Acórdão nº 50004357920198210124 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004357920198210124
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001690643
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000435-79.2019.8.21.0124/RS

TIPO DE AÇÃO: Arrendamento rural

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: TERESINHA HUPPES PIES (AUTOR)

APELANTE: JESSICA BACKES (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A sentença julgou improcedente a ação anulatória ajuizada por TERESINHA HUPPES PIES a JESSICA BACKES, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da demandada, fixados em 15% sobre o valor da causa, com exigibilidade suspensa por litigar sob o pálio da gratuidade judiciária (Evento 40 - SENT1).

A demandante apela para a reforma da sentença. Aduz que, por ser pessoa idosa, foi ludibriada pela demandada na ocasião em que assinou a carta de anuência em seu favor. Assinala ter sido pressionada e coagida emocionalmente para assinar a referida carta. Assevera que lhe foram negadas informações essenciais a respeito do verdadeiro beneficiário. Refere que o documento deveria ter sido assinado no interior de agência bancária e na presença de profissional que lhe prestasse a devida assistência. Sustenta que semelhantes circunstâncias impõem o reconhecimento da nulidade do negócio jurídico por vício de consentimento. Pede o provimento do recurso (Evento 45 - APELAÇÃO1).

Foram apresentadas contrarrazões, nas quais a apelada defende a inexistência de qualquer vício de consentimento a macular a carta de anuência firmada pela apelante (Evento 48 - CONTRAZAP1).

É o relatório.

VOTO

Encaminho o voto pelo desprovimento do apelo.

Reconstituo que se trata de ação anulatória ajuizada pela ora apelante com o objetivo de obter o reconhecimento da invalidade da carta de anuência que firmou em benefício da apelada. O referido documento, emitido pelo Banco Sicredi, dá conta da existência de uma relação contratual entre a anuente (Teresinha) e a usuária (Jessica), consistente no arrendamento de imóvel rural de 15 hectares, cuja validade corresponde ao período de 10.04.2018 a 31.12.2025 (Evento 2 - OUT2 - fls. 14/15 dos autos digitalizados).

Alguns anos antes, em 26.02.2014, o marido da apelante, José Ignacio Pies, havia celebrado contrato de arrendamento rural com Jeatan Backes, irmão de Jessica (Evento 2 - OUT 2 - fls. 12/13 dos autos digitalizados). José Ignacio faleceu pouco depois, em 30.05.2014 (Evento 2 - OUT2 - fl. 11 dos autos digitalizados), e a administração dos negócios da família passou para Teresinha.

A apelante narra ter sido procurada pelo pai de Jeatan e Jessica, Otávio Paulinho Backes, na data de 10.04.2018, que a teria induzido em erro, fazendo-a pensar que a carta de anuência que estava a assinar vinculava-se ao suprarreferido negócio jurídico, quando na verdade dizia respeito a arrendamento para sua outra filha e em prazo superior ao do contrato firmado entre Jeatan e José Ignacio. Semelhante situação, assim alega, caracterizaria vício de consentimento.

A versão da apelante, porém, enfraquece quando cotejada com os fatos.

Em primeiro lugar, a própria carta de anuência é absolutamente clara na indicação do anuente (no caso, a apelada), bem como do período de vigência do contrato, que se encerra em 2025. Não se trata de documento prolixo e redigido em linguagem pouco acessível. Uma leitura simples e rápida basta para a apreensão de todo o seu conteúdo, e não é plausível que a apelante tenha dispensado essa leitura.

Em segundo lugar, não há registro nos autos da incapacidade civil da apelante, tampouco da sua impossibilidade de compreender o teor do documento firmado. Ao contrário, do seu depoimento pessoal ressai nitidamente se tratar de pessoa com habilidades cognitivas normais (Evento 26 - VÍDEO4).

Ademais, o caso guarda peculiaridades fáticas que foram muito bem analisadas pelo Juízo de primeiro grau, razão pela qual peço vênia para transcrever a fundamentação da sentença, que adoto como parte do voto:

Trata-se de ação anulatória por meio da qual a autora postula a anulação da carta de anuência acostada ao Evento 2, OUT2, fls. 08/09, sustentando, em síntese, que jamais firmou qualquer relação contratual de arrendamento com a ré Jéssica. Também sustentou o vício do consentimento referindo que o Sr. Otávio referiu que o documento serviria apenas para financiar o plantio.

Conforme disposto no art. 171, inciso II, do Código Civil, é anulável, tratando-se, portanto, de nulidade relativa, o negócio jurídico celebrado por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

No caso em análise, a demandante, em sua inicial, aponta que ocorreram dois vícios do consentimento, sendo eles o erro e o dolo.

Nesse toar, imperioso distinguir os institutos.

O erro, previsto nos artigos 138 a 144 do Código Civil, trata-se de uma falsa percepção da realidade pelo próprio agente. É, desse modo, um erro espontâneo, ou seja, decorrente de equivocada percepção da realidade sem qualquer forma externa de indução.

Por outro lado, o dolo, disposto nos artigos 145 a 150 do Código Civil, trata-se do artifício ou ardil empregado pela parte contrária ou por terceiro para prejudicar o declarante. É o chamado erro provocado.

Inicialmente, para melhor elucidação dos fatos, insta destacar os principais contornos fáticos que desencadearam a presente ação e mais duas ações envolvendo a autora, a demandada e sua família.

Nesse toar, o falecido esposo da autora entabulou, em 26.02.2014, com Jeatan Backes, filho do Sr. Otávio Paulinho Backes e irmão da ora ré, contrato particular de arrendamento rural, com término em 31.05.2019.

Meses após, em 30.05.2014, José Ignácio Pies faleceu, deixando como herdeiros a demandante e seu filho.

Desse modo, além da presente ação, tramita na presente comarca ação de despejo promovida pela autora em face do arrendatário Jeatan Backes (processo nº 50005584320208210124) e, por outro lado, ação de reintegração de posse ajuizada por Otávio Paulinho Backes, Jeatan Backes e Jéssica Backes em face da ora autora (processo nº 50006441420208210124).

Conforme já analisado nos outros feitos, a...

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