Acórdão nº 50004415920178213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004415920178213001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002318094
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000441-59.2017.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de Vizinhança

RELATORA: Desembargadora LIEGE PURICELLI PIRES

APELANTE: CASA DE PORTUGAL (RÉU)

APELADO: CONDOMINIO HORIZONTAL RESERVA DO ARVOREDO (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto, de início, o relatório da sentença (p. 2-6 de Evento 3, PROCJUDIC7):

Condomínio Horizontal Reserva do Arvoredo ajuizou ação contra Casa de Portugal, alegando que a ré produz ruídos excessivos durante o período noturno e aos finais de semana, atrapalhando o descanso dos seus condôminos. Especificamente, reclamou das festas e eventos realizados pela ré, bem como dos jogos de futebol promovidos aos finais de semana, que iniciam cedo da manhã ou vão além das 22h. Afirmou que, apesar das entradas do condomínio e do estabelecimento ficarem a uma distância de 300 metros uma da outra, nos fundos dos terrenos, as partes são praticamente lindeiras, estando os imóveis separados apenas por uma mata nativa, que não é suficiente para amenizar os barulhos que partem da sede da demandada. Ressaltou que tentou resolver o problema de forma extrajudicial, inclusive encaminhando reclamação ao Poder Público Municipal, mas não teve êxito. Pediu, inclusive em tutela de urgência: I) que as partidas de futebol e eventos nas churrasqueiras e quiosques que não disponham de isolamento acústico sejam realizados até as 22h e, nos finais semana, somente a partir das 10h; II) que a demandada coloque avisos no campo de futebol com orientação sobre a não utilização de palavras de baixo calão; e III) que, enquanto não for instalado um isolamento acústico eficiente na casa de festas e eventos da ré, permaneçam suspensas as reuniões que possam gerar barulho excessivo no período noturno. Para o caso de descumprimento das referidas providências por parte da demandada, requereu que ela seja proibida de locar as quadras de esporte e a casa de festas adjacentes ao condomínio. Juntou documentos (fls. 18/30).

O pedido de urgência foi deferido em parte, a fim de que a ré passasse a encerrar as atividades na quadra de esportes e nos quiosques das churrasqueiras, de domingo a quinta, às 23h e, nas sextas e sábados, às 24h, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por evento (fl. 32).

A ré foi citada à fl. 37v.

Em audiência de conciliação, as partes acordaram a suspensão do feito até 10/10/2017, para que a ré fizesse obras de contenção sonora em sua sede (fls. 36/37).

Decorrido o prazo, o autor informou o descumprimento do acordo e requereu a reapreciação do pedido de urgência, bem como a expedição de ofício à Prefeitura Municipal para apresentação do alvará de funcionamento da demandada (fls. 44/55).

A decisão de fl. 60 indeferiu a expedição do ofício e estendeu os efeitos da tutela de urgência deferida à fl. 32 também ao salão de festas, determinando à ré que mantivesse as janelas externas do local fechadas nos dias de evento, bem como restringisse a circulação dos usuários na área próxima ao condomínio autor, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por evento.

A parte autora apresentou manifestação, salientando que a ré não teria alvará de funcionamento (fls. 65/68).

Intimada para contestar (fl. 73), a ré não respondeu (fl. 73v), mas compareceu fora de prazo, às fls. 74/77, alegando que é instituição cultural e desportiva fundada em 1932, situada no Bairro Agronomia desde 1960, época em que construiu a sua sede campestre, único imóvel da agremiação, estando suas atividades limitadas ao aluguel de canchas de futebol e salões de festa. Aduziu que as providências assumidas no acordo que celebrou com o autor terminaram se mostrando inexequíveis do ponto de vista técnico, mas disse que os salões de festa tiveram todas as janelas lacradas e que os horários da cancha de futebol externa foram limitados de acordo com a decisão judicial proferida. Afirmou que, nos 10 anos de existência do condomínio autor, nunca tinha recebido nenhuma reclamação, havendo agora notícia de apenas um condômino incomodado, o que, no seu entender, não justificaria o ajuizamento da ação. Impugnou as gravações juntadas, afirmado inexistir prova da origem dos ruídos constantes das mídias, e ressaltou a inefetividade das medidas de contenção da propagação sonora, as quais oneram suas finanças. Pediu a improcedência da ação e juntou documentos (fls. 78/182).

A parte autora apresentou manifestação, arguindo a intempestividade da defesa e juntando novos documentos (fls. 185/198).

Decretada a revelia (fl. 201), a ré requereu a mitigação dos seus efeitos e arguiu litispendência com a ação civil pública nº 9042175- 61.2018.8.21.0001, que tramita na 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre. Pediu a reunião das demandas ou a suspensão do presente feito, a expedição de ofício à Vara da Fazenda e a realização de prova pericial (fls. 203/209). Juntou documentos (fls. 210/247).

