Acórdão nº 50005239220168210134 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50005239220168210134
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001657576
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000523-92.2016.8.21.0134/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: FELIPE DALBERTO (OAB RS104976)

ADVOGADO: GUILHERME MAIERON (OAB RS092094)

ADVOGADO: LUIZ FRANCISCO LAZZARI FILHO (OAB RS009673)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra JOSÉ ALMERI DE MORAIS, com 57 anos de idade na data do fato, dando-o como incurso nas sanções do artigo 147 do Código Penal, na forma da Lei n° 11.340/06, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 12 de dezembro de 2015, por volta das 22h, o denunciado JOSE ALMERI DE MORAES ameaçou, por palavras, de causar mal injusto e grave à vítima, ZOLITA CARNIEL DE MORAIS, sua esposa.

Na oportunidade, por razões não esclarecidas no presente expediente investigatório, o denunciado JOSE ALMERI DE MORAES chegou em sua residência embriagado, oportunidade em que ameaçou a vítima de morte, dizendo: "vou te matar", "tu não come mais aqui, vagabunda, ladrona".

A denúncia foi recebida em 08 de agosto de 2016 (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 29).

O acusado foi citado pessoalmente e apresentou resposta à acusação através de defensor constituído (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 38-42).

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença da lavra do Juiz de Direito, Dr. Cristiano Eduardo Meincke, de procedência do pedido formulado na denúncia, a fim de condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 147 do Código Penal, à pena de 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção, em regime aberto, concedido o sursis (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 29-34).

A sentença foi presumidamente publicada em 04 de junho de 2019 (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 34).

O réu interpôs recurso de apelação. Em razões, arguiu, preliminarmente, prescrição da pretensão punitiva em razão do transcurso de tempo. No mérito, sustentou que as provas carreadas no processo não são suficientes para embasar um decreto condenatório. Postulou o reconhecimento da preliminar arguida ou, subsidiariamente, a sua absolvição (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 37-43).

Recebido o recurso (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 47), o Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 49 e evento 3, PROCJUDIC4, fls. 01-04) e os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Eduardo Bernstein Iriart, opinou pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento (evento 9, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Conheço do recurso uma vez que adequado e tempestivo.

Inicialmente, afasto a alegação da prescrição da pretensão punitiva.

Isso porque, a sentença aplicou ao acusado a pena de 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção, pelo delito previsto no artigo 147 do Código Penal. E na hipótese em julgamento, o fato prescreve em 03 (três) anos, a teor do artigo 109, inciso VI, do Código Penal, lapso temporal que não transcorreu por inteiro entre a data do recebimento da denúncia (08.08.2016) e a publicação presumida da sentença (04.06.2019).

Destarte, não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição.

No mérito, adianto que deve ser confirmada a sentença condenatória, de lavra do Juiz de Direito, Dr. Cristiano Eduardo Meincke, uma vez que devidamente fundamentada com base nos elementos de decisão constantes dos autos, não comportando reforma.

Com efeito, a tese defensiva absolutória não merece acolhida, uma vez que a prática do crime descrito na denúncia restou sobejamente demonstrada nos autos.

A materialidade e a autoria delitivas restaram evidenciadas pelo registro do boletim de ocorrência nº 3277/2015 (fls.06-07, evento 3, PROCJUDIC1), pelo termo de declaração da vítima (fl. 04, evento 3, PROCJUDIC1), bem como pela prova oral carreada aos autos.

Acerca da prova oral produzida na instrução processual, colaciono, no que importa, trecho da sentença, que bem sintetizou e analisou a prova colhida:

"O réu JOSÉ ALMERI DE MORAIS declarou que não proferiu as ameaças contra a ofendida, informou que o seu casamento sempre foi perturbado, sendo que discutiam com frequência.

