Acórdão nº 50004949020218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004949020218210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003208642
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000494-90.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATORA: Desembargadora NAELE OCHOA PIAZZETA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra JULIANA DA SILVA DE ABREU, nascida em 19-6-1993 (1.1, fl. 26), com 27 anos de idade à época do fato, dando-a como incursa nas sanções do artigo 180, caput, do Código Penal, pelo fato assim narrado na peça acusatória (processo 5000494-90.2021.8.21.00291, 1.1 :

[...]

Entre os dias 23 de julho e 1º de setembro de 2020, na Travessa Ribeiro Pinto, n° 117, Bairro Harmonia, em Santo Ângelo/RS, a denunciada JULIANA DA SILVA DE ABREU adquiriu/recebeu e ocultou, em proveito próprio, o aparelho celular, marca Xiaomi, modelo M1804D2SG, apreendido, avaliado em R$ 1.179,00 (mil cento e setenta e nove reais) e restituído à vítima, conforme autos inclusos (Evento 1 – INQ1, fls. 25/28, 48 e 35), coisa que sabia ser produto de crime.

O referido aparelho de telefone celular havia sido roubado da vítima MARCELO AUGUSTO BONINI PINTO no dia 23 de julho de 2020, na Av. Getúlio Vargas, n° 1655, Bairro Centro, em Santo Ângelo/RS (Evento 1 – INQ1, página 03) e foi adquirido/recebido pela denunciada, que passou a ocultá-lo em sua residência em proveito próprio. Durante ação realizada no dia 1º de setembro, policiais militares prenderam em flagrante delito por tráfico de drogas a denunciada e apreenderam em poder dela o celular roubado.

[...]

Denúncia recebida em 27-1-2021 ( 3.1).

Citada pessoalmente (8.1), apresentou resposta à acusação, sem rol de testemunhas, por intermédio da Defensoria Pública (11.1).

Não havendo hipótese ensejadora de absolvição sumária, nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal, foi determinado o prosseguimento do feito (13.1).

Durante a instrução, foram colhidas das declarações da vítima, inquiridas 02 (duas) testemunhas e interrogada a ré (39.1).

Apresentados memoriais pelo Ministério Público (46.1) e pela defesa (50.1).

Sobreveio sentença (53.1), publicada em 14-7-2021 (ev. 54), julgando procedente a pretensão punitiva para condenar a acusada como incursa nas sanções do artigo 180, caput, do Código Penal, às penas de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade ou na prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo, e de 10 (dez) dias-multa à razão unitária mínima2. Custas por ela suportadas, suspensa a exigibilidade, e deferido o direito de recorrer em liberdade.

Intimada da sentença pessoalmente (58.1), interpôs recurso de apelação (60.1).

Em suas razões, postula a absolvição por insuficiência probatória, alegando haver dúvida razoável quanto ao dolo inerente ao tipo penal de receptação (67.1).

Recebida (62.1) e contrariada a inconformidade (68.1), vieram os autos a esta Corte, manifestando-se o ilustre Procurador de Justiça, Carlos Roberto Lima Paganella, pelo desprovimento do recurso defensivo (8.1).

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

Conclusos para julgamento.

Breve relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela DEFENSORIA PÚBLICA em favor de JULIANA DA SILVA DE ABREU no qual se insurge da condenação pela prática do crime de receptação às penas de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade pelo tempo de pena aplicada ou prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo, e de 10 (dez) dias-multa à razão unitária mínima.

Busca a absolvição ante a ausência de provas aptas a ensejar a condenação.

Não colhe.

A materialidade e autoria do fato vieram demonstradas por meio dos registros de ocorrência policial (1.1, fls. 03-04 e 25-28), dos autos de entrega (1.1, fl. 30), de arrecadação (1.1, fl. 32), de restituição (1.1, fl. 35), de avaliação (1.1, fl. 48), ofício da operadora Claro (1.1, fls. 22-23), pelo relatório de investigação (1.1, fls. 5152), bem como da prova oral reunida em ambas etapas persecutórias, esta devidamente sintetizada pelo julgador singular, Dr. Rudolf Carlos Reitz, ao que transcrevo trecho da sentença, evitando tautologia:

[...] A ré, em sede policial, valeu-se do direito ao silêncio (Evento 1, Inquérito 1, pag. 41, dos autos relacionados nº 5000022-89.2021.8.21.0029).

Em juízo, contudo, quando do seu interrogatório, JULIANA declarou que em determinada ocasião estava indo ao mercado de cabeça baixa quando avistou no cordão da calçada um telefone celular, dizendo acreditar que se tratava de objeto perdido. Apanhou o aparelho e depois disso retornou para a sua casa e ligou o aparelho para ver se alguém entrava em contato. Como o dono não apareceu, passou a utilizar o celular, colocando um chip. Referiu que posteriormente o aparelho foi apreendido pela polícia em outra ocorrência, na sua casa, quando então soube que se tratava de objeto roubado. Negou ser sabedora de que o aparelho celular era proveniente de ilícito criminal antecedente. Não soube precisar o valor do aparelho, apenas que não era velho.

[...]

O policial militar GILBERTO RODRIGUES FIEDLER, compromissado, deu conta da ocorrência que culminou com a prisão da ré e seu companheiro por tráfico de drogas, e a apreensão do aparelho de celular roubado o qual estava dentro de um roupeiro (Evento 39).

DEMACIR DA CRUZ LISCANO, policial civil, igualmente compromissado, aduziu que nas investigações empreendidas para elucidar o crime de roubo quebrou-se o sigilo telefonico, quando então foi possível chegar na pessoa da ré, dado que havia cadastrado um chip da Claro no aparelho (Evento 39).

[...]

Estes são os elementos colhidos no curso da instrução, cuja análise determina a manutenção da condenação proferida em desfavor da inculpada.

O crime de receptação exige a mera existência de um delito anterior, sendo desnecessária a elucidação da autoria desta conduta antecedente ou, ainda, sentença condenatória. Julio Fabrini Mirabete ressalta que a receptação tem por pressuposto indispensável a prática de um crime anterior, tratando-se, portanto, “de crime acessório ou parasitário”.3

No tocante ao elemento subjetivo exigido pelo art. 180, caput, do Código Penal, a conduta nele prevista é punida exclusivamente a título de dolo, exigindo o conhecimento quanto à procedência espúria do objeto. Trata-se de componente psicológico, a revelar consciência de que o veículo conduzido é produto de crime precedente.

Neste ponto, Luiz Regis Prado4 traz a seguinte contribuição:

O tipo subjetivo está representado pelo dolo, que, no caso, compreende a consciência e vontade de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar a coisa, com pleno conhecimento da sua origem criminosa ou de influir para que terceiro, pessoa de boa-fé adquira, receba ou oculte a coisa, em tal condição. Em face da expressão empregada pelo legislador – que sabe –, o delito só pode ser praticado, no tocante ao caput,...

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