Acórdão nº 50005251820228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50005251820228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001546026
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5000525-18.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: DENILSON BORGES PEREIRA (OAB RS110484)

ADVOGADO: CROACI ALVES DA SILVA (OAB RS074981)

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

DENILSON BORGES PEREIRA e CROACI ALVES DA SILVA, defensores constituídos, impetraram a presente ordem de habeas corpus em favor de MARCOS NOGUEIRA DE SOUZA, apontando como autoridade coatora o JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TRAMANDAÍ.

Relataram os impetrantes, em apertada síntese, que o paciente foi preso em flagrante em 1º de janeiro de 2022, pela suposta prática do delito de tráfico de drogas, sendo sua prisão convertida em preventiva.

Sustentaram estarem ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, quais sejam, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, apontando ausência de fundamentação da decisão que decretou a prisão preventiva, que se baseou apenas na gravidade em abstrato do delito.

Defenderam a nulidade da prisão em flagrante, asseverando a ocorrência de violação de domicílio.

Salientaram que a prisão preventiva não pode configurar cumprimento antecipado de eventual condenação, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.

Pugnaram, liminarmente, a concessão de liberdade ao paciente, sem ou com a aplicação de medidas cautelares diversas, e no mérito, a concessão definitiva da ordem.

O pedido liminar foi indeferido (evento 12, DESPADEC1).

O Ministério Público ofertou parecer através do douto Procurador de Justiça, Dr. Norberto Avena, pela denegação da ordem (evento 17, PARECER1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática do delito de tráfico de drogas.

Como se sabe, o habeas corpus é garantia constitucional fundamental (art. 5º, LXVIII, CF1), com previsão, também, no Código de Processo Penal no artigo 6472 e seguintes.

Tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a restrição da liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, mediante ação autônoma, denominada, conforme a melhor doutrina, de ação constitucional.

O artigo 6483 do Código de Processo Penal, arrola as hipóteses em que o writ será passível de concessão. Em que pese a discussão doutrinária a respeito de ser esse rol taxativo ou exemplificativo, a verdade é que o mandamento do inciso I (quando não houver justa causa) poderia abarcar todas as demais situações legais.

Pois bem.

Primeiramente, em relação à alegada violação de domicílio, tenho que não merece guarida, pois, no caso, a priori, o paciente estava em situação de flagrância, não havendo falar em nulidade.

Como é cediço, o tráfico de entorpecentes é crime de natureza permanente, e a conduta do paciente, ao menos por ora, faz crer que realmente se encontrava em estado de flagrância delitiva, a teor do artigo 303 do Código de Processo Penal. Contexto este que legitimava a entrada em seu domicílio, conforme permissivo constitucional expresso no artigo 5º, XI, da CF, não havendo falar em violação de domicílio.

Aliás, de acordo com o STJ, a alegação de nulidade na prisão em flagrante fica superada com a decretação da preventiva, diante da produção de novo título a justificar a segregação:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADES. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E ESTADO FLAGRANCIAL. AUSÊNCIA. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA. NOVO TÍTULO PRISIONAL A EMBASAR O CÁRCERE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. [...] 3. No que tange à tese de ausência de estado flagrancial apto a justificar a entrada dos policiais no domicílio, esta Corte tem entendido que, “com a decretação da preventiva, fica superada a alegação da existência de irregularidades no flagrante, tendo em vista a superveniência de novo título apto a justificar a segregação” (RHC 91.748/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 7/6/2018, DJe de 20/06/2018).

[...]

(STJ - RHC 113.464/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019 – grifei)

Outrossim, relembro ser inviável a análise de tese negativa de autoria na via estreita do habeas corpus, que exige prova pré-constituída das alegações, não havendo espaço para comparação de elementos.

No mérito, analisando os elementos de convicção ora apresentados, não identifico ilegalidade na decisão que converteu a prisão em flagrante do paciente em preventiva.

Isso porque a decisão que converteu a prisão em preventiva, de lavra da eminente Juíza de Direito, Dra. Milene Koerig Gessinger, encontra-se motivada, em observância ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, conforme podemos observar de sua transcrição:

"Vistos.

Após a homologação do auto de prisão em flagrante, manifestou-se o Ministério Público para os fins do art. 310 do CPP. A defesa manifestou-se em momento anterior.

