Acórdão nº 50005079020198210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005079020198210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001933064
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000507-90.2019.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: MILENE CHERLI MALLMANN DE MOURA (AUTOR)

APELANTE: UNIMED VALE DOS SINOS LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

MILENE CHERLI MALLMANN DE MOURA ajuizou ação de obrigação de fazer em face de UNIMED VALE DOS SINOS LTDA. Alegou que foi hospitalizada junto ao hospital da parte ré, administradora de plano de saúde do qual é beneficiária, em razão de cisto no ovário. Disse necessitar de cirurgia de urgência/emergência para o tratamento da lesão, o que lhe foi negado pela parte ré, porque não exaurido o período de carência. Sustentou que a negativa foi indevida, tecendo considerações sobre os danos morais suportados. Discorreu sobre o direito que entende aplicável ao caso. Postulou pela procedência da ação, com a condenação da requerida a cobertura do procedimento cirúrgico e danos morais.

Sobreveio sentença que julgou procedente a ação, para o fim de condenar a parte ré ao pagamento do procedimento cirúrgico postulado, bem ao pagamento de R$ 10.000,00 (...) à parte autora, a título de danos morais, corrigido pelo IGP-M, desde a data da sentença, e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês. Condenou a parte ré a arcar com as despesas processuais arbitrando os honorários dos patronos da parte autora em 15% do valor da condenação, de acordo com o disposto no § 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015.

As partes apelaram.

A requerida, em suas razões, postula a reforma da sentença, alegando que não restou comprovado nos autos, a urgência/emergência necessária para que o período de carência de 180 dias para procedimentos e internações clínicas fosse desconsiderado. Alega inexistência de abalo moral indenizável, eis que não houve ato ilícito. Postula, alternativamente a minoração do valor da condenação.

A parte autora, postula a reforma da sentença no tocante ao valor da condenação por danos morais, postulando a majoração do valor fixado.

As partes apresentaram contrarrazões (eventos 169 e 1710).

Os autos vieram-me conclusos em 01/02/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de obrigação de fazer, através da qual a parte autora postula a condenação da requerida ao pagamento do procedimento cirúrgico para retirada de cisto no ovário e danos morais, julgada procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso de apelação.

Ab initio, sinalo que o caso em testilha deve ser apreciado a luz do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de consumo, consoante traduz o artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, in litteris:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Sendo assim, é inocultável a incidência e regulação do Código de Defesa do Consumidor, em vista de que se trata de típico contrato de adesão, sendo manifesta a fragilização do pacta sunt servanda, uma vez que o contrato, embora bilateral, resultou em margem mínima de discutibilidade por parte do aderente, utente do crédito e, nessa condição, inferiorizado contratualmente.

Logo, possível é a adequação dos contratos de seguro aos ditames legais, de modo a viabilizar inclusive, se for o caso, a decretação da nulidade pleno iure das cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (artigo 6º, inciso V, c/c artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor).

A questão, de outro lado, resta pacificada e cristalizada no enunciado sumular nº 608, verbis:

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”

Nesse sentido são os precedentes jurisprudenciais desta Egrégia Corte, expressis verbis:

Apelação cível. Seguros. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por dano moral. Plano de saúde. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Inteligência da Súmula 469 do STJ. Paciente com câncer. Tratamento fora da internação hospitalar. Negativa de cobertura. Deve prevalecer a previsão de cobertura para a patologia em questão e não local onde o tratamento é ministrado. Dano moral. Inocorrência. A operadora de plano de saúde não pratica ato ilícito gerador de dano moral, por si só, ao negar a cobertura de determinado procedimento, baseada em cláusula, segundo sua interpretação contratual. Danos morais não comprovados. Apelo parcialmente provido e recurso adesivo prejudicado. (Apelação Cível Nº 70074915190, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 28/09/2017)

