Acórdão nº 50005143120188210112 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005143120188210112
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001901211
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000514-31.2018.8.21.0112/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATORA: Desembargadora MATILDE CHABAR MAIA

APELANTE: RIO GRANDE ENERGIA SA (RÉU)

APELADO: GILMAR LUIS GOBBI (AUTOR)

RELATÓRIO

RIO GRANDE ENERGIA S.A interpõe recurso de apelação em face da sentença (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 3-7, autos originários) que julgou procedente a demanda que lhe move GILMAR LUIS GOBBI, nos seguintes termos:

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados, para DECLARAR a inexistência de débito de recuperação de consumo de responsabilidade da parte autora (PN 800529014, Código da UC: 3085010088, com endereço na Rua Alberto Pasqualini, 969, Centro, CEP 99470-000, Não-Me-Toque), referente ao consumo do período de 01/2015 a 04/2018, tornando definitiva a liminar deferida na fls. 27/28; bem como para CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais ao autor, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
O valor relativo aos danos morais deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde o arbitramento, em consonância com o que dispõe a Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, nos termos do artigo 406 do Código Civil c/c artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, a contar do ato ilícito (10/10/2018 – fl. 24), nos termos da Súmula n.º 54, também do Superior Tribunal de Justiça.

Pela sucumbência, considerando que o autor decaiu de parte mínima do pedido, visto que afastado apenas o pedido de repetição do indébito, nos termos do artigo 21, parágrafo único do CPC, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono da parte autora, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, o que faço com base no que dispõe o artigo 85 §2º do Código de Processo Civil de 2015, considerando o trabalho realizado pelo profissional, a importância da causa e a ausência de instrução.

Em suas razões (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 10-37, autos originários), sustenta que os atos praticados pelas empresas concessionárias prestadoras de serviço público gozam de presunção de legitimidade e legalidade. Alega que incumbia ao autor a comprovação de fato constitutivo do seu direito, o que não restou demonstrado.

Diz estar evidenciada a ocorrência da irregularidade no medidor instalado na unidade consumidora do autor. Afirma que o cálculo de recuperação de consumo foi elaborado com base na Resolução da ANEEL nº 414/2010. Sustenta que o consumidor é responsável pelo equipamento.

Nega que tenha ocorrido dano moral indenizável, tampouco falha na prestação do serviço. Enfatiza serem insubsistentes os fundamentos para a condenação da ré, eis que a parte autora não apresenta, e nem tem condições para tanto, prova alguma dos danos que diz haver sofrido. Subsidiariamente, pugna pela minoração do quantum indenizatório arbitrado. Defende que os juros moratórios são devidos a contar da citação. Requer o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 46-49, autos originários).

Nesta instância, o Ministério Público declinou de intervir (evento 7).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

A unidade consumidora do autor - UC nº 800529014 - foi vistoriada pelos técnicos da concessionária em 2/5/2018, quando constatado que a tampa de borne do medidor estava sem lacres, conforme Termo de Ocorrência de Irregularidade nº 738762742 (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 5, autos de origem).

Posteriormente, a concessionária informou ao demandante a existência de débito no valor de R$ 4.475,57 referente à recuperação de consumo do período de 05/2015 a 04/2018, levando em consideração a média do 3 maiores consumos ocorridos nos 12 meses anteriores à irregularidade, conforme art. 130, III, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 17-18, autos de origem).

Conforme jurisprudência firmada na Corte Superior, a relação estabelecida entre o usuário dos serviços públicos e a concessionária é consumeirista, incidindo, portanto, as regras fixadas pelo Código de Defesa do Consumidor. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CDC. VIOLAÇÃO DO HIDRÔMETRO NÃO COMPROVADA. PRETENSÃO DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. "A jurisprudência desta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que a relação entre concessionária de serviço público e o usuário final, para o fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor" (AgRg no AREsp 354.991/RJ, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 11/09/2013).
2. O Tribunal a quo entendeu que não houve violação no hidrômetro. Para afastar a conclusão adotada pelas instâncias ordinárias, necessária seria a incursão no conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável ao Superior Tribunal de Justiça, diante do óbice contido no verbete sumular 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 372.327/RJ, Rel.
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 18/06/2014) [grifei]

Assim, observada a regra do art. 6º, inciso VIII, do CDC1, possível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, hipossuficiente em relação à concessionária, que dispõe de meios técnicos para comprovar suas alegações.

