Acórdão nº 50005251620148210075 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50005251620148210075
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002087688
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000525-16.2014.8.21.0075/RS

TIPO DE AÇÃO: Aquisição

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: LURDES MOHR (RÉU)

APELANTE: AGENOR STOLBERG (RÉU)

APELANTE: ANTENOR STOLBERG (RÉU)

APELANTE: Dulce Stolberg Rodrigues (RÉU)

APELANTE: MARLI LINDEN (RÉU)

APELANTE: WALI STOLBERG (RÉU)

APELADO: ANTONIO BORGER (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por WALI STOLBERG contra sentença de procedência proferida nos autos da Ação Declaratória de Anulação de Negócio de Compra e Venda que ANTONIO BORGER propôs contra o apelante e ENNO STOLBERG.

Transcrevo o dispositivo sentencial (Evento 3, PROCJUDIC5, pág. 3-4. Fls. 164 dos autos físicos):

Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos do autor, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para confirmar a medida liminar deferida à fl. 44 e declarar nulo, com base nos arts. 166, III, e 169, do Código Civil, o contrato particular de compra e venda de lote urbano, realizado em 02/07/2001 (fl. 22).

Sucumbentes, condeno os requeridos ao pagamento das despesas processuais e de honorários ao procurador da autora, fixados em 15% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observados a natureza da causa, sua relevância e complexidade, o trabalho que se fez necessário pelo causídico e o tempo de tramitação do litígio.

A exigibilidade dos ônus de sucumbência impostos aos réus ficará suspensa na forma do § 3º do art. 98 do Código de Processo Civil.

Nas razões recursais (Evento 3, PROCJUDIC5, pág. 7-21. Fls. 166-174 dos autos físicos), a apelante afirma que se operou a decadência, pois transcorridos treze anos entre a data da assinatura do contrato de compra e venda de lote urbano e o ajuizamento da ação. Alega que há muito ocupa parte do terreno, o que foi demonstrado pela prova testemunhal. Aponta violação ao princípio da boa-fé objetiva pelo apelado, ao argumento de que recebeu a quantia de R$ 2.000,00 pela venda do terreno. Faz referência aos termos do art. 276 do CPC e diz que foi o autor quem deu causa à invalidade contratual, razão pela qual não poderia suscitá-la em proveito próprio. Alega que a condição de analfabetismo não tem o condão de invalidar o negócio jurídico entabulado entre as partes, e que é contraditória a alegação do autor de não conhecimento do contrato, já que ele mesmo refere que a sua companheira o informou sobre a venda dois anos depois de tê-lo assinado. Aduz ser desnecessário o instrumento público, pois o valor do imóvel é inferior àquele previsto no art. 108 do CC, e que os requisitos de validade do art. 104 do CC foram atendidos, já que o analfabetismo não constitui causa de incapacidade civil. Ainda, renova a tese relativa à exceção de usucapião, asseverando que detêm a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com ânimo de dono por mais de 14 anos, preenchendo os requisitos à usucapião. Subsidiariamente, discorre sobre a necessidade de ser mantida na posse do imóvel até que seja indenizada pelas acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, bem como restituído o valor pago pela compra, resguardando-se o direito de retenção. Requer o provimento do recurso a fim de julgar improcedente os pedidos deduzidos na presente ação. Alternativamente, requer o acolhimento da exceção de usucapião.

Regularmente intimado, o apelado apresentou contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC5, pág. 26-31. Fls. 177-182 dos autos físicos) alegando que jamais houve intenção de venda do imóvel aos apelantes e que tampouco recebeu qualquer quantia. Afirma que que até o ano de 2014 não havia sofrido turbação possessória, utilizando o terreno para plantio de mandioca e milho, e que sempre recolheu os impostos devidos. Alega que a sua condição de analfabeto, a ausência de constituição de procurador e a ausência de reconhecimento de firma das assinaturas do contrato tornam-no nulo. Sustenta que não foram preenchidos os requisitos necessários ao acolhimento da exceção de usucapião. Requer o desprovimento do recurso.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis ao caso em apreço.

Cuida-se de Ação Declaratória de Anulação de Negócio de Compra e Venda proposta pelo apelado em face da apelante.

Em linhas gerais, extrai-se da petição inicial que o apelado afirma ser proprietário do imóvel registrado sob a matrícula nº 13.323 do Registro de Imóveis da Comarca de Tiradentes do Sul, sobre ele exercendo posse. Afirmou que a apelante WALI, em duas oportunidades, invadiu o imóvel de sua propriedade, tendo solicitado a ela que se retirasse e, inclusive por meio de notificação extrajudicial. Alega ter sido então notificado para comparecer à Defensoria Pública, momento em que foi surpreendido por contrato de compra e venda do imóvel firmado com a apelante WALI e ENNO STOLBERG datado de 02/07/2001 por intermédio do qual lhes teria alienado o imóvel.

