Acórdão nº 50004387820218210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 15-09-2022

Data de Julgamento15 Setembro 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50004387820218210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002632293
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000438-78.2021.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATOR: Desembargador MANUEL JOSE MARTINEZ LUCAS

RELATÓRIO

Na Comarca de Pelotas, J. S. F., 39 anos à época do fato, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 147, combinado com o art. 61, inciso II, alínea "f", ambos do Código Penal, na forma da Lei nº 11.340/06.

A peça acusatória, recebida em 12 de janeiro de 2021 (Evento 3, DESPADEC1), foi do seguinte teor:

No dia 04 de agosto de 2018, por volta das 14h45min, na Rua Endino Barbosa Caldeira, nº 186, Bairro Fragata, nesta Cidade, o denunciado, prevalecendo-se de relações domésticas, ameaçou Márcia Oliveira da Silveira, sua sogra, por meio de palavras, de causar-lhe mal injusto e grave.

Na ocasião, o denunciado, ao comparecer na residência da vítima para buscar sua filha, arrombou o portão da casa e, ato contínuo, ameaçou voltar para matar a ofendida.

O fato ocorreu em ambiente doméstico, uma vez que o denunciado é genro da vítima.

Processado o feito, sobreveio sentença (Evento 53, SENT1), assinada eletronicamente em 28 de junho de 2022, julgando procedente a ação penal, a fim de condenar o acusado como incurso nas sanções do art. 147, combinado com o art. 61, inciso II, alínea “f”, ambos do Código Penal, na forma da Lei 11.340/2006, à pena de 01 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção, em regime aberto. Foi concedido o sursis ao réu.

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação (Evento 57, APELAÇÃO1). Em suas razões (Evento 62, RAZAPELA1), postulou pela atipicidade do delito de ameaça pela incidência do princípio da intervenção mínima. Ademais, postulou a absolvição por insuficiência probatória. Alternativamente, requereu o afastamento da indenização fixada a título de reparação mínima de danos.

Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (Evento 66, CONTRAZAP1).

Vieram os autos a este Tribunal.

Nesta instância, o parecer do Procurador de Justiça, Dr. Fábio Costa Pereira, foi pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

O recurso interposto é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais é conhecido.

Inexistindo teses preliminares, passo ao exame do mérito.

A materialidade restou consubstanciada pelo boletim de ocorrência policial nº 17565/2018/152010 (Evento 1, INQ1 - p. 03/04), pelo termo de declarações (Evento 1, INQ1 - p. 05), bem como pela prova oral colhida em juízo.

A autoria delitiva é certa e recai sobre a pessoa do acusado.

A fim de evitar inútil e fastidiosa tautologia, transcrevo a análise dos depoimentos contida na sentença:

Ouvida em juízo, a vítima Márcia Oliveira da Silveira narrou que sua filha, companheira do acusado, foi expulsa de casa por ele. Assim, ela foi morar em sua casa. Ocorre que o réu sempre tentava colocar a sua filha contra ela e um dia ela pediu um calçado para usar no inverno. Como o réu não queria que sua filha recebesse presentes, começaram a discutir. Após, o acusado foi chamado ao local pela sua filha. Ao chegar, ele perguntou o que estava ocorrendo e logo após quebrou o portão da garagem da sua residência. Inclusive havia comprado uma caixa de correspondências, que foi quebrada pela ação do acusado. Ato contínuo, ele invadiu o terreno e disse que iria matá-la. Com medo, saiu correndo para a casa da sua cunhada, que mora ao lado, e se escondeu. Sua cunhada chamou a polícia, mas o réu foi embora logo depois. O réu permaneceu dentro do seu pátio proferindo ameaças e disse que se ela saísse na rua ele iria lhe matar, porque tinha ódio dela e do seu marido. Na ocasião do fato sua filha saiu com o réu, mas depois voltou para a sua casa. Hoje eles não estão mais juntos. Sua filha presenciou as ameaças. À defesa, disse que sua filha ligou para o réu no fatídico dia, porque queria sair um pouco de casa.

Por sua vez, a testemunha Jéssica Oliveira da Silveira narrou que ao tempo dos fatos estava enfrentando um conflito com sua mãe e não estavam se relacionamento bem. No dia dos fatos a sua mãe chegou em casa do centro da cidade e não recorda o motivo, mas discutiram. O réu falava muitas coisas dos seus pais, sobre a relação entre eles, e por isso brigavam bastante. Sendo assim, Márcia pediu que ela saísse de casa. Não chamou Jeferson no local, mas logo em seguida ele apareceu expontaneamente (sic). Pelo portão o acusado viu suas coisas para o lado de fora da casa e ao enteder (sic) o que estava ocorrendo, ele começou a chutar o portão. Ato contínuo, Jéferson abriu o portão da garagem aos chutes, instante em que sua mãe correu para a casa da vizinha. Ficou sem saída e acabou saído no local com o réu, mas não era isso que ela queria fazer verdadeiramente. Estava assustada no momento, mas acredita que Jéferson possa ter ameaçado sua mãe, porque ele estava furioso. Sua mãe correu para a casa da vizinha por medo de o acusado bater nela ou fazer algo de ruim. Jéferson era agressivo durante o relacionamento e a partir da ocasião as coisas só pioraram, tanto que ele bateu em seu pai depois.

