Acórdão nº 50004625320168210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004625320168210064
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001367756
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000462-53.2016.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Aborto provocado por terceiro (arts. 125 e 126)

RELATOR: Desembargador MANUEL JOSE MARTINEZ LUCAS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Santiago, foram denunciados pelo Ministério Público:

I - S. de M. F., 27 anos à época dos fatos, como incursa nas sanções do art. 124, caput;

II - D. S. R., 26 anos à época dos fatos, como incurso nas sanções do art. 126, caput.

A peça acusatória, recebida em 28/09/2016 (evento 3 - PROCJUDIC2, fls. 83/v), é do seguinte teor:

"FATO DELITUOSO:

Em data e horário não precisamente apurados, com marco final no dia 1º de janeiro de 2015, pela manhã, no interior do Pronto Socorro do Hospital de Caridade de Santiago, situado na Rua Sete de Setembro, n° 570, Centro, em Santiago/RS, os denunciados SIMONE DE MOURA FOLETTO e DOUGLAS SANTOS ROBALO, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, provocaram aborto na primeira codenunciada, consoante auto de necropsia da fl. 51 do I.P.
Na ocasião, os denunciados, companheiros entre si, ao tomarem conhecimento de que a codenunciada estava grávida, decidiram que abortariam a criança, sendo que, para esse fim, fizeram uso de substância abortiva não identificada nos autos, dando causa à morte do feto.

Então, no dia 1º de janeiro de 2015, a denunciada foi levada ao Pronto Socorro local pelo denunciado, apresentando dor pélvica e sangramento.Já no interior do Pronto Socorro, em um banheiro interditado, a denunciada expeliu o feto dentro de um vaso sanitário (levantamento fotográfico das fls.
14-16 do I.P.).
O feto era do sexo masculino, pesava 800g (oitocentas gramas) com a placenta e media 29cm (vinte e nove centímetros) de estatura, sendo compatível com idade gestacional de 23 (vinte e três) semanas, consoante o auto de necropsia da fl. 51 do I.P."

Instruído o processo, sobreveio decisão (evento 3 - PROCJUDIC6, fls. 215/228v), prolatada em 30/11/2020, julgando improcedente a ação penal para IMPRONUNCIAR os réus S. de M. F. e D. S. R. das acusações que lhes foram feitas.

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (evento 3 - PROCJUDIC7, fl. 230). Em suas razões (evento 3 - PROCJUDIC7, fls. 233/237v), o parquet requer a reforma da sentença para pronunciar os réus pelos delitos que lhes foram imputados, pois presentes os requisitos de existência do crime e indícios de autoria, dispostos no art. 413 do CPP.

Foram apresentadas contrarrazões pela Defensoria Pública (evento 3 - PROCJUDIC7, fls. 238/243).

Vieram os autos a este Tribunal.

Nesta instância, o parecer do Procurador de Justiça Dr. Luís Antônio Minotto Portela foi pelo provimento do recurso ministerial.

É o relatório.

VOTO

Como é consabido, a pronúncia é uma decisão processual, com caráter declaratório e provisório, pela qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem adentrar no exame de mérito. Assim, deve admitir todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência, a fim de que a causa seja submetida ao conhecimento dos jurados, juízes naturais dos crimes dolosos contra a vida, por mandamento constitucional.

Ademais, a pronúncia não exige prova plena da autoria, bastando a existência de suficientes indícios de que o réu tenha praticado o crime que lhe está sendo imputado, indícios esses que não se encontram presentes no caso vertente, em relação aos denunciados.

Em suma, deve ser mantida a bem lançada decisão monocrática, da lavra da Juíza Cecilia Laranja da Fonseca Bonotto, cujos fundamentos permito-me adotar e reproduzir, a seguir, como razões de decidir, nada mais havendo a ser acrescentado:

"III - MÉRITO:

III.I - Da materialidade e da autoria:

A MATERIALIDADE do delito não restou suficientemente demonstrada. Os elementos constantes nos autos são insuficientes a demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta dos denunciados e o resultado produzido.

Dos interrogatórios:

A denunciada SIMONE DE MOURA FOLETTO, em seu interrogatóri, negou a prática delitiva (fls. 187/189). Transcrevo o que de mais relevante constou da defesa pessoal:

"(...)

Juíza: Simone eu vou lhe fazer algumas perguntas, mas tu não está obrigada a responder e teu silencio não vai te prejudicar, tudo bem?
lnterrogando: (Concordou com a cabeça).

Juíza: A senhora tá sendo acusada juntamente com o Douglas de terem, em horário não suficientemente esclarecido, mas com marco final primeiro de janeiro de 2015 pela manhã no pronto socorro terem praticado aborto na senhora.
Essa acusação é falsa ou é verdadeira?
lnterrogando: É falsa doutora.

Juíza: A senhora conhece Vianei Vargas?

lnterrogando: (Negou com a cabeça).

Juíza: Conhece Joâo Everaldo Vargas do Amaral?

lnterrogando: Nâo.
Juíza: Conhece Paulo Laudelino de Matos?

Interrogando: Nâo.
Juíza: Bibian Mendonça?

lnterrogando: Não.
Juíza: Milene Bandeira?

lnterrogando: Nâo.
Juíza: Eugênia Stacowiski?

lnterrogando: A Eugênia, ela foi conversar comigo, mas eu chorava muito, eu não consegui conversar com ela.

