Acórdão nº 50004629320158210159 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
Classe processualApelação
Número do processo50004629320158210159
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002038265
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000462-93.2015.8.21.0159/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: CLOVIS ANDRE ROEHRIG (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por CLÓVIS ANDRÉ ROEHRIG em face da sentença das fls. 16/21 de Processo Judicial 6 que, nos autos da ação indenizatória por danos morais que move contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00. Declarou, no entanto, suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial por litigar o autor sob o pálio da gratuidade judiciária.

Alega o apelante, em síntese, que a sentença merece reforma, uma vez que contrária às provas produzidas nos autos. Afirma que, em 20/11/2012, foi preso na empresa em que trabalhava há mais de 21 anos sem saber a razão, por ordem do juízo de Barra do Ribeiro. Diz que foi preso e algemado na frente de seus colegas de trabalho, patrões e vizinhos, passando por imenso constrangimento e vergonha, sendo levado ao Presídio Central de Porto Alegre, cárcere em que ficou por duas noites. Assevera que não foi identificado antes de ser recolhido, fato que ocorreu apenas dois dias depois, momento em que o policial que havia representado por sua prisão temporária, emocionado, pediu-lhe desculpas e, imediatamente, solicitou a sua libertação. Acentua que faltou cautela por parte da autoridade policial e Judiciária, ao solicitar e determinar, respectivamente, a prisão do autor, pessoa esta sem qualquer registro de antecedentes criminais! Registra que é pessoa idônea, sem antecedentes, possui família e endereço fixo, trabalha há mais de vinte anos na mesma empresa e passou dois dias preso no Presídio Central. Pede, então, o provimento do recurso com a condenação do Estado ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 26/38 de Processo Judicial 6).

Houve contrarrazões (fls. 40/44 de Processo Judicial 6).

Nesta instância, converti o julgamento em diligência para regularização da digitalização (Evento nº 4).

O Ministério Público exarou parecer pelo provimento do recurso (Evento nº 11).

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso interposto, porquanto atendidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Narra o autor, na inicial, que teve a prisão temporária decretada pelo juízo da Barra do Ribeiro, sendo preso, em 20/11/2012, em Teutônia, no seu local de trabalho de mais de vinte anos. Informa que a prisão decorreu de investigação que era feita pelo DEIC de Porto Alegre, a qual tinha por objeto uma quadrilha especializada em roubo, furto, adulteração de caminhões e tráfico de drogas no Rio Grande do Sul, com ramificações no Paraná e em São Paulo. Discorre sobre a imensa vergonha e constrangimento de ter sido algemado e preso em seu local de trabalho, na frente de colegas, patrões e vizinhos, sem falar no imenso sofrimento de passar dois longos dias no Presídio Central de Porto Alegre. Assevera que, depois de dois dias, quando foi depor no DEIC, no momento de sua identificação, os policiais verificaram que haviam cometido um grave engano, solicitando a sua libertação, pois notaram o seu forte sotaque alemão, bem como a sua simplicidade, não se tratando do André que identificaram nas escutas que fizeram. Diz que houve ausência de cautela da autoridade policial e judiciária, respectivamente, ao solicitar e decretar sua prisão temporária, frisando que é pessoa idônea, com família e residência fixa, emprego no mesmo local há mais de duas décadas e sem qualquer antecedente criminal. Afirma que sofreu imenso abalo moral com a situação. Pede a procedência do pedido com a condenação do Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de indenização por danos morais.

A sentença foi de improcedência, dela recorrendo o autor que devolve a este Órgão Julgador a integralidade da matéria.

A regra geral da responsabilidade civil do Estado está esculpida no § 6º do artigo 37 da CF, o qual determina que as pessoas jurídicas de direito público respondam objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Assim - fundado na teoria do risco administrativo - para a configuração da responsabilidade civil do Estado bastaria a demonstração do nexo de causalidade entre os danos causados e a conduta tanto das pessoas jurídicas de direito público quanto das de direito privado prestadoras de serviço público, sendo desnecessária a prova da culpa, ou seja, o ato não precisa ser ilícito, basta a comprovação do dano e o nexo causal entre a atividade estatal e o resultado danoso. Ademais, justamente por nosso ordenamento abarcar a teoria do risco mitigado, e não do integral – ressalvadas exceções legais –, que se admitem causas excludentes de responsabilidade como, em regra, a força maior, o caso fortuito e o fato exclusivo da vítima.