Aduz ser analfabeto, não reconhecendo o referido negócio jurídico, e que jamais vendeu aos réus o imóvel nem havendo recebido qualquer valor a título de pagamento. Afirma que, no documento, foi aposta a sua digital a pedido de sua ex-companheira, filha dos promitentes compradores e seus ex-sogros, vindo a descobrir posteriormente que se tratava da venda do imóvel.

Por essa razão, ingressou com a presente demanda visando à anulação do negócio jurídico e à sua manutenção na posse do bem.

A pedido do apelante, foram incluídos no polo passivo os sucessores de ENNO STOLBERG.

Conforme relatório supra, a ação foi julgada procedente.

Cinge-se, pois, a controvérsia recursal em verificar: i) o advento da decadência para postular a nulidade do negócio jurídico; ii) a validade do negócio jurídico firmado entre as partes; iii) a configuração de exceção de usucapião; e iv) eventual direito de indenização e retenção por benfeitorias alegadamente introduzidas no imóvel.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Da Decadência:

O recurso não comporta provimento.

A pretensão de anulação de negócio jurídico por vício de consentimento é de 4 anos, conforme dicção do art. 178 do CC:

"Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade."

Complementando essa previsão legal, o art. 179 do CC estabelece que "Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato".

Logo, tratando-se de negócio jurídico anulável, o direito de ação deve ser exercido em juízo no prazo legal, sob pena de se convalidar pelo decurso do tempo.

Todavia, tratando-se de negócio jurídico nulo - eivado de nulidade absoluta - aplica-se o disposto no art. 169 do CC:

"Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo."

Como se observa, diferentemente do que ocorre com os negócios jurídicos anuláveis, o negócio jurídico inquinado de nulidade absoluta não convalesce pelo decurso do tempo, tampouco pode ser confirmado pelas partes, razão pela qual inaplicável o instituto da decadência.

No ponto, cito doutrina de Flávio Tartuce1:

"Superada a análise dos casos envolvendo a nulidade absoluta, é imperioso verificar quais os efeitos e procedimentos decorrentes do seu reconhecimento.

Inicialmente, quando há nulidade absoluta, deve ser proposta uma ação declaratória de nulidade que seguia, regra geral, o rito ordinário (CPC/1973), atual procedimento comum (CPC/2015). Essa ação, diante de sua natureza predominantemente declaratória, é imprescritível, ou melhor tecnicamente, não está sujeita a prescrição ou decadência. A imprescritibilidade também está justificada porque a nulidade absoluta envolve preceItos de ordem pública, impedindo, consequentemente, que o ato convalesça pelo decurso do tempo (art 169 do CC)."

A corroborar esse entendimento, cito precedentes deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. VÍCIO NA CONTRATAÇÃO. DECADÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. CONTRATO DE TRATO SUCESSIVO. NULIDADE DO CONTRATO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. VÍCIO NA CONTRATAÇÃO. O ARTIGO 6º DO CDC GARANTE AO CONSUMIDOR O DIREITO À INFORMAÇÃO, ASSEGURANDO-LHE A LIBERDADE DE ESCOLHA E A IGUALDADE NAS CONTRATAÇÕES. CASO EM QUE NÃO SE VISLUMBRA A DECADÊNCIA DO CONTRATO QUE A PARTE BUSCA TORNAR NULO, VISTO QUE SE TRATA DE NEGÓCIO JURÍDICO DE TRATO SUCESSIVO, QUE PERDURA AO LONGO DO TEMPO, ALÉM DE QUE POR FORÇA DO ARTIGO 169 DO CÓDIGO CIVIL, O NEGÓCIO JURÍDICO NULO NÃO É SUSCETÍVEL DE CONFIRMAÇÃO, NEM CONVALESCE PELO DECURSO DO TEMPO. HIPÓTESE DOS AUTOS EM QUE A PARTE AUTORA VISAVA APENAS A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, NÃO POSSUINDO INTERESSE E CIÊNCIA DE QUE ADERIRA A CARTÃO DE CRÉDITO, SENDO QUE O BANCO INCLUIU PRODUTO NO NEGÓCIO JURÍDICO SEM A DEVIDA INFORMAÇÃO, EM OFENSA AO ARTIGO 39, INCISO I, DO CDC, E EM VIOLAÇÃO AO DIREITO DO CONSUMIDOR PREVISTO NO ARTIGO 6º, INCISO II, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. CABÍVEL A CONVERSÃO DO CONTRATO EM EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, COM FULCRO NO ARTIGO 170 DO CC. NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO DE VALORES E REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. SUCUMBÊNCIA INVERTIDA. HONORÁRIOS MANTIDOS....

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