Acórdão nº 50004410220198210152 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004410220198210152
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002323498
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000441-02.2019.8.21.0152/RS

TIPO DE AÇÃO: Sucessões

RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA DEBONI

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público, por inconformidade com sentença da Vara Judicial de São Valentim, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de indignidade movida em face do ora apelado, Elisandro V.L., para o fim de “declará-lo indigno da herança de Analina T. (processo de inventário nº 152/1.16.0000544-5), restando excluído de eventual posição de herdeiro ou legatário da sucessão, garantido, contudo, seu direito à meação, observado o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do Código Civil), sem prejuízo de eventual utilização desses bens para indenização decorrente do fato” (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 04-14).

Nas razões de apelação (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 16-20), o recorrente sustentou, em síntese, que a sentença merece reforma no ponto em que deixou de estender os efeitos declaração da indignidade à meação. Reconheceu que a lei brasileira não prevê a exclusão do direito a meação por ato indigno, mas ponderou que isso “gera injustiças e até motivação para a prática do crime de homicídio doloso contra o cônjuge” (sic). Defendeu que é cabível a aplicação analógica do instituto, diante da alta reprovabilidade do fato, “sob pena de fomento à disseminação de condutas homicidas em busca da meação” (sic). Colacionou precedente. Pugnou, nesses termos, pelo provimento do recurso.

Não foram apresentadas contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 23).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 7).

Vieram os autos conclusos em 11/03/2022 (evento 8).

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Não há preliminares a serem analisadas, razão por que é possível passar-se ao exame imediato do mérito.

Antes, porém, registro, apenas a título de esclarecimento, que a filha do demandado e da autora da herança, Isabella T.L., representada pela avó materna Marli T. e assistida pela Defensoria Pública, também ajuizou ação declaratória de indignidade contra o ora apelado, na data de 13/03/2017 (processo nº 152/1.17.0000110-7), mas não formulou pedido de decretação da perda do direito à meação, limitando a sua pretensão à declaração de indignidade quanto à herança da vítima (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 24-33).

Ambos os processos foram julgados na mesma sentença, resultando procedente o pedido constante da ação proposta pela herdeira Isabella T.L., e parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na ação ajuizada pelo Ministério Público (processo nº 152/1.19.0000242-5), consoante já se relatou.

A inconformidade em exame não merece acolhimento, haja vista que a sentença apelada – proferida pelo Juiz de Direito Fernando Vieira dos Santos – apreciou o caso concreto com precisão e aplicou corretamente a lei, estando em conformidade com o entendimento desta Corte na matéria.

Vale a pena conferir os seus fundamentos, que ora reproduzo (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 04-14):

Trata-se de pedido de exclusão do demandado, ELISANDRO V.L., da linha sucessória de ANALINA T., bem como à meação que lhe caberia, em virtude da união estável mantida com a falecida, mediante declaração de indigno baseada no homicídio doloso desta, praticado pelo réu – companheiro da autora da herança, à época – e seu filho [sic] Deli R.V.L., sogro da vítima (apurado nos autos de nº 152/2.16.0000288-5). Segundo narrado na exordial, em suma, ELISANDRO e DERLI teriam arquitetado e executado o delito homicídio de ANALINA, restando condenados nos autos de nº 152/2.16.000288-5.

Sobre o assunto, estabelece o Código Civil, no art. 1.814, que “São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente (…)”.

Em suma, a exclusão de herdeiro da sucessão deve decorrer em virtude da indignidade ou da deserdação, que são penas aplicadas aos sucessores, em razão da prática de certos fatos típicos previstos em lei contra o autor da herança, como no caso dos autos, em que a declaração de indignidade está baseada no homicídio de ANALINA T. praticado pelo companheiro, ELISANDRO, e seu genitor – sogro da vítima – DERLI.

Com efeito, conforme se vê das fls. 21v-27 dos autos de nº 152/1.19.0000242-5, 33 e 36-40 dos autos de nº 152/1.17.0000110-7, o réu ELISANDRO e seu genitor DERLI foram denunciados e condenados pelo Conselho de Sentença, nos autos de nº 152/2.16.0000288-5, pela prática de homicídio doloso em face da autora da herança ANALINA e também de LUIZ F.B.

Na oportunidade, com relação ao ora demandado, tangente ao homicídio de ANALINA, restaram reconhecidas as qualificadoras de motivo torpe (art. 121, § 2º, I, CP), recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, IV, CP) e feminicídio (art. 121, VI, CP).

