidas em acordo ou tratado internacional de que a República Federativa do Brasil seja signatária e as munições incendiárias ou químicas (art. 2º, incisos IV e V).

Ademais, foi determinado que o Comando do Exército estabelecesse os parâmetros de aferição e listagem dos calibres nominais, bem como a classificação das armas de fogo e das munições quanto ao uso permitido ou restrito (art. 2º, § 2º).

Na data de 12/08/2019, sobreveio a publicação da Portaria nº 1.222/2019, emitida pelo Comando do Exército, a qual traz na listagem de calibres nominais de armas e munições de uso permitido o calibre 44-40 Winchester (anexo A, da mencionada Portaria), por atingir a energia de 831.14...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT