Acórdão nº 50004337720178210125 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004337720178210125
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002179489
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000433-77.2017.8.21.0125/RS

TIPO DE AÇÃO: Reivindicação

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: CATIANE BENITES PEREIRA (AUTOR)

APELADO: JOSE VANDERLEI DALOMO SALBEGO (RÉU)

RELATÓRIO

CATIANE BENITES PEREIRA apela da sentença que julgou a ação de obrigação de fazer c/c anulatória de contrato e indenização que move em face de JOSÉ VANDERLEI DALOMO SALBEGO, assim lavrada:

Vistos.

I – RELATÓRIO.

Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c Anulatória de Contrato e Indenização por Dano Moral movida por CATIANE BENITES PEREIRA em desfavor de JOSÉ VANDERLEI DALOMO SALBEGO. Em síntese, alegou que firmou um contrato de permuta de terrenos com o requerido, no montante de R$ 35.000,00 para cada obrigação. Referiu ter cumprido o compromisso avençado, transferindo o imóvel de sua propriedade ao demandado; ao reverso, o terreno que deveria ser entregue à postulante não está desmembrado, o que lhe impossibilitou de realizar a escritura. Mencionou que contatou diversas vezes o Sr. José, no intuito de obter a documentação necessária para proceder ao registro, restando, no entanto, inexitosas suas tentativas, embora o mesmo afirme que os possui. Observou que no negócio jurídico entabulado resta verificado vício de consentimento por erro, porque não tinha ciência de que o réu não era o verdadeiro proprietário do imóvel bem como de que este não se encontrava regularmente registrado e apto a ser escriturado, pois tais informações lhe foram ocultadas. Expôs que o contrato também previa que o requerido construísse uma casa de alvenaria no terreno, mas este o fez com material de péssima qualidade. Referiu que, evidenciado o inadimplemento contratual pelo demandado, não lhe restou outra opção senão recorrer ao judiciário para ver solucionado o imbróglio. A respaldar sua explanação teceu comentários à legislação pertinente à matéria. Requereu o julgamento procedente dos pedidos a fim de que seja o réu compelido a cumprir a obrigação de transferência do bem ou, subsidiariamente, anulado o negócio por vício de consentimento (erro). Suplicou, ainda, pela condenação do demandado ao pagamento de indenização a título de danos morais (fls. 02-04v.). Acostou documentos (fls. 05-16).

Recebida a inicial, foi deferida a benesse da AJG à autora (fls. 17-17v.).

Citado (fl. 21), o requerido apresentou peça contestatória (fls. 22-25). Em suma, rechaçou os argumentos lançados pela oponente na exordial, alegando serem infundados e sem respaldo legal. Ressaltou, em sede preliminar, falta de interesse de agir por parte da autora, uma vez que no contrato de permuta de bens imóveis assinado por ambos consta que o demandado era apenas possuidor do terreno transacionado e, sendo assim, efetivou a transferência dos direitos possessórios sobre ele. No mérito, invocou a improcedência do pedido, considerando que a demandante traz como pedido principal a exigência de que o réu realize algo com o qual não restou compromissado. Frisou, outrossim, ter cumprido integralmente a obrigação de edificar uma casa de alvenaria sobre o terreno objeto do feito. Por fim, asseverou não haver comprovação nos autos do alegado dano moral sofrido pela autora. Juntou procuração e documentos (fls. 26-28v.).

Sobreveio réplica às fls. 30-32v.

Às fls. 37-38 o componente do polo passivo encartou manifestação.

Designada audiência de instrução (fl. 39), foi tomado o depoimento pessoal do requerido e ouvidas três testemunhas (fls. 49-51).

As partes anexaram memoriais às fls. 52-55 e 56-60v. Vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATO. PASSO A DECIDIR.

II– FUNDAMENTAÇÃO.

Considerando que a preliminar aventada confunde-se com o próprio mérito, passo a examinar o cerne da lide, adiantando que a pretensão inicial não merece prosperar.

A controvérsia esboçada cinge-se à (ir)regularidade do contrato firmado entre as partes, em especial, no âmbito do cumprimento das obrigações recíprocas assumidas pelos litigantes.

Ab initio, cabe ressaltar que, para a anulação de um negócio jurídico, é necessário que estejam presentes o erro, ignorância, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude, conforme preceituam os artigos 138 a 157 do Código Civil, o que não restou verificado no caso em apreço. Senão, vejamos.

A autora alega ter realizado uma permuta de terrenos com o réu, restando este comprometido a entregar o imóvel regularizado, o que não teria feito. Salientou, ainda, que o Sr. José Vanderlei estaria se recusando a fornecer os documentos necessários para que procedesse ao registro da escritura do bem.

