Acórdão nº 50005158220208210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005158220208210035
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003239250
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000515-82.2020.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: NERI GONCALVES (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por NERI GONCALVES em face da sentença proferida nos autos da ação em que litiga com BANCO BMG S.A, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

NERI GONCALVES ajuizou ação declaratória em face de BANCO BMG S.A. Disse ter percebido a existência de descontos em seu benefício previdenciário a título de um suposto cartão de crédito consignado, serviço que desconhece. Referiu que são descontadas parcelas de R$ 63,72 de seus proventos e que sua margem consignável encontra-se comprometida. No mais, teceu comentários acerca da matéria de direito que entende aplicável à espécie e sustentou a ocorrência de abalo moral. Requereu, ao final, a concessão de tutela antecipada para suspender os descontos em seu benefício. No mérito, postulou fosse declarado nulo o contrato de empréstimo consignado de nº 14813398, condenando-se a parte ré à devolução, em dobro, dos valores indevidamente descontados bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. Pleiteou a concessão da gratuidade de justiça e acostou documentos. Recebida a inicial, foi deferida a benesse judiciária, indeferida a tutela antecipada e determinada a remessa dos autos ao CEJUSC (evento 3, DESPADEC1).

Na sequência, o réu veio aos autos voluntariamente apresentar contestação (evento 7, PET2). Referiu que o autor efetivamente aderiu ao serviço de cartão de crédito consignado e utilizou o limite de saque que lhe foi disponibilizado. Aduziu que o serviço permite o desconto do valor mínimo da fatura de seu benefício previdenciário e não se confunde com empréstimo consignado. Salientou que o autor ainda utilizou o cartão para compras em estabelecimentos distintos, mas que jamais efetuou o pagamento das faturas. No mais, discorreu acerca da legalidade da contratação e teceu comentários sobre as peculiaridades do serviço. Ainda, rebateu a tese de abalo moral e material. Requereu, ao final, a improcedência dos pedidos autorais e juntou documentos.

Designada audiência (evento 13, DESPADEC1), o réu veio aos autos informar seu desinteresse (evento 23, PET1), pelo que a solenidade foi cancelada (evento 26, DESPADEC1). Adiante, houve réplica (evento 33, RÉPLICA1). As partes foram instadas acerca do interesse na produção de provas evento 35, DESPADEC1), oportunidade em que o autor postulou esclarecimentos do réu (evento 41, PET1, evento 49, PET1, evento 59, PET1 e evento 68, PET1), que foram prestados (evento 46, PET1, evento 56, PET1, evento 65, PET1 e evento 73, PET1). O julgamento foi convertido em diligência para que o réu trouxesse aos autos documentos adicionais (evento 80, DESPADEC1), o que foi atendido pela parte (evento 83). Vieram os autos.

É o relatório. Decido.

[...]

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por NERI GONCALVES em face de BANCO BMG S.A. Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do procurador que representa a parte ré, verba que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade do ônus sucumbencial, contudo, pois a parte litiga sob o abrigo da gratuidade de justiça (evento 3, DESPADEC1).

Em suas razões (evento 98, APELAÇÃO1), a parte autora defende a necessidade de reforma da sentença. Refere, em síntese, que jamais solicitou qualquer cartão de crédito. Destaca que nunca sacou nenhum valor e que as quantias foram, na verdade, transferidas pelo réu para a conta do autor. Requer o provimento do recurso, a fim de ser declarada a nulidade da contratação, com restituição em dobro dos valores descontados indevidamente e reparação do dano moral que lhe foi ocasionado.

Apresentadas contrarrazões (evento 101, CONTRAZ1), o processo veio concluso a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente consigno que, diante do entendimento majoritário desta 23ª Câmara Cível1 no sentido de que a suspensão determinada no IRDR 700846505892 somente atinge os processos que se encontram no primeiro grau, possível o julgamento do presente recurso.

Preenchidos os requisitos legais, conheço da irresignação.

Consoante se verifica da petição inicial dos autos de origem, a parte autora se insurge quanto ao desconto de valores a título de "RMC" em seu benefício previdenciário.

