Acórdão nº 50004728320168210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004728320168210101
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002550524
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000472-83.2016.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Apropriação indébita (art. 168, caput)

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra LEANDRO RECH CARDOSO, afirmando estar incurso nas sanções do artigo 168, caput, do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/4):

Recebida a denúncia em 10/04/2017 (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fl. 30 - data da assinatura eletrônica) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada procedente (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fls. 44/50):

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal e CONDENO LEANDRO CARDOSO RECH nas sanções do art. 168, “caput”, do Código Penal.

Passo à dosimetria das penas

Em atenção às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, verifica-se que a culpabilidade do réu, reconhecida no agir contrário ao dever e a norma, foi adequada à natureza delitiva, merecendo censura normal à espécie, sem nada que leve a exigência especial de conduta diversa. O réu não registra antecedentes para fins de exasperação da pena. A conduta social do acusado não é desabonada nos autos e não há elementos suficientes para aferir-se sobre sua personalidade, motivo pelo qual essas circunstâncias não pesarão em seu desfavor. Os motivos do crime são próprios da espécie, qual seja, a obtenção de lucro fácil. As consequências, apesar de significativas, são inerentes ao próprio tipo penal, já que a vítima não recuperou o veículo. A vítima, com seu comportamento, em nada colaborou para o delito.

Assim, considerando a análise dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base em UM (01) ANO DE RECLUSÃO.

Presente a agravante da reincidência, prevista no art. 61, inc. I, do Código Penal, em virtude de condenação definitiva por crime contra o patrimônio no processo nº 041/2.02.0000578-5, cuja pena foi extinta em 16.08.2013 conforme certidão de antecedentes de fls. 430-432, tendo o fato aqui apurado praticado na data de 10.12.2013, isto é, antes de decorrido o período de depuração previsto no art. 64, inc. I, do mesmo diploma legal, aumento a pena em SEIS (06) MESES DE RECLUSÃO nessa segunda fase de aplicação, restando a pena provisória em UM (01) E SEIS (06) MESES DE RECLUSÃO, a qual torno definitiva em razão da ausência de outras causas de aumento ou diminuição da pena.

Fixo o regime SEMI-ABERTO como o inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, §2º, letra “b”, do Código Penal.

Imponho ao condenado o pagamento de DEZ (10) DIAS-MULTA, levando-se em conta as operadoras do artigo 59 do Código Penal, arbitrado o dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, considerando a situação econômica do réu.

Em que pese a quantidade da pena fixada permitisse objetivamente a substituição por pena restritiva de direito, entendo que o acusado não faz jus ao benefício da substituição, encontrando óbice no requisito do art. 44, inc. III, do Código Penal, porquanto reincidente. Pelo mesmo fundamento, não estão preenchidos os requisitos do sursis, sendo vedada a concessão do benefício, nos termos do art. 77, inc. I, do Código Penal, além de não se tratar de medida socialmente recomendável na hipótese vertente, pois o réu responde a outro processo por crimes contra o patrimônio.

Custas pelo condenado".

O réu ingressou com apelação (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 2 e 15/19), alegando, em síntese, que: (a) era caso de absolvição, em razão de não ter ficado comprovado que "tinha a intenção de se apropriar definitivamente do veículo da vítima" (fl. 16); (b) "inexistia, por parte do réu, a pretensão de assenhoramento definitivo, com animus domini, devendo o presente desacordo ser resolvido na esfera cível" (fl. 17); (c) era hipótese de incidência da atenuante da confissão espontânea, com redução da pena aquém do mínimo legal. Pediu, assim, o provimento do recurso, com a absolvição, e, subsidiariamente, o redimensionamento da pena aplicada.

Em contrarrazões, o Ministério Público postulou o não provimento do recurso (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 21/23).

Nesta instância recursal, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/TJRS, evento 7, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso de apelação do réu, porquanto atendidos os requisitos previstos no artigo 593 do Código de Processo Penal (CPP).

A materialidade delitiva ficou comprovada a partir da prova oral e dos seguintes documentos do inquérito policial (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC1): (1) ocorrência policial (fls. 8/9); (2) termos de declarações (fls. 10/12); (3) certificado de registro de veículo (fl. 13); (4) dados do veículo (fls. 18/19).

