Acórdão nº 50004422820118210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004422820118210035
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001419249
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000442-28.2011.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta por KELLY ADRIANE SILVA DA SILVA e MARCOS BATISTA FERREIRA DA ROSA, contra decidir que, julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou Marcos como incurso nas sanções dos artigos 313-A e 312 parágrafo primeiro, na forma dos artigos 29 caput, 327, caput, artigo 71 caput, bem como o artigo 69, caput, todos do Código Penal, às penas de 07 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, no regime semiaberto, e de 40 dias-multa; e condenou Kelly Adriane como incursa nas sanções dos artigos 312, parágrafo primeiro, na forma dos artigos 29 caput, artigo 327 caput, e artigo 71 caput, todos do Código Penal, às penas de 03 anos, 07 meses e 10 dias de reclusão, no regime aberto, substituída, e de 20 dias-multa, por fatos assim descritos na exordial:

"FATOS DELITUOSOS:

1º FATO (INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA):

Por um período de tempo que se estendeu desde o início do mês de abril de 2008 até meados do mês de julho de 2009, nas dependências da Vara Adjunta do Juizado Especial Cível do Fórum desta Comarca de Sapucaia do Sul, situado na Av. João Pereira de Vargas, 431, centro desta cidade, os denunciados MARCOS BATISTA FERREIRA DA ROSA e KELLY ADRIANE SILVA DA ROSA, agindo em comunhão de vontades e conjugando esforços entre si, na condição respectivamente de auxiliar de serviços gerais autorizado do Juizado Especial Cível e conciliadora judicial, inseriram e facilitaram a inserção de dados falsos no sistema informatizado do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, com o fim de obter vantagem indevida para si e para outrem.

Sistematicamente nesse período, o denunciado MARCOS, através do seu nome de usuário e sua senha funcional, dolosamente lançou no sistema judicial informatizado dados falsos em processos que tramitavam perante o Juizado Especial Cível, registrando acordo não ocorridos em audiência, para com isso beneficiar a si e a denunciada KELLY, sua esposa, com os honorários correspondentes às falsas conciliações.

Todos essas inserções de dados falsos ocorreram mediante a digitação do nome de usuário e da senha funcional de MARCOS, durante o turno diurno em que ele se encontrava trabalhando naquela vara judicial, lançando ardilosamente em falso acordo em audiência que o próprio teor do termo da audiência ou os autos do processo desmentiam ter ocorrido e isso sempre em processos nos quais KELLY havia atuado como conciliadora.

Assim ocorreu nos processos nº 03530900009888, 03530900010266 e 03530800000439, nos quais nem sequer houve audiência para conciliação, mas através da sua senha pessoal MARCOS lançou no sistema informatizado, em benefício da sua esposa KELLY, um registro de uma falsa conciliação em audiência, para que com isso auferissem os honorários correspondentes a esses supostos acordos. A partir dessa mesma averiguação por mera amonstragem, a fraude foi constatada também nos processos nº 03530900004177 foi presidido por outra conciliadora judicial, o lançamento desse dado, pelo denunciado MARCOS no sistema informatizado, mais uma vez contemplou KELLY como a conciliadora a ser gratificada.

2º FATO (PECULATO):

Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar descritas acima, os denunciados MARCOS BATISTA FERREIRA DA ROSA e KELLY ADRIANE SILVA DA ROSA, agindo em comunhão de vontades e conjugando esforços, reiteradamente subtraíram, em proveito próprio, valores pertencentes ao erário estadual num montante por ora ainda indeterminado, mas muito superior aos R$ 277,29 (duzentos e setenta e sete reais e vinte e nove centavos) auferidos fraudulentamente em apenas treze processos inspecionados por amostragem, valores esses correspondentes aos honorários de 1 URC por cada acordo inautêntico lançado no sistema informatizado, para tanto valendo-se da facilidade que lhes proporcionava sua qualidade de funcionários públicos, respectivamente de auxiliar de serviços gerais autorizado do Juizado Especial Cível e conciliadora judicial.

Enquanto a inspeção que constatou esses peculatos em série foi realizada restritamente por amostragem num número reduzido de processos e num curto período de quatro meses, o funcionário público MARCOS atuava nessa vara judicial há mais de doze anos, desde 1996, e a denunciada KELLY ali atuava como conciliadora desde o ano de 1997. MARCOS restou demitido a bem do serviço público, por decisão do Conselho da Magistratura do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul num processo administrativo disciplinar. Já a conciliadora KELLY, alguns meses após os fatos, restou afastada das suas funções."