A efetiva existência dos descontos impugnados, por sua vez, é fato incontroverso nos autos, tendo sido admitida pelo banco réu em sua defesa (evento 7, PET2). Outrossim, a instituição financeira defende que o contrato foi realizado de forma livre e espontânea afirmando, ademais, que a cobrança em discussão neste feito decorre de sua adesão expressa ao serviço de cartão de crédito. A questão controvertida diz respeito, em suma, ao reconhecimento da existência, ou não, de vício de vontade e falha no dever de informação quando da contratação, pela parte aderente, de cartão de crédito com margem consignável.

Nesse contexto, e sem que se olvide a argumentação deduzida pela parte ré, a existência de termo de adesão a cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha devidamente firmado (evento 7, CONTR1), tenho por comprovada a ocorrência de vício de consentimento e violação aos direitos básicos do consumidor idoso e hipossuficiente, hábeis a embasar o decreto de procedência do pedido inicial. Digo isso, pois, a análise das faturas trazidas aos autos pela ré confere verossimilhança à alegação da parte autora. De referidos documentos (evento 7, OUT4) claramente se percebe que, para além do saque fracionado do limite total de crédito disponibilizado ao consumidor, nenhuma outra movimentação ou compra fora realizada. Havendo, portanto, plausibilidade na tese inicial de que a parte autora realmente desconhecia a contratação de um cartão de crédito em seu nome.

Por outro lado, tenho por relevante ressaltar que nada veio aos autos que pudesse atestar a efetiva observância, pelo banco réu, do dever de informação, previsto pelo artigo 6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, quando da contratação. Inexistindo, portanto, como se afirmar que, anteriormente à assinatura do pacto, foram, adequada e suficientemente, informadas ao aderente todas as condições da negociação e viabilizada, por consequência, sua livre e orientada manifestação de vontade, requisito de validade imprescindível à formação de qualquer negócio jurídico. Ônus – que, a par das disposições da legislação consumerista incidentes à espécie e, em especial, da inversão do ônus da prova ora aplicável em razão da verossimilhança das alegações da parte hipossuficiente – não logrou êxito em se desincumbir.

Assim, a par de todas estas considerações, tenho por evidente que o autor foi induzido a erro e nele mantido, já que aderiu a um pacto de cartão de crédito quando acreditava estar contratando um empréstimo com o desconto de parcelas mensais em seu benefício previdenciário. Outrossim, dada a natureza da operação e o caráter excepcional dos juros aplicados, este pagamento mínimo acordado (RMC) jamais permitiria a quitação desse contrato. Justamente porque, mensalmente, o saldo devedor estava sendo refinanciado e acrescidos de encargos rotativos. O que, muito em breve – e acaso não ajuizada a ação – certamente levaria a autora a se valer, novamente, dos serviços do réu.

A anulação da contratação objeto deste feito é, portanto, uma medida que se impõe.

Relativamente às consequências da anulação do negócio jurídico em apreço, entendo possível seja aproveitado, mantida a essência inicialmente buscada pela parte consumidora (crédito pessoal consignado em folha de pagamento junto ao INSS). Dessa forma, necessária a conversão da obrigação de cartão de crédito, ora em análise, para um contrato de crédito pessoal consignado cujo cômputo do valor final devido e das parcelas mensais a serem descontadas deverá observar a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central do Brasil, no período das respectivas disponibilização de valores/saques (séries temporais 20746 e 25468 do BACEN). Com base em tais parâmetros, deverá ser procedido o recálculo do débito, cômputo que, registre-se, poderá ser realizado, de forma ágil e simplificada, pela própria parte interessada, através da ferramenta eletrônica disponibilizada3 pelo Banco Central do Brasil e em observância as diretrizes ora estabelecidas.

Relativamente à repetição de valores, necessário registrar que, muito embora, já tenha me manifestado pela aplicação na sua forma simples, melhor refletindo sobre o tema e a fim de me adequar a posição alcançada por esta 23ª Câmara Cível, passei a entender que deve se dar na forma dobrada, pois a comprovação de que o engano é justificável é ônus da instituição financeira, do qual não se desincumbiu. E, conforme o Código de Defesa do Consumidor, o consumidor cobrado em quantia indevida faz jus à repetição em dobro do indébito, exceto se ocorrer engano justificável4. Destaco também, que a situação em testilha é reiteradamente objeto de análise por esta Corte, não se verificando ao passar dos anos qualquer alteração na conduta das instituições financeiras que tem por prática regular o tipo de negócio aqui debatido, corroborando a tese de ausência de engano justificável. Colaciono precedentes desta Câmara que corroboram o entendimento acima esposado em todos os seus pontos:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM...

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