Instadas as partes acerca do interesse na produção de outras provas, apenas o autor se manifestou, requerendo a expedição de ofício à 10ª Vara da Fazenda Pública para disponibilização da perícia sonora produzida na ação civil pública (fls. 250/253), o que foi indeferido pelo juízo (fl. 254).

Acrescento que sobreveio julgamento de parcial procedência, dele constando o seguinte dispositivo:

Isso posto, julgo parcialmente procedente a ação para:

a) condenar a ré a observar os seguintes horários de funcionamento das quadras de esporte, sem prejuízo de regras mais restritivas que possam vir a ser definidas nos autos da ação civil pública nº 9042175-61.2018.8.21.0001: nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, somente até as 23h; nos demais meses do ano, apenas até as 22h;

b) proibir a realização de eventos noturnos nos salões de festa da demandada enquanto não houver a expedição da carta de habitação; e

c) condenar a ré a afixar avisos nas quadras esportivas orientando os seus frequentadores a não proferirem palavras de baixo calão.

As medidas de urgência deferidas às fls. 32 e 60 passam a vigorar de acordo com os critérios ora fixados, sob pena de incidência de multa de R$ 1.000,00 por evento.

A parte ré, que deu causa ao ajuizamento da ação, arcará com as custas do processo e os honorários ao procurador da parte autora, que fixo em R$ 5.000,00, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC.

Opostos embargos de declaração pelo autor (p. 7-8 de Evento 3, PROCJUDIC7), foram acolhidos com o seguinte conteúdo:

Acolho os embargos de declaração de fls. 259/260 para estender o horário máximo estabelecido na alínea 'a' do dispositivo da sentença de fls. 256/258 para o funcionamento dos eventos nas churrasqueiras e quiosques que não disponham de isolamento acústico.

Ainda, condeno a ré a observar, aos finais de semana, o horário das 10h00min para o início do funcionamento das quadras de esporte e dos eventos nas churrasqueiras e quiosques que não disponham de isolamento acústico.

Inconformada, apelou a parte ré (p. 14-23 de Evento 3, PROCJUDIC7). Em suas razões recursais, sustenta: a) necessidade de concessão da gratuidade da justiça, por se encontrar em dificuldades financeiras frente à pandemia, em que não pode desenvolver normalmente suas atividades; b) necessidade de mitigação dos efeitos da revelia, a qual não induz automaticamente a assunção da verdade dos fatos alegados na inicial, pois protocolou defesa aos autos, ainda que fora do prazo; c) necessidade de reconhecimento da conexão e litispendência com a ação civil pública n. 9042175-61.2018.8.21.0001, ajuizada pelo Ministério Público, considerando que está sendo demandada em duplicidade pelas mesmas questões (ajustes de pressão sonora nos locais de locação externa - quadra de futebol - e salões sociais, e evitar eventuais distúrbios à comunidade); d) ter mitigado de forma definitiva todas as inconsistências quanto à contenção sonora nas áreas examinadas, requerendo a reforma da sentença para voltar a operar de acordo com o alvará emitido pela Prefeitura de Porto Alegre, que lhe permite exercer atividade até às 23h; e) que deve haver reforma sentencial também quanto ao horário de início das atividades nas canchas poliesportivas ao ar livre, das 8h às 23h de segunda a sexta, e, aos finais de semana, das 9h às 22h; f) necessidade de redução dos honorários advocatícios ao patrono do autor, de R$ 5.000,00 para R$ 2.5000,00, bem como necessidade de arbitramento de verba a seu patrono, em R$ 1.000,00. Nesses termos, pede o provimento recursal.

Não foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Por atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se, na origem, de demanda em que o condomínio autor sustenta ser vizinho da associação ré, sendo ambos divididos por uma vegetação. Aponta o autor que a ré aluga suas quadras de futebol e seus salões de festa a terceiros, causando intenso ruído e perturbação do sossego às casas do condomínio não apenas de dia, mas também de noite e estendendo-se à madrugadas. Refere que as famílias não conseguem descansar e, portanto, defende que deve haver uma limitação ao réu, tanto de horário e dias, bem como para a colocação de isolamento acústico e de avisos no campo de futebol orientando os jogadores sobre a proibição de proferir palavras de baixo calão.

O feito foi julgamento parcialmente procedente e, contra a sentença, apela apenas a parte ré.

Preliminares

Inicialmente, quanto ao pedido de concessão de gratuidade da justiça pela ré, desacolho. A demandada aponta ser associação sem fins lucrativos, acostando, em p. 25 de Evento 3, PROCJUDIC7, lista de despesas. Contudo, não demonstrou seus ganhos. Ficou claro no curso do feito que a ré aluga diariamente quadras poliesportivas, e que tem mais de um salão de festas que...

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