Com efeito, segundo a doutrina prevalente, o Estado só pode ser responsabilizado pelos danos causados por atos judiciais típicos nas hipóteses previstas no artigo 5º, LXXV, CF, o qual contempla o condenado por erro judiciário assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, entendendo-se o erro judiciário como o ato jurisdicional equivocado e gravoso emanado da atuação do Juiz.

Todavia, no que diz respeito aos danos causados pela atividade judiciária – daí compreendidos os casos como, por exemplo, negligência no exercício da atividade, falta do serviço, desídia dos serventuários, mazelas do aparelho policial, é cabível a responsabilidade do Estado amplamente, com base no artigo 37, § 6º, CF ou na culpa anônima, pois se trata de atividade administrativa realizada pelo Poder Judiciário1.

Nesse ponto, acrescenta o ilustre jurista CAVALIERI:

[...] já ficou assentado que o arcabouço da responsabilidade estatal está estruturado sobre o princípio da organização e do funcionamento do serviço público. E, sendo a prestação da justiça um serviço público essencial, tal como outros prestados pelo Poder Executivo, não há como e nem por que escusar o Estado de responder pelos danos decorrentes da negligência judiciária, ou do mau funcionamento da Justiça, sem que isto moleste a soberania do Judiciário ou afronte o princípio da autoridade da coisa julgada.2

No caso concreto, com a mais respeitosa vênia da magistrada prolatora da sentença, tenho que foi nítida a falha estatal ao representar pela prisão temporária do autor. Explico.

Analisando o contexto probatório, restou incontroverso que o autor foi preso temporariamente por dois dias, sendo conduzido de Teutônia para o Presídio Central de Porto Alegre, por suposto envolvimento em quadrilha especializada em roubo, furto, adulteração de caminhões e tráfico de drogas, desbaratada na denominada "Operação Borboleta", capitaneada pelo DEIC de Porto Alegre. A conclusão de seu envolvimento na operação criminosa decorreu de escutas telefônicas, na qual identificado um "André", que atuaria juntamente com outros dois membros da quadrilha, os irmãos Moisés e Mozete, na intermediação de compra de caminhões roubados e furtados (Ofício nº 945/2012 da Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículos, fls. 16/22 de Processo Judicial 2).

No Relatório de Investigação nº 124/2012 - DRV (fls. 24/4 de Processo Judicial 2 e 3), consta como cada um dos membros da quadrilha agia, bem como a representação pela prisão preventiva de um deles e temporária dos demais, além da expedição de mandado de busca e apreensão em diversos endereços por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sendo que, com relação ao autor, apenas consta seu nome e fotografia, conforme fl. 34 de Processo Judicial 2. Remetido o relatório e representação pelas prisões ao Ministério Público, o parecer foi pela decretação das prisões com base nos artigos 312 e 313 do CPP com relação à preventiva, e no artigo 1º, I, II e III, 'c' e 'l', da Lei nº 7.960/89 quanto à temporária (fls. 6/16 de Processo Judicial 3), o que foi acatado pelo juízo criminal de Barra do Ribeiro (fls. 18/24 de Processo Judicial 3). O mandado de prisão temporária do autor, por cinco dias, foi acostado às fls. 26/30 de Processo Judicial 3.

A prisão temporária do autor, portanto, foi fundamentada nas seguintes razões:

Art. 1° Caberá prisão temporária: (Vide ADI 3360) (Vide ADI 4109)

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

(...)

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

(...)

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

(...) (Grifei)

Apenas para esclarecer, antes de adentrar na análise da decretação da prisão temporária do autor em si, consigno que, embora as ADI nºs 3360 e 4109 tenham sido, respectivamente, ajuizadas em 2004 e 2008, seus julgamentos apenas ocorreram em fevereiro de 2022, sendo ambas parcialmente procedentes, atribuindo o STF interpretação conforme à Constituição.

Para que não pairem dúvidas a respeito dos fundamentos da prisão temporária do autor, transcrevo excerto da decisão do juízo criminal de Barra do Ribeiro:

(...)

2. Quanto ao pedido de prisão temporária:

Os representados estão sendo investigados por diversos delitos contra o patrimônio e os documentos constantes no presente expediente demonstram indícios de suas participações nos crimes investigados. A necessidade da implementação da segregação cautelar a...

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