Por sua vez, interrogado em juízo, o réu Jeferson Silveira Furtado disse que a acusação não é verdadeira. Estava na casa de sua mãe e Jéssica, sua ex-companheira, telefonou e disse ter brigado com a mãe dela, ora vítima. Sendo assim, dirigiu-se até a casa delas, para buscar Jéssica. Quando chegou na casa da vítima o portão estava fechado e a sua namorava gritou pedindo para ele tirá-la do local. Apenas abriu o portão, posto que a grade estava encostada, e pegou os pertences de Jéssica. Na ocasião foi injuriado pela vítima, a qual lhe chamou de negro. Depois dicou sabendo que o pai de sua ex-companheira registrou a ocorrência e inventou esse fato envolvendo denúncia de ameaça de morte. Já teve um fato envolvendo seu sogro, mas aconteceu antes. No plano das indagações defensivas, disse que foi chamado ao local por Jéssica, ao passo que chegando lá ela pediu para ele retirá-la da casa. Não quebrou o portão da casa e não ameaçou a sua sogra. Acredita que o fato foi registrado porque ele voltou a se relacionar com sua ex-esposa.

Da análise da prova dos autos, entendo que a condenação deve ser mantida.

Como é consabido, a palavra da vítima assume especial relevância probatória em delitos perpetrados no convívio familiar, haja vista, dentre outros fatores, a sua condição de vulnerabilidade e a comum ausência de testemunhas.

Nesse sentido:

HABEAS COUS. PENAL. AMEAÇA. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE SERIEDADE DA AMEAÇA. REEXAM FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. CRIME PRATICADO NA PRESENÇA DE FILHO MENOR DE IDADE. MOTIVAÇÃO. CIÚME EXCESSIVO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher. (HC 461478 / PE HABEAS COUS 2018/0188966-9. Ministra LAURITA VAZ - STJ - DJe 12/12/2018)

O delito de ameaça, disposto no art. 147 do Código Penal, constitui crime formal, cuja caracterização independe de prova material, sendo necessária tão somente a comprovação do temor infligido à vítima de causar-lhe mal injusto e grave, o que ocorreu no caso concreto.

O relato da ofendida se manteve coeso e uniforme tanto na fase policial quanto em juízo, ao afirmar que o réu a ameaçou de morte, após ter arrombado o portão de sua casa.

Dessa forma, é evidente que a vítima se sentiu atemorizada, porquanto procurou ajuda da Polícia e do Poder Judiciário para requerer medidas protetivas, demonstrando interesse na persecução penal, a qual, no que tange ao delito de ameaça, é de natureza pública condicionada, porquanto somente se procede mediante representação, conforme dispõe o parágrafo único do art. 147 do Código Penal.

De outro modo, a versão trazida pelo réu, por sua vez, carece de poder probatório, tendo em vista que, em juízo, referiu não ter arrombado o portão, tendo em vista que ele estava encostado. Contudo, conforme as provas colhidas no feito, o relato da vítima e de sua filha convergem no sentido de que o acusado, de fato, arrombou o portão de Márcia, pois estava transtornado.

Ademais, inviável a aplicação do princípio da intervenção mínima ao caso em comento. Isso porque se está diante de agressão perpetrada no ambiente doméstico e familiar contra a mulher, e o referido delito, albergado pela Lei Maria da Penha, requer a atuação do Estado, eis que diretamente relacionado ao combate contra a violência de gênero. Ademais, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a incolumidade psicológica do indivíduo, intrínseca à preservação da dignidade da pessoa humana, estando plenamente justificada a intervenção estatal, conforme previu o Legislador ao editar a disposição normativa.

Assim dito, mantenho a condenação.

Todavia, no que se refere ao afastamento da indenização fixada a título de reparação mínima de danos, entendo ser caso de provimento.

Embora já tenha eventualmente acompanhado votos que mantêm a referida condenação e confirmado sentenças que contêm essa disposição, quando ausente irresignação defensiva a respeito do tema, a verdade é que, examinando e reexaminando a matéria, cada vez mais me convenço de que tal preceito,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT