Acórdão nº 50005011920148210097 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoSétima Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50005011920148210097
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001573998
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000501-19.2014.8.21.0097/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora GLAUCIA DIPP DREHER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Flores da Cunha, o Ministério Público denunciou Valdecir B., nascido em 09 de maio de 1969, como incurso nas sanções do art. 217-A c/c art. 226, II, na forma do art. 71, todos do CP, pelos seguintes fatos delituosos:

“Desde data não perfeitamente precisada, mas certamente até o final do ano de 2009, na Rua Doutor Montaury, 1.640, Bairro Aparecida, nesta Cidade, em oportunidades distintas e em continuidade delitiva, o denunciado VALDECIR B. – na condição de padrasto da vítima – teve conjunção carnal e/ou praticou ato libidinoso diverso de conjunção carnal com a vítima LUANA P. O. (suprimi), na época menor de 14 (catorze) anos de idade (nascida em 28 de março de 1997 – Boletim de Ocorrência das fls. 02 e 03) – haja vista que o denunciado, aproveitando-se da ausência de sua companheira e mãe da vítima, levava a menor até o quarto mantinha relações sexuais com ela – sem, contudo, causar-lhe lesões corporais, conforme Auto de Exame de Corpo de Delito / Conjunção Carnal e Ato Libidinoso Diverso de Conjunção Carnal nº 145779/2013 (fl. 09) do Instituto-Geral de Perícias – IGP / Posto Regional Médico-Legal de Caxias do Sul.

Por ocasião dos fatos, o denunciado, que era padrasto da vítima, aproveitando-se de sua tenra idade e, consequentemente, que a mesma não podia oferecer resistência, bem como da ausência da genitora dela na residência, em várias oportunidades distintas, praticou atos libidinosos contra ela. No dia 29 de outubro de 2013 a vítima resolveu relatar os acontecimentos à sua tia, nominada Fernanda P. (suprimi), a qual efetuou o competente registro de ocorrência à autoridade policial civil, sendo tomadas as providências de estilo”.

A denúncia foi recebida em 11 de maio de 2015.

Citado, o réu apresentou resposta à acusação por intermédio de Procurador constituído.

Foram anexados aos autos o Estudo Social e Avaliação psicológica da vítima.

Durante a instrução processual, foram ouvidas a vítima, as testemunhas arroladas pelas partes e, por fim, interrogado o acusado.

Declarada encerrada a instrução, no prazo do art. 402 do CPP, o Ministério público postulou a realização de diligência, a qual foi atendida. Intimada, a defesa nada manifestou. Após, o Ministério Público e a Defesa apresentaram memoriais por escrito.

Sobreveio sentença proferida pela Juíza de Direito, Dra. Simone Ribeiro Chalela, julgando procedente a denúncia para condenar o réu à pena privativa de liberdade de 14 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, por estar incurso nas sanções do art. 217-A, caput, c/c art. 226, inc. II, na forma do art. 71, caput, todos do CP ( fls. 5/18 - ev. 3.4).

Sentença publicada em 11 de novembro de 2019 (fl.18 - ev. 3.4).

Partes intimadas (fls. 18, 19 e 26 - ev. 3.4).

Inconformada, a Defesa técnica interpôs recurso de apelação. Em razões, sustenta, preliminarmente, a inépcia da denúncia. No mérito, aduz que a prova produzida nos autos é insuficiente à manutenção do édito condenatório, motivo pelo qual requer a absolvição do acusado. Alega que o laudo é nulo, porque elaborado por profissional incompetente e que não tem habilidade e formação necessárias. Invoca o princípio do in dubio pro reo, com a consequente absolvição. E caso mantida a condenação, requer a modificação da dosimetria da pena, conforme legislação anterior à Lei 12.015, em decorrência da irretroatividade da lei penal prejudicial ao réu.

Foram apresentadas as contrarrazões pelo Ministério Público.

Os autos físicos foram digitalizados.

Subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos por sorteio. Nesta instância o Ministério Público exarou parecer, através da Procuradora de Justiça, Dra. Berenice Feijó de Oliveira, opinando conhecimento do recurso, rejeição da preliminar e desprovimento do apelo defensivo.

Vieram os autos digitalizados aptos para julgamento.

A defesa apresentou memoriais.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo defensivo.

Preliminar de inépcia da denúncia

Com efeito, em que pese a descrição do fato delituoso no caso dos autos não seja amplamente minuciosa, precisando o dia exato de ocorrência da conduta, a situa satisfatoriamente em tempo e espaço, além de narrar o constrangimento sofrido pela vítima, criança que sofreu abusos sexuais até o final do ano de 2009, e que certamente não teria condições de precisar especificamente o dia e hora do ocorrido, até porque os fatos se deram em várias oportunidades, ao longo dos anos, de forma continuada.

Assim, entendo que não há prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório à defesa do acusado, restando suficientemente preenchidos os requisitos do art. 41 do CPP, uma vez que a denúncia contém a exposição clara dos fatos criminosos e de todas as circunstâncias apuradas, fornece a qualificação completa do acusado, aponta a classificação legal dos fatos e arrola a vítima e testemunhas.

Nesse sentido, a jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPROS DE VULNERÁVEL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. As denúncias descrevem fatos que caracterizam atos libidinosos diversos da conjunção carnal praticados contra as vítimas, duas crianças, e se ajustam ao art. 217-A do Código Penal. Nenhuma criança em tenra idade conseguiria apresentar descrição de eventos traumáticos como esses em julgamento, apontando o dia e o horário exatos nos quais ocorreram. A exigência da defesa, deste modo, inviabilizaria o processo e a apuração da responsabilidade penal do acusado. De qualquer forma, a ausência destes detalhes pode ser superada por outros, a serem retirados dos depoimentos no decorrer do processo. Preliminar rejeitada. (...) PRELIMINARES REJEITADAS. APELO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Crime Nº 70058672684, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 17/07/2014). (Suprimi e Grifei)

HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ESTUPRO - ART. 213, § 1º, CP (VÍTIMA CONTAVA COM 14 ANOS). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO PRECISA DA DATA DOS FATOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ILEGALIDADE. EXORDIAL QUE INDICA DATA APROXIMADA DA CONDUTA CRIMINOSA. ART. 41 DO CPP OBSERVADO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO GARANTIDOS. HABEAS COUS NÃO CONHECIDO.

I – (...)

II - Nos termos do art. 41 do CPP, a denúncia conterá a "exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

III - Caso em que a exordial acusatória bem observou o mandamento legal, descrevendo fato típico, em tese, bem assim a data aproximada em que ocorreu, qual seja, "final do ano de 2009", possibilitando ao paciente a ampla defesa em relação ao fato tipificado no art. 213, § 1º, do CP (estupro) e não em relação ao tipo vigente antes da alteração determinada pela Lei n. 12.015, de 7/8/2009 (atentado violendo ao pudor).

IV - Não se vislumbra a alegada inépcia da denúncia, de modo que não há falar em trancamento da ação penal. Habeas corpus não conhecido. (HC 417.417/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 21/03/2018). (Suprimi e Grifei)

PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS COUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. ESPECIFICAÇÃO DATA DOS FATOS. DESNECESSIDADE. QUESTÃO A SER DIRIMIDA NO CURSO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECURSO EM HABEAS COUS IMPROVIDO.

1. (...)

2. É afastada a inépcia quando a denúncia descreve o fato tido por criminoso e as circunstâncias em que o delito teria ocorrido, bem indicando a conduta imputada ao acusado, permitindo, assim, sua plena defesa, em conformidade com o art. 41 do CPP.

3. A falta de especificação da data dos fatos não altera a conduta típica e não impede a defesa do acusado, especialmente quando se constata que indicou a denúncia que os fatos teriam ocorrido até janeiro de 2013, assim delimitando concretamente a acusação penal e indicando que até os oito anos da vítima teria o réu, por diversas vezes, mantido com sua enteada a prática de atos libidinosos e de conjunção carnal.

4. Recurso em habeas corpus improvido. (RHC 58.674/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 30/06/2016, DJe 01/08/2016). (Suprimi e Grifei)

Afasta, pois, a preliminar de inépcia da denúncia.

Mérito

VALDECIR B., foi condenado à pena privativa de liberdade de 14 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, por estar incurso nas sanções do art. 217-A, caput, c/c art. 226, inc. II, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal.

Diversamente do que sustenta a defesa, a materialidade e autoria delitiva restaram suficiente demonstradas nos autos, por meio do boletim de ocorrência policial, termos de declarações, estudo social, avaliação psicológica, bem como pela prova oral colhida no curso da instrução processual.

A fim de evitar desnecessária tautologia, reproduzo os termos da sentença no que diz respeito à prova oral produzida em juízo:

A vítima Luana, ouvida em audiência afirmou que:

Fernanda, tia da vítima:

Pois bem.

Ao contrário do alegado pela defesa, a prova existente nos autos é suficiente para a condenação do acusado, pois plenamente demonstrada a materialidade do crime de estupro de vulnerável e a autoria na pessoa do réu.

Em casos como o dos autos, em que o crime é cometido na...

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