Acórdão nº 50004430920208210096 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 11-05-2022

Data de Julgamento11 Maio 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50004430920208210096
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002067249
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000443-09.2020.8.21.0096/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: PIETRA PIVETTA BRONDANI (RÉU)

APELADO: BANCO DO BRASIL S/A (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por PIETRA PIVETTA BRONDANI contra sentença que rejeitou os embargos opostos no curso da ação monitória nº 50004430920208210096, movida pelo BANCO DO BRASIL S/A.

Em síntese, foi ajuizada ação monitória pela instituição bancária em virtude do inadimplemento de contrato de abertura de crédito fixo rural, por meio do qual a embargante recebeu um crédito de R$ 99.659,61, valor destinado ao custeio de 53 hectares de lavoura de soja, tendo sido negociado originalmente o adimplemento total do título em 20/08/2019. Postulou o banco a quitação do montante de R$ 115.828,87.

PIETRA PIVETTA BRONDANI opôs embargos monitórios e alegou, preliminarmente, ausência de interesse processual do banco embargado, visto que busca o pagamento de dívida inexigível. Pugnou pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contrato em questão. Citou a súmula 298 do STJ. Argumentou ter direito ao alongamento da dívida, pois preenche os requisitos legais. Discorreu acerca da estiagem que assolou o estado entre os anos de 2018 e 2020. Pediu que fossem julgados improcedentes os pedidos deduzidos na ação monitória.

A fim de elucidar a controvérsia, transcreve-se o dispositivo sentencial (Evento 44):

(...) Ante o exposto, na forma do art. 702, §8º, do CPC, REJEITO os embargos opostos por IRACI MARIA PIVETTA BRONDANI, DALVENIJOÃO BRONDANI e PIETRA PIVETTA BRONDANI contra a monitória movida pelo BANCO DO BRASIL S.A. e, na forma do art. 701, §2º, do CPC, CONSTITUO de pleno direito o título executivo judicial no valor de R$ 115.828,87 (cento e quinze mil oitocentos e vinte e oito reais e oitenta e sete centavos)m corrigidos pelo IGP-M e acrescidos de juros de mora de 01% a.m. a contar da citação monitória.
Condeno os embargantes ao pagamento de eventuais custas remanescentes e aos honorários sucumbência, os quais vão fixados em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, inc.
I, do CPC. (...)

Em suas razões (Evento 50), a apelante sustenta que houve cerceamento de defesa, tendo em vista que o Juízo a quo indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal. Argumenta que a prova testemunhal poderia provar seu direito ao alongamento da dívida. Alega que comprovou que teve sua safra agrícola frustrada em decorrência de forte estiagem ocorrida de 2018 a 2020 no Estado do Rio Grande do Sul. Assevera que foram preenchidos os requisitos para a concessão da prorrogação do crédito rural. Relata não possuir condições de arcar com as despesas processuais e pede gratuidade de justiça. Requer, assim, o provimento do recurso, a fim de julgar improcedentes os pedidos da ação monitória.

Intimada, a instituição financeira recorrida apresentou contrarrazões (Evento 53).

A seguir, subiram os autos a esta Corte e vieram-me conclusos para julgamento.

Em razão da adoção do sistema informatizado, os procedimentos ditados pelos artigos 931 e 934, ambos do CPC, foram simplificados, sendo, no entanto, observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso, passando, de plano, à análise das insurgências.

DO CERCEAMENTO DE DEFESA

No que se refere à preliminar de cerceamento de defesa, não assiste razão à demandante. Isso porque, sendo incontroverso o inadimplemento do contrato, prescindível a realização de prova oral, que em nada serviria para alterar o resultado do julgado.

Ademais, o juiz é o destinatário da prova e cabe a ele, nos termos do art. 370 do CPC, decidir acerca das provas necessárias ao deslinde da controvérsia, inclusive indeferindo diligências inúteis, conforme aponta o julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. JUNTADA DE PROVA PERICIAL EMPRESTADA. Conforme dispõe o artigo 370 do Código de Processo Civil, ao juiz cumpre determinar, de oficio, a realização das provas que entende necessárias à instrução do processo e indeferir as que entende inúteis ou meramente protelatórias. Não se mostra imprescindível para o deslinde do litígio a juntada de prova pericial emprestada. Decisão de primeiro grau mantida. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70071386940, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 06/07/2017)

Dessarte, não há falar em cerceamento de defesa, mormente porque não haveria alteração no resultado do julgamento com a realização da prova oral.

DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA

No caso concreto, pretende a apelante seja-lhe concedida a benesse da gratuidade de justiça.

A propósito da questão, de acordo com o art. 98, do CPC/2015, “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”.

Por outro lado, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXIV, prevê expressamente a possibilidade de concessão de gratuidade judiciária aos que comprovarem insuficiência de recursos. Note-se:

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Assim, esta Câmara Cível firmou entendimento no sentido de adotar o teto de 5 (cinco) salários mínimos mensais (atualmente R$ 6.060,00) para fins de concessão do benefício em voga. No entanto, há que se destacar que tal parâmetro é passível de flexibilização diante das particularidades do caso concreto.

Na hipótese dos autos, para fins de comprovação da suscitada hipossuficiência econômico-financeira, a apelante juntou nos autos comprovante de que, nos anos de 2019 e 2020, não declarou imposto de renda (Evento 8, Docs. 5 e 6).

No caso em questão, percebe-se que a embargante demonstra, de forma suficiente, a necessidade de justiça gratuita, não havendo motivos para que se denegue o benefício postulado.

Assim, deve ser reformada a decisão hostilizada, que indeferiu a gratuidade de justiça perquirida.

DO CONTRATO SUB JUDICE

Na hipótese dos autos, o embargado busca o adimplemento do débito referente ao Contrato de Abertura de Crédito Rural Fixo de Evento 1, Doc. 3.

Neste contexto, como sabido, os contratos bancários são, em geral, de adesão. Significa dizer que, muitas vezes, possuem modelo padrão, pré-impresso, sobre o qual não existe possibilidade de discussão das cláusulas ou condições. Assim, a decisão do consumidor cinge-se a aderir ou não aderir a esses contratos.

Desse modo, incumbe ao Poder Judiciário impedir o desequilíbrio na relação de consumo, atentando para o fato de que esse pagamento deve ser realizado de acordo com o que determina a lei, considerando-se nulas as cláusulas abusivas.

DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Primeiramente cumpre ressaltar que a temática dos contratos e das atividades bancárias é matéria que se encontra sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), consoante se nota pelas disposições dos artigos 2º, 3º e 52, do referido Diploma.

Note-se, aliás, que o parágrafo 2º, do artigo , do CDC, é expresso ao estabelecer que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Ademais, conforme a Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça, “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Portanto, deve ser aplicado ao caso concreto o Código de Defesa do Consumidor, mormente considerando a vulnerabilidade técnica do embargante frente à instituição bancária.

DA PRORROGAÇÃO DO CONTRATO E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS

Dispõe a Súmula 298 do STJ que “O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas direito do devedor nos termos da lei”.

Do exame do entendimento sedimentado pelo STJ, denota-se que a prorrogação dos prazos das dívidas consubstanciadas por cédulas de crédito rural é direito potestativo dos produtores, mas que deve ser exercido nos termos da legislação aplicável ao caso, especialmente as resoluções editadas pelo Banco Central do Brasil – BACEN.

O fundamento da possibilidade de prolongamento de dívida rural esta embasado na Resolução 4.161/2012 do BACEN:

“O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do O Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão extraordinária realizada em 11 de dezembro de 2012, tendo em vista as disposições do art. 4º, inciso VI, da Lei nº 4.595, de 1964, dos arts. e 14 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, e do art. 5º da Lei nº 10.186, de 12 de fevereiro de 2001, R E S O L V E U : Art. 1º Fica autorizada, a critério da instituição financeira, a renegociação das dívidas decorrentes de operações de crédito rural de custeio e investimento contratadas até 30 de junho de 2011 com risco integral das instituições financeiras, cujos recursos tenham sido destinados à produção de arroz, observadas as seguintes condições: I - beneficiários: produtores rurais de arroz; II - apuração do saldo devedor: as parcelas vencidas e vincendas das operações objeto da renegociação devem ser atualizadas pelos encargos contratuais de normalidade, sendo exigida amortização de, no mínimo, 10% (dez por cento) do saldo devedor, a ser paga até a data de formalização da renegociação; III - encargos financeiros: taxa efetiva de juros de 5,5% a.a....

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