Nesse sentido foi o dispositivo sentencial:

(…) 1. Réu ELIZANDRO V.L.

1.1. Crime de homicídio. Vítima Analina T. Artigo 121, § 2º, I, IV, e VI, do Código Penal. Primeiro fato descrito na denúncia.

No tocante à condenação do réu Elizandro pela consecução do primeiro fato descrito na denúncia, ressalta-se que a pluralidade de qualificadoras do crime (três) importa seja uma delas empregada para justificar parta pena-base de doze anos, enquanto as demais serão sopesadas no campo das operadoras judiciais. A proclamação do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima se presta para aquela finalidade, enquanto as demais circunstâncias qualificadoras, atinentes ao motivo torpe e ao feminicídio, serão examinadas quando do dimensionamento da pena inicial.

Feito o registro, anota-se que a culpabilidade do denunciado refoge ao ordinário, sendo alto o grau de reprovação da conduta perpetrada, porque do ato delitivo executado pelo réu derivou a destruição de uma família, resultando não apenas em morte, mas em menina de tenra idade, filha do réu e da vítima, despida do amparo daqueles que a geraram e com os quais convivia desde o nascimento. No que toca aos antecedentes, não podem ser afirmados em detrimento do denunciado, conforme certidão da fl. 636. Não há dados bastantes nos autos para perquirir acerca da conduta social de Elizandro. No tocante a sua personalidade, exsurge evidentemente distorcida, porque o réu demonstra ser pessoa insensível não apenas ao valor da vida alheia, mas também ao valor do que se mostra relevante para a própria prole. Inclusive, a distorção de personalidade do acusado transparece evidente quando se percebe que, mesmo diante da clara ciência de que a própria filha estava sendo abusada sexualmente por Derli, tanto que houve notícia de embate entre a vítima Analina e o codenunciado em face da situação, preferiu seguir a orientação do abusador, seu pai, para pôr fim à vida daquela que anunciava oposição à senda libidinosa. Salta aos olhos, nesse contexto, mesmo ausente documento médico afirmativo, ser a personalidade do réu tisnada, flagrantemente distorcida e contaminada por sentimento egoístico marcante. O motivo do delito foi torpe, caracterizado pelo sentimento de ciúmes que Elizandro nutria pela vítima Analina, fator que até mesmo serviria para qualificar o crime, mas que será sopesado neste momento, tal como acima explicitado. As circunstâncias do fato envolvem o recurso que dificultou a defesa da vítima, o que já foi sopesado para qualificar o crime e não se presta, por conseguinte, para macular essa operadora, pena de bis in idem. Entretanto, além disso, o delito foi cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, no orbe da relação de companheirismo havida entre os envolvidos, o que exsurge como apto para macular significativamente a operadora judicial ora em exame, tanto que até mesmo se prestaria para qualificar o crime. Não há dúvida, ainda, de que essa conjuntura específica denota que o réu enxergava a vítima como objeto, algo do que ele poderia dispor, inclusive sobre a vida, postura repudiável e, infelizmente, presente na mente daqueles que ainda vivem com a equivocada noção de não merecer a mulher respeito, nem mesmo quando gera e cria a filha do casal com dedicação e carinho. As consequências do fato são extremamente negativas, ultrapassando a esfera da morte da ofendida. Atingiu a ação delitiva do réu o âmago da família da vítima, porque expungiu daquele convívio mãe de filha de tenra idade que certamente enxergava na genitora referencial de vida. Não é sem razão que a menor, ainda hoje, padece significativamente pela morte da mãe, tanto que o atendimento psicológico que lhe foi dispensado por largo período após a morte haverá de ser retomado, conforme informado pelos atuais guardiões da menor, para que consiga, talvez, superar o trauma vivenciado. Até hoje, informam os dados trazidos aos autos, a menina revela sentir profunda falta da mãe e sofrimento emocional incomensurável por conta dessa ausência. Não bastasse isso, o pai e o irmão de Analina, ouvidos neste ato, demonstraram prosseguir presente sofrimento derivado da perda inesperada e violenta do ente querido. Digno de apontamento, no tocante, que o valor da vida é inestimável. Porém, as consequências de uma morte assumem diferentes contornos tendo em conta as relações daquele que figura como ofendido. Não se pode ignorar que a falta patrocinada pela morte de uma mãe, genitora de menina que, na época do fato, contava com aproximadamente sete anos de idade, não tem a mesma intensidade daquela verificada quando falece pessoa sem laços afetivos ou relações sociais...

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