Neste cenário, mister reconhecer que, na hipótese versada, a concessionária não se desincumbiu de seu ônus probatório relativamente ao proveito econômico derivado da irregularidade no sistema de fornecimento de energia elétrica.

Cumpre ressaltar que a concessionária não trouxe aos autos histórico de consumo ou extrato de faturas posteriores à troca do medidor efetuada em 2/5/2018. As únicas informações relativas ao consumo posterior à suposta irregularidade decorrem das faturas trazidas pelo autor com a inicial (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 22-33, autos de origem), que demonstram o consumo de 77kWh em maio/2018, 96kWh em junho/2018 e 78kWh em julho/2018 (média de 83,66kWh).

Tais valores não destoam daqueles registrados nos 3 meses imediatamente anteriores à troca do medidor, quando existente a suposta irregularidade: 75kWh em abril/2018, 114kWh em março/2018 e 95kWh em fevereiro/2018 (média de 94,66kWh).

O mesmo ocorre se comparados aos meses de outono/inverno do ano anterior, que estariam abarcados na suposta irregularidade: 99kWh em maio/2017, 75kWh em junho/2017 e 73kWh em julho/2017 (média de 82,33kWh).

Pois bem, ainda que efetivamente os lacres do medidor estivessem violados quando da vistoria realizada pelos técnicos da demandada, a mera apuração de fraude na ligação de energia não basta para fins de cobrança de recuperação de consumo, que depende do efetivo proveito econômico do consumidor.

No caso, embora o medidor apresentasse sinais de manipulação, a prova dos autos não demonstra tenha havido redução drástica de consumo de energia elétrica durante o período tido por irregular.

À concessionária cabia comprovar que, após findo o período de irregularidade, houve aumento considerável de consumo na unidade consumidora, a demonstrar, assim, que eventual irregularidade deu ensejo ao efetivo consumo não faturado.

No caso concreto, tal fato não restou comprovado nos autos, tendo em vista que, conforme já referido, finda a irregularidade, não houve aumento no consumo médio da unidade consumidora, pelo contrário, houve redução na média mensal.

A ausência de prova de substancial aumento no registro do consumo de energia elétrica enfraquece a versão da Concessionária de que houve proveito econômico, essencial para a caracterização do dever de indenizar.

Assim, não há prova bastante de que a irregularidade apontada pela concessionária reverteu em proveito econômico ao consumidor, considerando-se o regramento contido no art. 6º, VIII, do CDC, inviabilizando a cobrança de valores a título de recuperação de consumo. A propósito, ilustro:

AGRAVO INTERNO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA FRAUDE. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NÃO CONFIGURADOS.
1. A constatação de irregularidades no medidor autoriza a concessionária à constituição de débito pelo método de recuperação de consumo não medido junto ao usuário-consumidor.
2. A relação existente entre as partes é regulada pelo CDC, de modo que é crível sustentar o ônus da parte ré de comprovar o alegado. Também o seria pela aplicação do art. 333, inc. II, do CPC. Portanto, a comprovação da apropriação indevida de energia elétrica cabe à concessionária, por meio da demonstração de alteração significativa no consumo durante o período apontado como irregular, sem explicação plausível.
3. Mesmo sendo desnecessária a comprovação da autoria da fraude no medidor, para o cabimento da recuperação de consumo é preciso a existência de prova acerca da variação do consumo antes e depois da troca do aparelho. Na situação, o documento (Extrato de Consumo da unidade consumidora da autora) anexado aos autos e elaborado pela própria ré revela que não houve aumento significativo de consumo após a constatação da irregularidade.
4. Pela prova produzida nos autos, não há como afirmar que houve modificação no padrão de consumo na unidade consumidora de responsabilidade da autora, impondo-se a procedência da ação para reconhecer a inexigibilidade do débito.
5. Ausência de comprovação de ato ilícito atribuível à concessionária capaz de gerar danos extrapatrimoniais.
6. A parte, nas razões de agravo, não trouxe...

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