Entretanto, de uma rápida leitura da documentação trazida pela própria peticionária, infiro que sua explanação não coincide com a realidade dos fatos, e isso porque no “Contrato de Permuta de Bens Imóveis” (vide fls. 09-09v.) consta anotado na cláusula primeira “ que o primeiro permutante é proprietário do seguinte bem: direitos possessórios sobre um terreno urbano, situado na cidade de São Francisco de Assis, na Rua Benjamin Chioqueta, com a área de trezentos e vinte e cinco metros quadrados (325,00m²), ou seja, 13,00 metros de frente por 25,00 metros de frente a fundos; imóvel esse adquirido de Luiz Fernando Estivale (...)”, ou seja, estão grifadas expressões que demonstram que o objeto em negociação naquela ocasião se tratava de direitos de posse.

E, além disso, a demandante trouxe ao processo outros documentos, quais sejam os contratos de compra e venda anteriores ao negócio celebrado (fls. 11, 12 e 13), do que se presume que foram alcançados a ela pelo próprio requerido, em demonstração de que não se omitiu na entrega da documentação concernente ao imóvel.

De se acrescentar que, quanto à edificação da casa (obrigação assumida também pelo requerido), tenho que foi cumprida na sua integralidade, consoante declaração firmada pelas partes (fl. 27), não havendo prova suficiente a corroborar as alegações expendidas pela proponente da ação quanto à qualidade dos materiais utilizados, o que facilmente seria acessível aos autos, até mesmo por meio de fotografias.

Ademais, a prova oral colhida no caderno processual diverge do contexto trazido pela postulante.

Em audiência, Patrícia Silveira – ouvida na condição de informante –, confirmou que autora e réu fizeram um acordo, registrado em cartório, de que em seis meses José Vanderlei tinha que dar uma casa para Catiane em São Francisco de Assis, conforme ela entregou a dela em Nova Esperança do Sul. Referiu, além disso, que posteriormente ele fez outro acordo com ela, no qual Catiane tinha que passar a escritura para ele. Comentou que, então, ele vendeu a casa de Nova Esperança para construir a moradia dela aqui, mas que a edificação não ficou como haviam combinado e ela não pode instalar energia elétrica no local porque não tem escritura. Observou que a casa apresentava outros problemas: as janelas eram usadas, não foi feito o reboco na parte externa, etc., e que a demandante se mudou e está pagando aluguel. Referiu que ela saiu porque não pode colocar luz na casa, a qual não estava em condições para moradia (cd da fl. 51).

Claudiomiro Benitez Pereira, irmão da autora, disse que Catiane negociou a casa com o Sr. José em troca do compromisso de ele edificar uma em São Francisco de Assis. Comentou que o requerido construiu, mas ficou mal acabada e sem papel nenhum/escritura, enquanto a dela era legalizada em Nova Esperança do Sul. Expôs que sua irmã morou por pouco tempo no local porque não tem luz, pois o réu colocou somente um poste e por ele passa a alta-tensão da rede, quando teria que passar a baixa. Comentou que ela tentou fazer a ligação da luz, mas até hoje a companhia de energia elétrica não contribuiu com a rede. Questionado, referiu que não sabe de nenhum proprietário ter reivindicado o terreno. Sobre a residência, disse que tem forro e reboco, e que Catiane ficou morando em torno de cinco meses no local, saindo exclusivamente pela questão da luz. Confirmou ter conhecimento de outras casas nos arredores que tinham a mesma situação do terreno – eram área de posse – mas todas tinham luz, menos ela, por causa da companhia elétrica (cd da fl. 51).

A testemunha Maria Sirlei Pilar Silveira, amiga de Catiane, referiu que a autora residiu na casa, mas não soube dizer porque ela saiu do local. Salientou que era a vizinha mais próxima e cedia água e luz para ela, pois a rede que cruza na frente é de alta-tensão (não tem a baixa) e para ser realizada a instalação tinha que ter mais de um morador na época, mas não havia. Explanou que José Vanderlei construiu a residência do jeito que a demandante pediu (a casa foi bem feita, com bom piso, bem acabada, bem construída…), e que Catiane ficou na moradia durante o período de um ano, um ano e pouco, e nunca reclamou de goteiras, mal acabamento e/ou de que a casa estava com problema e não tinha sido entregue como ela queria. Referiu que acredita que a autora soubesse que aquela área era de posse e que não tinha escritura quando ela fez a permuta (cd da fl. 51).

Destarte, considerando que não restou demonstrado nenhum vício de consentimento quando da entabulação do contrato, não há que se falar em anulação do instrumento particular.

E, tendo a promitente compradora conhecimento acerca da situação em que se encontrava o imóvel, bem como não sendo o requerido o causador de qualquer óbice referente à impossibilidade de instalação de energia elétrica no local, não há que se falar em ocorrência de dano à esfera moral, restando afastado também o pleito indenizatório.

A ilustrar a matéria em comento, transcrevo ementas redigidas pelo egrégio Tribunal de Justiça gaúcho em casos análogos:

"APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE E DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS....

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