A vítima ZOLITA CARNIEL DE MORAIS afirmou que sempre que seu ex-companheiro chegava em casa embriagado dizia que "iria acabar comigo". Informou que quando o acusado está embriagado "ninguém consegue segurá-lo nem dez pessoas". Mencionou que sempre fugia para evitar conflitos.

Percebo, pois, pelos depoimentos acima transcritos, que o denunciado ameaçou a vítima Zolita Carniel, por palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, conduta que caracteriza os exatos termos do art. 147 do CP, restando evidenciada a vontade livre e consciente do réu de praticar o delito, impondo-se a condenação.

Assim, tenho ser a palavra da vítima, no presente caso, verdadeira, considerando-a segura o suficiente para fins de caracterizar o delito de ameaça, especialmente porque se revela clara e coerente".

Destarte, os elementos probatórios contidos nos autos denotam, sem qualquer dúvida, que o acusado ameaçou sua companheira Zolita, de causar-lhe mal injusto e grave.

Com efeito, a vítima Zolita, tanto perante à autoridade policial, quanto em juízo, relatou que estava jantando com seu filho, quando o recorrente chegou em casa embriagado, dizendo que "tu não come mais aqui", "tu é uma vagabunda e ladrona", "vou te matar", tendo jogado o prato no chão e quebrado o aparelho receptor de parabólica. Contou que o filho empurrou o réu, momento em que conseguiu sair de casa, pernoitando na casa de um vizinho e no dia seguinte foi para a casa de sua mãe.

Resta, portanto, evidenciada a ameaça, incidindo o recorrente nas sanções do artigo 147 do CP. À evidência que a ameaça causou medo na vítima, tanto que acionou a proteção policial e saiu de casa.

Ora, o relato da vítima no caso é coerente e não deixa dúvida quanto aos fatos narrados na denúncia, havendo clara harmonia entre o depoimento prestado em sede policial e aquele prestado em juízo.

Assim, não merece acolhida a tese defensiva no sentido de que a prova é precária, porque se limita a palavra da vítima.

Com efeito, é sabido que o crime de ameaça é crime formal, cuja perfectibilização ocorre com o efetivo temor causado na vítima pelas palavras proferidas pelo acusado. Portanto, para o reconhecimento da consumação, não é necessária a comprovação da real intenção do agente de concretizar a ameaça. É suficiente, unicamente, a intenção de causar o forte temor à vítima, o que de fato ocorreu, tanto que Zolita saiu de casa no dias das ameaças.

Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA. TIPICIDADE. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.

RECURSO PROVIDO.

1. O crime de ameaça é de natureza formal, bastando para sua consumação que a intimidação seja suficiente para causar temor à vítima no momento em que praticado, restando a infração penal configurada ainda que a vítima não tenha se sentido ameaçada (HC 372.327/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 23/3/2017).

2. Consignado pelo Tribunal a quo que o réu ameaçou a vítima de morte caso ela chamasse a polícia ou sua mãe passasse mal de novo, não há falar em atipicidade da conduta.

3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória relativamente à condenação pelo crime de ameaça.

(REsp 1712678/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 10/04/2019)

No mesmo sentido, recentes precedentes desta Corte:

APELAÇÃO. AMEAÇA. ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INFRAÇÃO COMPROVADA. Tratando-se de crime envolvendo violência doméstica e familiar, assume especial relevo a palavra da ofendida, em razão de tais infrações serem comumente praticadas na esfera da convivência íntima e em situação de vulnerabilidade, sem que sejam presenciadas por outras pessoas ou por pessoas das relações dos envolvidos no evento, mormente se confortada por outros elementos de provas. Tem o crime de ameaça natureza formal, com o que sua consumação prescinde do intento do acusado de cumprir a promessa de causação de mal injusto, futuro e grave, bastando que a ameaça seja capaz de infundir temor à ofendida. Está a obstar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos o fato de o réu registrar envolvimentos posteriores em infrações praticadas no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, o que evidencia a insuficiência da adoção...

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