Acórdão nº 50004933220138210144 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004933220138210144
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002973221
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000493-32.2013.8.21.0144/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: ADRIANO CICHELERO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

1. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de ADRIANO CICHELERO, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 180 caput do Código Penal e 16 parágrafo único inciso IV da Lei nº 10.826/03, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:

"FATO 01:

Em data não especificada, mas entre os dias 28 de novembro de 2002 (data do furto) até o dia 31 de maio de 2013 (data do flagrante), nesta cidade de Carlos Barbosa/RS, o denunciado ADRIANO CICHELERO recebeu e ocultou coisa que sabia ser produto de crime, qual seja, um revólver calibre .38, marca Taurus.

Na época, o denunciado recebeu e ocultou o revólver acima descrito, de origem ilícita, sendo objeto de crime de furto ocorrido em 28/11/2002, na cidade de Carlos Barbosa, cometido contra a vítima Neuclédio Pizzi, então proprietário da arma (conforme consulta policial da fl. 08).

FATO 02:

No dia 31 de maio de 2013, por volta das 11h, na Rua Presidente João Goulart, n° 07, Bairro Vitória, em Carlos Barbosa/RS, o denunciado ADRIANO CICHELERO possuía e mantinha sob sua guarda, um revólver calibre 38, marca Taurus, com numeração de série raspada e cinco cartuchos calibre 38, arma e munições de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na ocasião, o denunciado possuía em sua residência, um revólver calibre 38, com numeração de série raspada (fl. Retro) e cinco cartuchos calibre 38 (consoante Auto de Apreensão da fl. 06 do IP). Agentes da Delegacia de Polícia Civil de Carlos Barbosa, em cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão 144/2.13.0000263-1, chegaram à residência supra, onde em que encontraram o revólver guardado.

O laudo pericial n° 94554/2013 demonstra que tanto a arma de fogo quanto as munições apreendidas, estão em perfeitas condições de uso."

A denúncia foi recebida pelo Juízo singular em 17.09.2013 (fl. 25 do evento 3, PROCJUDIC2).

O processo restou suspenso de 08.07.15 (fl. 05 do evento 3, PROCJUDIC3) a 09.01.18, quando o réu foi citado pessoalmente (fls. 25/26 do evento 3, PROCJUDIC3).

Após regular tramitação do feito sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a pretensão acusatória para condenar ADRIANO CICHELERO como incurso nas sanções do artigo 180 caput do Código Penal, às penas de 01 ano de reclusão, no regime aberto, substituída, e de 10 dias-multa; e absolvê-lo da infração ao artigo 16 parágrafo único inciso IV da Lei nº 10.826/03, pela incidência do princípio da consunção (fls. 46/50 do evento 3, PROCJUDIC4 e 01/07 do evento 3, PROCJUDIC5).

A publicação da sentença não foi registrada nos autos, sendo considerado como tal ato o primeiro movimento cartorário subsequente à sua prolação, que foi a intimação do Ministério Público ocorrida em 28.11.20191 (fl. 07 do evento 3, PROCJUDIC5).

Inconformados, o MINISTÉRIO PÚBLICO e ADRIANO apelaram.

Nas suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer a reforma da sentença para que Adriano seja condenado pelo delito de posse ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, o qual é mais gravoso que o de receptação, em face do princípio da consunção entre ambos (fls. 09/13 do evento 3, PROCJUDIC5).

ADRIANO, por sua vez, alegando insuficiência probatória e ausência de dolo, puna por absolvição (fls. 23/29 do evento 3, PROCJUDIC5).

Os recursos foram contra-arrazoados (fls. 16/21 do evento 3, PROCJUDIC5 e 30/34 do evento 3, PROCJUDIC5).

Em parecer, o Dr. Procurador de Justiça opina pelo provimento do apelo ministerial e improvimento do apelo defensivo (evento 7, PARECER1).

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. Do mérito dos recursos.

Os recorrentes não se conformam com a solução adotada pelo sentenciante. Adriano entende que o conjunto dos autos não é suficiente a ensejar sua condenação pelo ilícito de receptação, e o Ministério Público, por sua vez, o considera suficiente para fundamentar tanto sua condenação em relação ao ilícito de receptação, como quanto ao ilícito de posse ilegal de arma de fogo.

Razão assiste apenas ao Ministário Público.

Dos autos extraio que a prática dos delitos veio comprovada pelo registro de ocorrência das fls. 09/11, auto de apreensão da fl. 12, consulta de arma de fogo das fls. 13/14, auto de prisão em flagrante da fl. 23 (evento 3, PROCJUDIC1), laudos periciais das fls. 23 e 28/30 (evento 3, PROCJUDIC2), assim como pela prova oral coligida, cuja síntese adoto do decidir combatido, in verbis:

"No que se refere a prova oral, o policial civil Luciano Baroni relatou não recordar o que havia de indicativos antes de ter sido realizada a busca e apreensão. Disse que quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão, o réu logo disse que havia uma arma e a entregou. Disse que o réu tirou a arma de um roupeiro. Não recorda se havia outras pessoas residindo no local. Aludiu se tratar de revólver de numeração raspada. Referiu que depois da perícia se constatou de quem era a arma. Disse que leu a ocorrência e então recordou do fato.

A testemunha Neuclécio Pizzi relatou que possuía um revólver Taurus calibre 38 que foi furtado de sua residência no ano de 2002. Referiu ter efetuado o registro de ocorrência. Aduziu não conhecer o réu. Asseverou que a arma estava sempre municiada.

A testemunha Neri Centenaro narrou que conhece o réu. Referiu que no dia que a polícia esteve na sua casa, o réu lhe contatou para pagar a fiança. Disse que nunca viu o réu armado. Relatou que na época dos fatos não frequentava a casa do réu. Relatou que o réu é uma pessoa muito calma. Disse que o ré tinha um mercado e desconhece qualquer coisa que desabone sua conduta.

O acusado utilizou seu direito de permanecer em silêncio."

Não é demais acrescer, com relação ao depoimento prestado pelos servidores do Estado, meu entendimento de que deve ser analisado como o de qualquer outra pessoa, mas que, por uma questão lógica, geralmente prepondera sobre a declaração de quem é acusado do cometimento de um delito, que, na maior parte das vezes, tenta fugir à sua responsabilidade penal. Ora, pouco crível que, sendo o agente estatal pessoa de reconhecida idoneidade e sem qualquer animosidade contra o réu, vá a Juízo mentir.

No caso, as declarações foram colhidas sob o crivo do contraditório, e merecem total crédito, eis que seguras e uniformes, em ambas as fases em que prestadas, bem como por inexistentes indícios de seu interesse em prejudicar, sem motivos, o acusado.

Cito, por oportuno:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO. VIA INADEQUADA. ÉDITO CONDENATÓRIO FUNDAMENTADO EM DEPOIMENTO POLICIAL. PROVA IDÔNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. RÉU QUE SE DEDICA A ATIVIDADE CRIMINOSA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. AUSÊNCIA DO REQUISITO OBJETIVO. DETRAÇÃO DO ART. 387, § 2º, CPP. COMPETÊNCIA DO JUIZ SENTENCIANTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.(...) 3. Segundo entendimento reiterado desta Corte, as declarações dos policiais militares responsáveis pela efetivação da prisão em flagrante constituem meio válido de prova para condenação, sobretudo quando colhidas no âmbito do devido processo legal e sob o crivo do contraditório. (...) (HC 395.325/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 25/05/2017) (g.n.)

APELAÇÃO-CRIME. RECEPTAÇÃO DOLOSA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 180, CAPUT, DO CP. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ART. 16, CAPUT, DA LEI Nº 10.826/03. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PALAVRA DOS POLICIAIS. VALIDADE COMO MEIO DE PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA. NÃO RECONHECIDO. RAZOABILIDADE. I A negativa do réu L.S.B. não é minimamente verossímil. Os depoimentos dos policiais militares, uníssonos e convergentes entre si, colhidos sob o crivo do contraditório e do devido processo legal, são válidos como meio de prova, não enfrentando dúvida razoável quanto ao fato de que a chave do veículo clonado foi apreendida no bolso do referido acusado. II A materialidade e a autoria estão demonstradas em relação ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito imputado ao réu A.S.B.J. Os policiais que efetuaram o flagrante ratificaram em juízo que localizaram com ele a arma, fato que confessou em juízo. III Penas fixadas em consonância com a condição pessoal dos réus e com os contornos fáticos dos delitos, não ensejando alteração. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70077606119, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 14/06/2018)

Analiso a responsabilização criminal do réu em relação a cada ilícito.

No que tange ao delito de receptação dolosa, cediço que o tipo de receptação dolosa exige demonstração da prévia ciência da origem espúria da res, isto é, do dolo direto.

Ocorre que tal elementar, por representar factum internum, isto é, projeção do foro íntimo do agente, somente pode ser deduzida de forma indireta de acordo com as circunstâncias que envolveram o fato, a conduta do agente antes e depois da apreensão, bem como pela inexistência de justificativa plausível para a posse do bem de origem ilícita.

Em assim...

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