Acórdão nº 50005117220158210018 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 25-05-2022

Data de Julgamento25 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005117220158210018
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002163756
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000511-72.2015.8.21.0018/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: GILMAR GOTARDO (AUTOR)

APELADO: UNIMED VALE DO CAI - SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Gilmar Gotardo e por Unimed Vale do Caí - Sociedade Cooperativa de Serviços de Saúde Ltda. contra a sentença que, nos autos da Ação de Cobrança ajuizada pelo primeiro apelante contra a segunda, julgou a demanda nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida por GILMAR GOTARDO em face de UNIMED VALE DO CAÍ RS, com base no art. 487, inc. I, do CPC para:

a) condenar a ré reembolsar o autor pelos valores da aquisição dos medicamentos, no montante total de R$ 23.716,45 (vinte e três mil, setecentos e dezesseis reais e quarenta e cinco centavos), corrigidos monetariamente pelo IGP-M, a contar de cada desembolso, e acrescidos de juros de 1% ao mês, incidentes desde a citação;

b) condenar a ré a indenizar a autora pelos danos morais sofridos, no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde a presente data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, incidentes desde a citação.

Sucumbente, condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais e do valor dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, os quais arbitro em 14% sobre o valor da condenação, em observância ao disposto no art. 85, § 2º, do CPC, considerando o trabalho de desenvolvido, a importância da causa, assim como o tempo de tramitação da ação (desde 10/2015).

A apelação da ré sustenta que foi legítima a negativa de cobertura do medicamento em questão, eis que as indicações terapêuticas aprovadas pela ANVISA para o medicamento em questão não incluem a patologia que acomete o autor, configurando essa indicação como off label. Assevera que o fármaco também não está incluído do rol da ANS. Defende o afastamento da condenação da operadora a ressarcir os supostos danos morais sofridos pelo demandante.

Requer o provimento do apelo (Evento 3, PROCJUDIC5, fls. 47/18 dos autos originários).

A apelação do autor alega que deve ser majorado o valor arbitrado a título de danos morais. Defende também a majoração do montante arbitrado a título de honorários advocatícios ao patrono do demandante.

Requer o provimento do apelo (Evento 3, PROCJUDIC8, fls. 12/19 dos autos originários).

Intimadas, as partes autora apresentou as contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC8, fls. 20/34 e 37/50 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos. O preparo da apelação da ré foi devidamente comprovado no Evento 3, PROCJUDIC8, fl. 11, enquanto que o autor está dispensado em virtude do benefício da justiça gratuita deferido na origem.

As insurgências serão analisadas conjuntamente.

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médicos-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, a parte autora pretende ver reconhecida a obrigação da operadora do plano de saúde em cobrir os custos para a realização do tratamento com o medicamento Mabthera (Rituximabe), bem como ressarcir os danos morais alegadamente suportados.

Conforme o relatório médico do Evento 3, PROCJUDIC2, fl. 04 dos autos originários, o autor foi diagnosticado com IgG 4 com comprometimento pulmonar com doença intersticial associada, necessitando realizar tratamento com o medicamento Rituximabe, com o qual já apresentou melhora dos sintomas e das lesões pulmonares.

A requerida negou a cobertura para a aludida medicação, sob a alegação de que o uso deste para a doença que acomete o autor é considerado off label.

Entretanto, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na relação, o consumidor. O que a Lei nº 9.656/98 fez foi consolidar o que já era considerado abusivo. O espírito do intérprete deve ser guiado pelo art. 7º, do CDC, que autoriza a aplicação de lei e tratados que visem dar ao consumidor maior proteção.

De outro lado, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente, ainda que não haja previsão em Rol da ANS, que é meramente exemplificativo, ou não atendida eventual diretriz de utilização.

Nesse sentido, mutatis mutandis, a recente jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. ROL DA ANS. EXEMPLIFICATIVO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. O rol de procedimentos da ANS tem caráter meramente exemplificativo, sendo abusiva a negativa da cobertura pelo plano de saúde do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1882735/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 12/02/2021);

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE.TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SESSÕES. IMPOSSIBILIDADE. ROL DA ANS EXEMPLIFICATIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA Nº 568 DO STJ. COPARTICIPAÇÃO ADMITIDA EM TESE, MAS QUE NÃO PODE SER EXAMINADA NO CASO CONCRETO POR INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA Nº 284 DO STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. A jurisprudência desta Corte entende abusiva a cláusula contratual ou o ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de terapia por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol...

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