A autoria, por sua vez, também acabou devidamente demonstrada pelo conjunto da prova produzida, o que justificava a condenação do acusado.

Desse modo, transcrevo, inclusive como razões de decidir, o declinado na sentença no relacionado à prova, evitando desnecessária tautologia (processo 5000472-83.2016.8.21.0101/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fls. 44/50):

"O réu Leandro Rech Cardoso, cuja versão dos fatos não foi apresentada na fase judicial em face do não comparecimento à audiência de interrogado e, consequentemente, do decreto de revelia (fl. 69), assim declarou à Autoridade Policial (fls. 10-11):

(…) acerca de quatro meses LUIS CARLOS ANTUNES MEDICA e o interrogado se encontraram na lancheria central, situada na rua São Pedro, próximo a Farmácia Lider nesta cidade, quado Medina solicitou os serviços de mecânica do interrogado. Referiu que Medina e o interrogado forma até a a Linha avila onde mora Medina onde entregou o Fusca para reforma. Que o veículo fusca é de placa IGN5692, de propriedade de Medina. Disse que faria o serviço em sua residência, contudo em prazo determinado para o término do trabalho. Referiu que dias após ter pego esse veículo foi até a cidade de Canela para a aquisição de peças para o conserto. Que ao retornar para esta cidade acabou o combustível do Fusca próximo ao posto Kapes II, situado em frente Torre Café Colonial. Que pediu autorização para um funcionário que trabalhava na bomba para deixar o veíclo [sic] no pátio daquele estabelecimento. Que deixou o veículo ali estacionado com a chave, o rádio e documento no porta luvas daquele fechou a porta e foi para casa. No dia seguinte ainda estava lá o referido veículo.

Por sua vez, a vítima Luis Carlos Antunes Medina (cd de mídia de fl. 62), ouvida na fase processual, relatou que conhecia o réu, pois havia trabalhado com ele em um restaurante, o qual sempre realizava serviços nos automóveis do proprietário do estabelecimento. Disse que comprou o veículo Fusca, tendo realizado alguns reparos, faltando apenas a instalação do rádio e a troca do assoalho, tendo contatado o réu para efetuar tais serviços, entregando-lhe o bem. Afirmou que, posteriormente, um indivíduo lhe telefonou informando que o veículo estava em um posto de gasolina, tendo comparecido no local e encontrado o bem. Contou que procurou o réu, não logrando localizá-lo. Por fim, respondeu que, ao encontrar posteriormente o réu, pediu para ele devolver o veículo, o que não o fez".

Neste contexto, inequívoca a presença de todas as elementares do crime do artigo 168 do CP, revelando-se pertinente transcrever a lição de Rogério Sanches Cunha1:

"Para que se perfaça o crime de apropriação indébita pressupõe-se o atendimento dos seguintes requisitos:

1) a vítima deve entregar voluntariamente o bem: quer isto dizer que a posse ou a detenção deve ser legítima (com a concordância expressa ou tácita do proprietário). Não pode ser empregada, na execução do crime, violência, grave ameaça ou fraude, pois, do contrário, configurar-se-á delito de roubo (ar. 157) ou estelionato (art. 171). E no âmbito da legitimidade se insere a boa-fé, vez que se o agente recebe a coisa já com a intenção de não a devolver, há furto (art. 155);

2) posse ou detenção desvigiada: a posse ou a detenção exercida pelo agente deve ser desvigiada (confiada sem vigilância). Se o funcionário, no estabelecimento comercial, aproveita-se de momento de distração do patrão para se apropriar de mercadorias, será autor de furto, e não do delito em estudo;

3) a ação do agente deve recair sobre coisa alheia móvel (possível de ser transportada de um local para outro);

[...]

4) a inversão do ânimo da posse: após obter legitimamente a coisa, o agente passa a agir como se fosse seu dono. Apura-se a inversão por meio de atos de disposição, como venda e locação, ou pela recusa mesma em restituir a coisa".

Dentro deste quadro, forçoso assinalar que, em "crimes patrimoniais como o descrito nestes autos, a palavra...

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