Acórdão nº 50004517220218210056 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004517220218210056
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002956407
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000451-72.2021.8.21.0056/RS

TIPO DE AÇÃO: Horas Extras

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA

APELANTE: ALESSANDRO BUENO RIBEIRO (AUTOR)

APELADO: MUNICÍPIO DE JÚLIO DE CASTILHOS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ALESSANDRO BUENO RIBEIRO nos autos da ação ordinária que move contra o MUNICÍPIO DE JÚLIO DE CASTILHOS, inconformado com a sentença (Evento 29, da origem) de improcedência da demanda, na qual pleiteia a condenação do réu ao pagamento das horas laboradas em regime extraordinário, acrescida de seus reflexos, bem com o de indenização pelos danos morais decorrentes do não pagamento destas, cuja parte dispositiva restou redigida nos seguintes termos:

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015.

Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios do(s) patrono(s) da autora, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, corrigido pelo IGPM-FGV desde a data do ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora de 1% ao mês (sem capitalização), estes incidentes a partir do trânsito em julgado da sentença, considerando o zelo do(s) profissional(is), o tempo exigido para o serviço, o lugar da prestação do mesmo, e a natureza e importância da causa (art. 85, §2º, do CPC/2015). Suspendo, todavia, a exigibilidade de tais verbas (art. 98, §3º, do CPC/2015) da parte autora, haja vista que litiga sob o amparo do benefício da AJG (evento 03).

Em suas razões de apelo (Evento 35, da origem), aduz que, em razão da previsão contida no art. 48, da Lei Municipal nº 3.633/2019, desde quando investido na função de Conselheiro Tutelar, desempenha suas atividades em jornada laboral semanal superior ao limite previsto no inciso XIII do art. 7º, da CF, fazendo jus ao recebimento de horas extras, em atenção ao disposto no inciso XVI do referido dispositivo constitucional, ou de compensação destas com sua jornada de trabalho normal. Assevera que deve ser indenizado pelas horas extraordinárias laboradas e não compensadas. Pugna pelo provimento do apelo, a fim de que sejam julgados procedentes os pedidos.

Apresentadas as contrarrazões (Evento 38, da origem), os autos foram remetidos para superior instância, onde a Procuradoria de Justiça opina pelo desprovimento da apelação, vindo os autos, conclusos, para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, pois preenchidos seus requisitos de admissibilidade.

Conforme se infere dos autos, a parte autora, Conselheiro Tutelar do Município de Júlio de Castilhos, vem à juízo pleitear o pagamento de indenização pelas horas extraordinárias laboradas, ou a compensação das mesmas.

Deve se ter presente que a Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade, insculpido no caput do art. 37 da CF, o qual deve nortear seu agir.

Nesse sentido leciona Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed., São Paulo, Malheiros, pág. 82):

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. da Lei 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme a lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal.
Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.

Inicialmente, destaca-se que Conselheiro Tutelar não é servidor público. Trata-se de particular em colaboração com a Administração Pública, consoante a classificação preconizada, dentre outros, por JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (Manual de direito administrativo, p. 399, 4.ª Ed., Rio de Janeiro, 2000):

Como informa o próprio nome, tais agentes, embora sejam particulares, executam certas funções especiais que podem se qualificar como públicas, sempre como resultado do vínculo jurídico que os prende ao Estado. Alguns deles exercem verdadeiro ‘munus’ público, ou seja, sujeitam-se a certos encargos em favor da coletividade a que pertencem, caracterizando-se, nesse caso, como transitórias as suas funções. Vários desses agentes, inclusive, não percebem remuneração, mas, em compensação, recebem benefícios colaterais, como o apostilamento da situação nos prontuários funcionais ou a concessão de um período de descanso remunerado após o cumprimento da tarefa.
Clássico exemplo desses agentes são os jurados, as pessoas convocadas para serviços eleitorais, como os mesários e os integrantes de juntas apuradoras, e os comissários de menores voluntários.

Este é o sentido do art. 135, da Lei 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer como “serviço público relevante”, o exercício da função de Conselheiro Tutelar:

Art. 135. O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

Assim, não sendo os Conselheiros Tutelares servidores stricto sensu, mas sim, agentes públicos na condição de particulares colaborando com a Administração Pública, não fazem jus à percepção de vantagens próprias dos servidores públicos, tampouco de trabalhadores regidos pelas normas da CLT, não lhes sendo auto aplicáveis os direito sociais previstos no art. 7º, XVI, e 39, §3º, ambos da CF, pois mantêm vínculo institucional com o poder público local regido por Lei Municipal específica, inclusive no que diz com sua remuneração, ressalvados os direitos garantidos no art. 134, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim dispõe:

Art. 134. Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto à remuneração dos respectivos membros, aos quais é assegurado o direito a: (Redação dada pela Lei nº 12.696, de 2012)
I - cobertura previdenciária; (Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da remuneração mensal; (Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
III - licença-maternidade; (Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
IV - licença-paternidade; (Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
V - gratificação natalina.
(Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
Parágrafo único.
Constará da lei orçamentária municipal e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar e à remuneração e formação continuada dos conselheiros tutelares. (Redação dada pela Lei nº 12.696, de 2012)

Ainda que os membros do Conselho Tutelar sejam considerados agentes públicos, por exercerem um serviço público, não se enquadram no conceito de servidor público estatutário ou celetista, sendo regidos por lei municipal própria, razão pela qual os direitos sociais, a eles, detentores de mandato eletivo, não tem aplicação automática, sendo imprescindível a criação de lei específica, em atenção ao princípio da legalidade insculpido no caput do art. 37, da CF, mormente considerando ter sido assegurada a necessidade de os Estados e Municípios estabelecerem a previsão de recursos financeiros para o adimplemento de tais verbas.

Desta forma, aos Conselheiros Tutelares do Município de Júlio de Castilhos aplicam-se as normas da Lei Federal nº 8.069/90 e da Lei Municipal nº 3.633/19.

À vista disso, a relação existente entre a apelante e o ente público municipal é submetida à Lei Municipal nº 3.633/19, que, com relação ao horário de funcionamento do Conselho Tutelar, estabelece:

Art. 38. O Conselho Tutelar funcionará na Secretaria da Assistência Social e Habitação, de segundas a sextas-feiras, com carga horária de 40 horas semanais, no horário das 8h às 12h e das 13h às 17 h.
§ 1º Além do horário de expediente, o Conselho Tutelar manterá sobreaviso nos dias de semana, à noite, e nos sábados, domingos e feriados, durante as vinte e quatro horas do dia, observado o seguinte:
I - Ordinariamente das 8h às 12h e das 13h às 17h, de segundas à sexta-feira;
II - Em regime de plantão, durante a semana nos horários das 12h à 13h e das 17h às 8h do dia seguinte, todos os dias úteis e das 8h de sábados até às 8h de segunda-feira, ininterruptamente;
III - As ocorrências de urgência trazidas ao Conselho Tutelar nos períodos de que trata o inciso anterior serão imediatamente comunicadas ao Conselheiro de Plantão que as atenderá na sede do Conselho;
IV - A escala mensal de plantão dos Conselheiros, com respectivo telefone de plantão, além de ficar fixada em lugar visível na sede do Conselho Tutelar, será amplamente divulgada, com antecedência mínima de 5(cinco) dias, junto
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