Acórdão nº 50005279120218210090 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005279120218210090
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002709386
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000527-91.2021.8.21.0090/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: INVANES TIBOLA (AUTOR)

APELADO: DIEGO ANTUNES - DIAGRO (RÉU)

RELATÓRIO

INVANES TIBOLA (AUTOR) apela da sentença proferida nos autos da ação de resolução de contrato que move em face de DIEGO ANTUNES - DIAGRO (RÉU), assim lavrada:

Vistos.
INVANES TIBOLA ajuizou ação de resolução de contrato em face de DIEGO ANTUNES - DIAGRO.
Narrou, em síntese, que contratou a venda futura de soja e milho com a parte demandada, mediante três contratos. Referiu que a venda ocorreria pelo preço acertado nos contratos, no dia da entrega dos produtos, o que ainda não aconteceu. Relatou que os preços da soja e do milho aumentaram consideravelmente e que a demandante não poderá cumprir com o que foi pactuado nos contratos. Pugnou pela procedência dos pedidos, com a resolução do contrato por onerosidade excessiva, restabelecendo-se o status quo ante das partes. Requereu a gratuidade da justiça. Acostou documentos (ev. 01).
Concedida a gratuidade judiciária à parte autora, em sede de agravo de instrumento (ev.
25).
Citada (ev. 31), a parte ré apresentou contestação. Preliminarmente, impugnou a gratuidade judiciária concedida à autora. Alegou que a parte autora não comprova a quebra de safra, bem como que, com o aumento dos preços dos grãos, a demandante vendeu para outro cerealista que pagou mais. Aduziu que não haveria enriquecimento ilícito da requerida, uma vez que esta também possui contratos de venda futura com empresas maiores, e que a resolução contratual caracteriza enriquecimento ilícito da parte autora. Afirmou que cumpriu com seus contratos em que teve que vender a soja e o milho abaixo do valor, após o aumento do preço destes. Discorreu acerca da multa contratual. Requereu: a revogação da gratuidade da justiça da autora; e a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (ev. 33).
Houve réplica (ev. 37).
Reconhecida a conexão com o processo nº 5000744-37.2021.8.21.0090, o qual se objetiva a entrega da coisa (ev.
39). Ademais, revogada a gratuidade da justiça da parte autora (ev. 39).
Vieram os autos conclusos para sentença.

RELATADOS. DECIDO.
Trata-se de ação de resolução de contrato proposta por Invanes Tibola em desfavor de Diego Antunes - Diagro.
A parte autora busca a resolução do contrato, pois houve aumento nos preços da soja e do milho, não podendo receber o valor que havia sido estipulado com o demandado, visto que encontra-se muito abaixo do preço na hora da entrega dos produtos.

Por sua vez, o demandando alega que não há enriquecimento ilícito por sua parte em receber o preço estipulado, mas sim haverá enriquecimento indevido da autora se a mesma não cumprir com o contrato, pois o réu pactuou com as empresas finais dos produtos, também abaixo do preço que encontra-se atualmente, mas que cumpriu com os contratos na venda.

Pois bem.
O negócio jurídico realizado entre as partes, restou comprovado pelos três Instrumentos Particulares de Entrega de Coisa Fungível de Grãos (ev. 01, doc. 04/06), em que foi ajustado confissão de dívida e compromisso de entrega futura de grãos, tendo a autora como vendedora e o réu como comprador.
Nas avenças, estipulou-se como preço da venda: para a soja, a quantia de R$ 91,80 e R$ 97,20, por saca; e para o milho, o valor de R$ 45,50, por saca.

Incontroverso nos autos que os grãos sofreram um aumento, passando o milho custar R$ 80,00 e a soja R$ 170,00 a saca, em abril de 2021.