Vislumbra-se risco de abalo da ordem pública como requisito para a decretação da prisão preventiva, em razão da grande quantidade de consequências danosas que tal delito provoca, tais como o adoecimento da sociedade e a multiplicação da criminalidade, para o funcionamento deste mercado ilícito. Saliente-se que, quando da autuação, foi apreendida considerável quantidade de drogas já acondicionadas para a mercancia, valor ainda não justificado em dinheiro e reincidência no mesmo delito, o que permite crer no exercício da atividade com habitualidade e, por consequência, certeza da impunidade e abalo da ordem pública.

Pertinentes os seguintes julgados:

HABEAS COUS. TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33, DA LEI N. 11.343/06) ENTRE OUTROS. PRISÃO PREVENTIVA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES. INADEQUAÇÃO. Em relação à audiência de custódia, em que pese não realizada a solenidade, verifica-se que a prisão em flagrante fora devidamente comunicada, analisada e homologada por autoridade judiciária, nos termos do que dispõe o artigo 306 do CPP, sendo a segregação posteriormente convertida em preventiva, de acordo com o disposto no artigo 312 do CPP. Destaco, ainda, que não sobreveio aos autos qualquer informação de abuso praticado pelos policiais que efetuaram a prisão do paciente. Precedentes. A r. decisão impugnada foi adequadamente motivada, tendo o nobre togado de piso demonstrado, com base em elementos extraídos dos autos, a necessidade da constrição cautelar, evidenciada, sobretudo, pela quantidade e variedade dos entorpecentes encontrados e pelos efeitos nefastos à sociedade ecorrentes do comércio ilícito de drogas. Reexaminando os autos, não vislumbro qualquer alteração na situação fática que possa levar à mudança na situação prisional, remanescendo o mesmo panorama que levou à prisão preventiva do paciente, cujos motivos e fundamentos permanecem inalterados. Consta dos documentos digitalizados que foram apreendidos em poder do paciente 32 pedras de crack, com peso total de 6g, 45 porções de cocaína, pesando cerca de 20g e um revólver Taurus, cal. 32. Os laudos provisórios atestaram as naturezas das drogas encontradas. Assim, demonstrada a existência dos delitos. Os indícios de autoria, por sua vez, podem ser extraídos das declarações dos policiais militares, os quais relataram, em suma, que durante patrulhamento de rotina, avistaram o paciente - contra o qual já havia informações de que realizava tele-entrega de entorpecentes na região -, saindo de um imóvel. Efetuada a abordagem e procedida à revista pessoal, foi encontrado em seu poder os objetos ilícitos descritos no auto de apreensão. Quanto ao periculum libertatis, nota-se que a medida extrema se mostra necessária, especialmente para a garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta da conduta delituosa, dadas as circunstâncias da prisão (prévia informação de que o paciente fazia entrega de entorpecentes na região), a quantidade, variedade e nocividade dos estupefacientes encontrados (32 pedras de crack, com peso total de 6g, 45 porções de cocaína, pesando cerca de 20g), afora a apreensão de um revólver calibre .32, fatos que, somados, justificam a decretação e manutenção da prisão preventiva. Não podemos olvidar, ainda, que atualmente, inúmeras infrações criminais que são praticadas giram em torno do tráfico ilícito de entorpecentes, além do que traficantes de drogas exploram a condição de viciado e dependente químico das pessoas que fazem uso, em alguns casos compulsivos, das substâncias, para, com isso, obter dinheiro e outras vantagens. Deve ser salientado, ainda, quanto às consequências do crime, que as drogas são extremamente nocivas à saúde dos usuários e da população, como um todo, viciam pessoas, muitas vezes acabam com a vida delas, desagregam famílias e incentivam a violência e a prática de infrações penais. Este órgão fracionário possui entendimento firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade, domicílio certo e emprego lícito, por si só, não impede a decretação da prisão preventiva, notadamente se há nos autos elementos suficientes para justificar a cautelar, nem atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência. Inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, porquanto a gravidade concreta da conduta delituosa indica que a ordem pública não estaria cautelada com a soltura do paciente. Precedente. ORDEM DENEGADA.(Habeas Corpus...

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