Acórdão nº 50005246220178210160 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 23-11-2022

Data de Julgamento23 Novembro 2022
Classe processualApelação
Número do processo50005246220178210160
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002344996
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000524-62.2017.8.21.0160/RS

TIPO DE AÇÃO: Patrimônio Histórico / Tombamento

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA

APELANTE: MUNICÍPIO DE VERA CRUZ (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE VERA CRUZ, nos autos da ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, da sentença que julgou procedente o pedido, cuja parte dispositiva restou redigida nos seguintes termos:

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC, resolvo o mérito e JULGO PROCEDENTE o pedido contido na presente ação, para determinar ao MUNICÍPIO DE VERA CRUZ que (i) elabore e conclua, no prazo de 120 dias, o inventário de bens históricos e culturais do Município, situados em zona urbana e rural, mediante levantamento cadastral, documental, histórico, iconográfico e fotográfico, utilizando-se dos critérios técnicos do IPHAE, mediante celebração de Termo de Cooperação Técnica com o citado órgão estadual, sob pena de multa diária de R$ 500,00, e outras medidas que se fizerem necessárias; (ii) suspenda os atos administrativos referentes aos pedidos de demolição e intervenção em imóveis, até a conclusão e validação do referido inventário, ressalvando as situações de risco, constatadas por profissionais competentes mediante ART, comunicando imediatamente o fato ao juízo, sob pena de multa.
Sem custas para o ente público.

Sem condenação em honorários, por ser a ação ajuizada pelo Ministério Público.
Sentença sujeita a reexame necessário (Súmula nº 490 STJ).

Em suas razões de apelo, o ente municipal aduz que todas as medidas solicitadas pelo Ministério Público consubstanciam-se em atos discricionários, sujeitos aos princípios da conveniência e oportunidade, motivo pelo qual não há falar em imposição de obrigação de fazer. Afirma que não possui pessoal técnico capacitado e disponível para realizar o inventário de bens alegadamente históricos, destacando que não possui aparelhos sofisticados de medição. Invoca o princípio da reserva do possível. Alega que descabe ao Poder Judiciário imiscuir-se no modo de governar e executar as políticas públicas. Em caso de entendimento contrário, postula a remoção das astreintes, ou, ainda, sua redução e limitação temporal. Pugna pelo provimento do recurso.

Apresentadas as contrarrazões, o feito foi remetido à Superior Instância.

Com o parecer lançado pelo Ministério Público, vieram os autos, conclusos, para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O apelo merece ser conhecido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Da leitura dos autos, depreende-se que se trata de ação civil pública movida pelo Ministério Público em desfavor do Município de Vera Cruz. O parquet requereu, em suma, o seguinte (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 13 da origem):

a) a concessão de antecipação de tutela, a fim de determinar ao Município de Vera Cruz que:

a.1) elabore e conclua, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, o inventário de bens históricos e culturais do Município, situados em zona urbana e rural, mediate levantamento cadastral, documental, histórico, iconográfico e fotográfico, utilizando-se dos critérios técnicos do IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado), mediante celebração e Termo de Cooperação Técnica com o citado Órgão estadual, sob pena de bloqueio de valores e multa diária de R$500,00 (quinhentos reais);

a.2) suspenda os atos administrativos referentes aos pedidos de demolição e intervenção em imóveis, até a conclusão e validação do referido inventário, ressalvando as situações de risco, constatadas por profissional competente, mediante ART, comunicando-se imediatamente o fato ao Juízo, sob pena de multa por evento verificado, no valor sugerido de R$100.000,00 (cem mil reais);

Julgados procedentes os pedidos, restou interposto o recurso ora sob análise.

Como se vê, a matéria posta nos autos diz com a determinação de elaboração, pelo ente municipal, de inventário de bens históricos e culturais, situados em zona urbana e rural, utilizando-se dos critérios técnicos do IPHAE, mediante celebração de Termo de Cooperação Técnica com o referido órgão estadual. O bem jurídico a ser tutelado, portanto, diz com a preservação do patrimônio histórico, mediante o instituto do inventário.