Juíza: E Sandra Gurski?

lnterrogando: Nâo.
Juíza: Paulo Gerson Lopes Peixoto?

lnterrogando: Nâo.
Juiza: Ricardo Gonçalves Silveira?

lnterrogando: Nâo.
Juiza: A senhora tem alguma coisa contra essas pessoas?

lnterrogando: Não.
Juíza: A senhora quer me contar o que aconteceu no dia?

lnterrogando: O que eu fiz doutora, a minha mãe se enforcou, daí eu achei ela, e dai eu fiquei assim, desnorteada, daí eu tenho outro filho, o Henrique, que ele tem 15 anos, na época ele tinha 8, daí ele e o pai que acharam a minha mâe enforcada, dai eu trabalhava com a dona Dina, eu sempre fui assim, gordinha, e eu sempre usei roupa assim, calça jeans, blusa, eu sempre fui normal, aí depois que eu perdi a minha mâe, eu nâo fiquei bem sabe, eu tentava me matar, o que eu tentei fazer várias vezes, e fiz tratamento agora, faz uns dois anos que eu fiz tratamento pra depressão, eu tomei uns remédios que tinha na caixa da minha mâe.

Juíza: A sua mâe faleceu quando?

lnterrogando: Vai fazer sete anos agora dia 15 de março.

Juíza: 15?
lnterrogando: De março.

Juíza: De que ano?
lnterrogando: Faz sete anos, vai fazer e Iogo que ela morreu eu engravidei da Be, eu tenho a Be com 6 anos.

Juíza: A senhora tem um filho de quanto?

lnterrogando: 15.
Juíza: Esse filho é do Douglas também?

lnterrogando: Nâo.
Juíza: E a de 6 anos?

lnterrogando: É.
Juíza: É do Douglas?

lnterrogando: É.
Juíza: Que dia é a data de nascimento da sua filha?

lnterrogando: A Betina?

Juíza: E.
lnterrogando: 13/01/2014.

Juíza: Menos de um ano depois entâo é que a senhora, no caso, teve aborto desse feto?

lnterrogando: Passou o natal ali doutora, e eu tomei um monte de remédio sabe, porque eu queria estar com a minha mãe, eu queria a minha mâe.

Juíza: A sua mâe vai fazer sete anos agora?

lnterrogando: Sim, e o meu pai tinha cirrose na época.

Juíza: E que medicamentos foram que a senhora tomou?

lnterrogando: Eu tinha remédio de cirrose do meu pai, tinha remédio que a minha mâe tomava pra depressão, eu misturei tudo junto, eu nâo sei Ihe falar os nomes.

Juiza: E qual era o seu objetivo tomando todos esses remédios?

lnterrogando: Eu queria ficar perto dela.

Juíza: A senhora teve um acompanhamento, fez um acompanhamento ali da sua filha, da Betina, pós nascimento com pediatra?
Alguma coisa assim?
lnterrogando: Aham.
Juíza: A senhora amamentou?

lnterrogando: Sim.
Juíza: Até que idade?

lnterrogando: Até um ano e pouquinho, ela tinha.

Juíza: Quando aconteceu esse aborto a senhora estava amamentando ela então?

lnterrogando: Sim.

Juíza: E a senhora nâo se preocupava em tomar esses medicamentos amamentando a sua filha?
lnterrogando: Porque na minha cabeça doutora, eu queria era sumir sabe.

Juíza: Em algum momento a senhora teve algum acompanhamento psicológico nessa época?

lnterrogando: Nessa época não, eu tive, eu fiz tratamento a uns três anos atrás, que eu tentei de novo, daí eu fui pra Santa Maria.

Juíza: Atualmente a senhora ta fazendo algum tratamento?

lnterrogando: Agora não.

Juíza: Tá, daí a senhora foi pro hospital nesse día fazer o que?

lnterrogando: Eu acordei com muita dor, daí eu chamei o Douglas pra me Ievar pro hospital, ele tava domindo, ele me levou lá no hospital, daí no hospital eu cheguei e eu não aguentava ficar sentada, nem de pé, eu tava com uma dor muito horrível, eu disse pra moça “eu preciso ir no banheiro", ela disse "pode passar ali“, só que no banheiro dizia interditado, só que no banheiro dos homens, tinha, tava ocupado, daí o Douglas disse “eu abro aqui e tu entra aqui", eu fui, só que não dava pra ver nada, porque tava tudo verde sabe, tinha uma coisa verde no banheiro, eu não sei o que que era, tava interditado, eu não senti nada me descer, nada, eu só senti aquela dor horrível, aí depois o doutor Paulo que me atendeu.

Juíza: E o que o doutor Paulo lhe disse?

lnterrogando: Daí o doutor Paulo só me examinou e me mandou pra uma salinha lá de espera, aí eu fiquei lá naquela sala de espera.

Juíza: A senhora disse que tinha uma coisa verde?

lnterrogando: É, tinha uma coisa verde no vaso, tava cheio sabe.

Juíza: Tá, e quando a senhora, a senhora sentou no vaso?

lnterrogando: Sim.
Juíza: O que que aconteceu?

lnterrogando: Doutora, eu não senti nada assim, que saísse de mim sabe, eu não senti nada.

Juíza: E dai?
lnterrogando: Daí o Douglas me levou pro doutor Paulo, e o doutor Paulo me examinou e me mandou passar pra uma salinha de espera lã, e lá me fizeram soro.

Juíza: E daí?
lnterrogando: E daí veio a enfermeira e tirou sangue de mim, dai eu fiquei mais um tempo lá, daí ela voltou e disse que eu tava gravida, daí depois veio o médico e me examinou e disse que não, que eu tinha sofrido um aborto, mas na minha cabeça era o que, um mês, dois meses, nunca imaginei que fosse mais, que eu
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