Nas razões, alegando insuficiência probatória, tendo em vista que os depoimentos dão conta de que os réus não eram os únicos detentores da senha e login do sistema, e que Marcos cedia estes a um número indeterminado de pessoas no Cartório do Juizado Especial Cível, requerem absolvição. Subsidiariamente, pugnam pela aplicação do princípio da consunção. Ainda, pedem redução das penas.

O recurso foi contra-arrazoado.

O Dr. Procurador de Justiça opina pelo parcial provimento da desconformidade.

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613 inciso I do CPP.

É o relatório.

VOTO

2. Os apelos não comportam provimento.

Compulsando os autos, entendo incensurável a análise do caderno processual conforme procedida pelo Magistrado a quo, que examinou detidamente toda a prova colhida, concluindo pela parcial procedência da denúncia apresentada pelo Parquet.

Nesse norte, impositiva se faz a transcrição daquele decidir, por representar meu entendimento acerca das questões postas à reexame, modo a evitar despicienda tautologia, verbis:

"Do crime de inserção de dados falsos no sistema (1° fato):

A materialidade e autoria estão parcialmente demonstrados pelos documentos que instruem os autos e pela prova oral colhida no decorrer da instrução processual.

O crime previsto no art. 313-A do CP, materializa-se quando o funcionário autorizado busca a obtenção de vantagem indevida, para si ou para outrem, por meio da inserção de dados falsos, ou facilita para que se o faça; ou altera ou exclui indevidamente os dados corretos, nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública.

Os elementos probatórios presentes nos autos não deixam margem de dúvidas na demonstração dos requisitos de materialidade e autoria delitiva, confirmando, assim, que o acusado Marcos Batista Ferreira da Rosa praticou o crime de inserir ou facilitar a inserção de dados falsos no sistema informatizado do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, com o fim de obter vantagem ilícita para si ou para terceiro, no caso sua esposa Kelly Adriane Silva da Rosa, na medida em que atuava no cargo de auxiliar de serviços gerais junto ao Cartório do Juizado Especial Cível da Comarca de Sapucaia do Sul.

Destaco que a conduta consistiu no lançamento doloso pelo acusado Marcos, com uso de seu nome de usuário e senha funcional, com o fim de lançar dados de processos que tramitavam na referida Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Sapucaia do Sul, registrando acordos não realizados nos processos, para se beneficiar, bem com a corré Kelly, sua esposa, que aferia valores monetários decorrentes de falsas conciliações.

Tais movimentações foram constatadas através de inspeção judicial realizada pela Corregedoria Geral de Justiça – relatório n° 464/2009 (fls. 61/64) e a certidão (fl. 236) que apontou a ocorrência de marcação indevida do campo “acordo” no lançamento do resultado da audiência, em treze processos, com a utilização do login de acesso ao sistema do servidor Marcos Batista Ferreira, em favor da Conciliadora Kelly Adriane Silva da Rosa, gerando em favor desta o pagamento de honorários de 01 URC.

Tal situação ensejou a instauração de processo administrativo disciplinar, cuja decisão final do Conselho da Magistratura foi pela aplicação da pena de demissão a bem do serviço público do servidor Marcos (fls.284/288).

Nesse sentido, a prova oral confirma a existência dos fatos e autoria.

A testemunha Raquel Marly Cabeleira A. Schuch, juíza de direito, relatou que assumiu a jurisdição do Juizado Especial Cível da Comarca de Sapucaia do Sul em março de 2009 e recebeu diversas reclamações de advogados, quanto a demora no andamento dos processos, audiências e do trabalho dos conciliadores. Mencionou que a Vara do Juizado era Adjunta e, no setor, atuavam apenas dois servidores, Dionara, que exercia o cargo de Oficial Escrevente, e o acusado Marcos, que atuava como Auxiliar de Serviços Gerais. Falou que passou a controlar o funcionamento da Vara, pois costumava permanecer até o término das audiências para assinar homologações dos acordos para que as partes já saíssem com tudo pronto. Disse que notou que recebia processos apenas com uma indicação de “homologo” para o juiz assinar e percebeu que isso poderia gerar uma confusão, já que alguns eram determinações de arquivamentos e não acordos, o que poderia gerar certa confusão com o pagamento dos conciliadores. Mencionou que também recebeu reclamações de que algumas conciliadoras recebiam processos mais fáceis de acordar, sempre tendo como parte os mesmos consumidores. Determinou, então, que a servidora Dionara realizasse um levantamento por amostragem, para verificar as homologações que estavam sendo feitas nos últimos seis meses, para checar se estavam corretos os lançamentos encaminhados para o Tribunal efetuar os...

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