Quanto à teoria da imprevisão, prevista no art. 478 do CC1, em virtude da onerosidade excessiva imposta ao produtor rural, tenho que não é aplicável no caso dos autos, uma vez que a parte autora não comprova que houve aumento excessivo nos gastos para a produção daquela safra - como no preço dos grãos e insumos -, apenas que ocorreu um aumento nos preços destes no momento da venda.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que
"não há onerosidade excessiva, nem desequilíbrio nas cláusulas de contrato de compra e venda de safra futura a preço certo, quando ocorre variação de preços no mercado. Deve-se considerar que, nesse tipo de contrato, eventuais flutuações do preço da soja são previsíveis e até mesmo inerentes ao mercado agrícola, tendo inclusive cotação em bolsa de valores, o que afasta a invocação da teoria da imprevisão para modificar ou rescindir o pacto.2"
Nesse sentido, é o entendimento do STJ:

DIREITO CIVIL E COMERCIAL. COMPRA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. ELEVAÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INOCORRÊNCIA. 1. A cláusula rebus sic stantibus permite a inexecução de contrato comutativo - de trato sucessivo ou de execução diferida - se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente. 2. Nesse passo, em regra, é inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado. 3. A variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com fundamento em alteração das bases contratuais. 4. Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto. Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão-somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro. 5. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 849.228/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 3/8/2010, DJe 12/8/2010).

Portanto, inaplicável a teoria da imprevisão na presente lide.
De mais a mais, observo que o demandado firmou contratos de compra e venda de safra futura (referente a mesma safra de 2020/2021) para vender os grãos a outras empresas, em que fora fixado o preço do milho em R$ 47,50 e da soja no valor de R$ 96,00 e R$ 100,00, cada saca (ev.
33, doc. 44/46).
Assim, está evidenciado que a parte ré também comercializou os grãos em preços semelhantes ao pactuado com a autora naquele período, não se justificando a recusa da parte autora em vender os grãos para o demandado.

Dessa forma, não há que se falar em enriquecimento ilícito do réu, uma vez que ficou provado nos autos que o mesmo também teve que comercializar os grãos em quantia abaixa a do mercado.

Assim sendo, tendo em vista a inaplicabilidade da teoria da imprevisão, reconheço a validade dos contratos em questão, motivo pelo qual improcede o pedido contido na inicial.

Isso posto, com fundamento no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora nesta ação.

Condeno a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios ao advogado do réu, estes fixados em R$ 2.000,00, forte no art. 85, § 8º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Considerando o disposto 1.010, § § 1º, 2º e 3º do CPC, interposto recurso de apelação, intime-se o apelado para contrarrazões e em seguida remeta-se ao Tribunal de Justiça.
Observar hipótese do § 2º do dispositivo citado.
Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

D. L.

Nas razões sustenta que o preço ajustado nos contratos encontrou lastro no preço médio do soja e milho no ano de 2020, porém a apelante não pôde prever a absurda alta dos preços dos grãos e dos insumos; que um evento extraordinário e imprevisível elevou os preços a um patamar jamais imaginável para uma pessoa simples, com pouco estudo e desconhecedora dos rumos do mercado, como é o caso da demandante; que que em maio de 2020 a saca de milho de 60kg custava em média R$ 43,00 (quarenta e três reais) e no mesmo período no ano de 2019, custou R$ 30,00 (trinta reais); que sem prever alterações nos preços futuros, ajustou-se o preço para a entrega futura do milho em abril de 2021, ao preço de R$ 45,50 (quarenta e cinco reais e cinquenta centavos), porém a saca de milho em abril de 2021 atingiu o preço de R$ 82,40 (oitenta e dois reais e quarenta centavos); que a manutenção dos contratos sob judice, nos termos em que foram acordados, importa em um enriquecimento injustificável da apelada, em detrimento do grave empobrecimento da apelante; que a apelante adquiria seus insumos na empresa apelada, sendo que no mesmo período o preço dos insumos subiu até 126%; que a apelante receberia 80% menos que o preço de mercado, sem contar o desconto usual da umidade do grão que os silos aplicam contra os produtores, e teria que dobrar o custo para plantar a lavoura da safra 2022; que não se está falando de uma variação no preço de até 20%, mas de um aumento no preço do produto de 80% o que jamais aconteceu na história dos contratos de venda futura, motivo pelo qual, por si só essa alta absurda dos preços representa um evento extraordinário; que a apelada alega que já havia contratado com outros cerealistas a venda futura dos grãos, mas não se pode olvidar que a mesma possui centenas de clientes que lhe vendem os grãos e não há nos autos a prova da vinculação dos contratos da apelante com os credores da apelada; que a apelante tentou negociar com a apelada, que não aceitou modificar os termos do contrato; que o aumento extraordinário dos custos para o plantio da safra 2022 é fato notório; que restou perfeitamente demonstrado que os contratos sob judice se mostraram deveras onerosos; que o artigo 478 do Código...

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