De acordo com o IPHAN, o inventário é conceituado da seguinte forma:

Os Inventários são instrumentos de preservação que buscam identificar as diversas manifestações culturais e bens de interesse de preservação, de natureza imaterial e material. O principal objetivo é compor um banco de dados que possibilite a valorização e salvaguarda, planejamento e pesquisa, conhecimento de potencialidades e educação patrimonial.1

Trata-se de instrumento de efetivação da preservação do patrimônio histórico, o qual detém salvaguarda constitucional, conforme exegese do art. 216, VI, §1º, da CF/88, in verbis:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

(...)
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

§ 1º. O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriações, e de outras formas de acautelamento e preservação.

No mesmo sentido é a previsão constante no art. 222 da Constituição Estadual, como se vê:

Art. 222. O Poder Público, com a colaboração da comunidade, protegerá o patrimônio cultural, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamentos, desapropriações e outras formas de acautelamento e preservação.

A Constituição Federal prevê, ainda, que compete aos Municípios a proteção do patrimônio histórico cultural local, conforme leitura do art. 30, IX, ora colacionado:

Art. 30. Compete aos Municípios:
(...)
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

No mesmo sentido é a previsão constante no art. 40, §1º, da Lei Estadual n. 10.116/1994, em que se verifica a imposição de realização do inventário pelos municípios, in verbis:


Art. 40 - Prédios, monumentos, conjuntos urbanos, sítios de valor histórico, artístico, arquitetônico, paisagístico, arqueológico, antropológico, paleontológico, científico, de proteção ou preservação permanente, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, não poderão, no, todo ou em parte, ser demolidos, desfigurados ou modificados sem autorização.

§ 1º - Para identificação dos elementos a que se refere este artigo, os municípios, com o apoio e a orientação do Estado e da União, realizarão o inventário de seus bens culturais.

Verifica-se, portanto, na esteira dos dispositivos supratranscritos, que o Estado lato sensu possui a obrigação, constitucionalmente imposta, de promover a preservação e a conservação dos bens de valor histórico. Não se trata, portanto, de faculdade da Administração Pública, mas sim de dever determinado pelo constituinte, como medida que vise a assegurar, em última análise, a cidadania dos brasileiros, mediante conservação de bens relacionados à identidade nacional.

No caso dos autos, o Ministério Público logrou demonstrar a relevância histórica de imóveis localizados no Município de Santa Cruz. Igualmente, o parquet apontou que a legislação municipal, no aspecto, vincula a proteção do bem ao tombamento, o qual corresponde a instituto de natureza complexa.

O Inquérito Civil n. 00928.00019/2009 dá conta de que o Município de Vera Cruz, ainda no ano de 2007, apresentou manifestação no sentido da imprescindibilidade da realização do inventário, conforme Ofício n. 67/007 (Evento 3, PROCJUDIC1, Páginas 41/42 da origem). Igualmente, há informação técnica do IPHAN, datada de 05/12/2007, em que referida a importância de preservação dos bens mediante inventário, conforme se depreende do seguinte trecho (Evento 3, PROCJUDIC2, Página 27 da origem):

Em audiência realizada na Promotoria de Justiça em 22/03/2011, a então Secretária de Cultura do Município de Vera Cruz prestou informações no sentido de que estaria coordenando um projeto de restauração e tombamento de imóveis com interesse histórico e arquitetônico situados na zona urbana (Evento 3, PROCJUDIC3, Páginas 26/27 da origem). O documento do Evento 3, PROCJUDIC3, Página 29 da origem, recebido pelo Ministério Público em 14/4/2011, igualmente diz respeito à pretensão de realização de Projeto de Levantamento Patrimonial mediante convênio com a UNISC. No entanto, em 15/06/2012, sobreveio informação no sentido de que o convênio deixou de ser celebrado, como se vê do Ofício n. 230/2012 (Evento 3, PROCJUDIC4, Página 3 da origem):

Em 28/07/2014, a Prefeita Municipal prestou informações no sentido de que o Conselho Municipal possuía como meta iniciar um projeto de elaboração do "Inventário de Bens Históricos e Culturais", à luz de um indicativo de bens que merecem ser preservados e reconhecidos como acervo histórico e cultural de Vera Cruz, elaborada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Evento 3, PROCJUDIC4, Páginas 32/33 da origem). Por fim, em 09/06/2017, sobreveio...

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