Apelação cível. Seguros. Plano de saúde. Ação revisional. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Inteligência da Súmula 469 do STJ. Prescrição. Tratando-se de prestações de trato sucessivo e de contrato em curso não há prescrição do fundo de direito. Relativamente ao pedido de restituição de valores eventualmente pagos a maior o prazo prescricional é trienal. Pretensão de ressarcimento. Inteligência do art. 206, § 3º, inc. IV do CC/2002. Tese firmada no julgamento do REsp 1360969/RS, Tema 610, aprovada pelo STJ, na forma dos Recursos Repetitivos. Reajustes anuais. Ausência de abusividade. Os contratos de plano de saúde coletivos não estão limitados aos índices de reajuste autorizados pela ANS para os planos de saúde individuais e familiares. Livre pactuação entre as parte contratantes. Reajuste por mudança de faixa etária. A previsão de reajuste de mensalidade de plano de saúde em virtude de mudança de faixa etária, por si só, não é abusiva. Necessidade de aferição no caso concreto. Autora beneficiária de plano de saúde não regulamentado. Possibilidade de reajustamento no caso concreto. Percentual aplicado que carece de limitação, pois verificada demasiada majoração da mensalidade. Limitação ao percentual de 30%. Dever de restituição. Os valores pagos a maior devem ser restituídos sob pena de enriquecimento indevido da operadora do plano de saúde, na forma simples, pois não caracterizada a má-fé. Apelo da ré parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70063860035, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elisa Carpim Corrêa, Julgado em 15/12/2016)

Acrescente-se, ainda, ser um direito básico do consumidor a informação clara e adequada sobre os produtos e serviços disponibilizados no mercado pelos fornecedores. Nesse sentido, preceitua o artigo 6º, inciso III, do Estatuto Consumerista, in verbis:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

(...)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)

Ora, consabido que as restrições de direito devem ser expressas, legíveis, claras, sem margem para dúvidas, não podendo ser interpretadas extensivamente em prejuízo do consumidor/contratante, mormente em se tratando do contrato que objetiva a prestação de serviços ligados a saúde das pessoas.

Dessa feita, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, nos termos do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse diapasão, é o entendimento do Egrégio STJ, ipsis litteris:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. TRANSTORNO MENTAL. DEPRESSÃO. TRATAMENTO PSICOTERÁPICO. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE CONSULTAS. ABUSIVIDADE. FATOR RESTRITIVO SEVERO. INTERRUPÇÃO ABRUPTA DE TERAPIA. CDC. INCIDÊNCIA. PRINCÍPIOS DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NA SAÚDE SUPLEMENTAR. VIOLAÇÃO. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. CUSTEIO INTEGRAL. QUANTIDADE MÍNIMA. SESSÕES EXCEDENTES. APLICAÇÃO DE COPARTICIPAÇÃO. INTERNAÇÃO EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA. ANALOGIA.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva cláusula contratual de plano de saúde que limita a cobertura de tratamento psicoterápico a 12 (doze) sessões anuais.

2. Conforme prevê o art. 35-G da Lei nº 9.656/1998, a legislação consumerista incide subsidiariamente nos planos de saúde, devendo ambos os instrumentos normativos incidir de forma harmônica nesses contratos relacionais, sobretudo porque lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida. Incidência da Súmula nº 469/STJ.

3. Com o advento da Lei nº 9.656/1998, as doenças mentais passaram a ter cobertura obrigatória nos planos de saúde. Necessidade, ademais, de articulação dos modelos assistenciais público, privado e suplementar na área da Saúde Mental, especialmente após a edição da Lei nº 10.216/2001, a qual promoveu a reforma psiquiátrica no Brasil e instituiu os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.

4. Para os distúrbios depressivos, a RN ANS nº 338/2013 estabeleceu a cobertura mínima obrigatória de 12 (doze) sessões de psicoterapia por ano de contrato. Posteriormente, a RN ANS nº 387/2015 majorou o número de...

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