Acórdão nº 50005357220218210024 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-04-2022

Data de Julgamento26 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005357220218210024
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002038076
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000535-72.2021.8.21.0024/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: ALTAMIR BATISTA DOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO BMG S.A apela da sentença proferida nos autos da ação declaratória de nulidade contratual c/c restituição de valores e indenização por danos morais ajuizada por ALTAMIR BATISTA DOS SANTOS, assim lavrada:

Vistos.
ALTAMIR BATISTA DOS SANTOS ajuizou a presente ação declaratória cumulada com restituição de valores e danos morais em face de BANCO BMG S.A, ambos já qualificados nos autos.
Na inicial, aduziu que celebrou contrato de empréstimo consignado com a empresa Ré, cujo pagamento seria realizado mediante desconto mensal em seu benefício previdenciário. Referiu que o início do contrato estava datado no dia 04 de fevereiro de 2017 sem data para término. Ocorre que no decorrer dos meses após a celebração do empréstimo, percebeu que estava sendo descontado de seu benefício de forma mensal o valor referente a um Cartão de Crédito Consignado designado Reserva de Margem Consignada (RMC), desde o primeiro mês de contrato firmado entre as partes. Aduziu que nunca solicitou ou contratou cartão de crédito consignado, da mesma forma que jamais recebeu tal cartão consignado, nunca o tendo usado. Asseverou tratar-se de venda casada, pois está havendo o desconto no percentual de 5% referente à Reserva de Margem Consignável. Disse que a prática adotada pela ré é abusiva. Postulou o julgamento procedente da presente ação para que haja a exclusão da cobrança da Reserva de Margem Consignada junto ao benefício previdenciário do Autor, bem como para que seja declarada inexistente a contratação do empréstimo de cartão de crédito com RMC. Pediu, ainda, a condenação da instituição financeira a restituírem o valor cobrado de forma indevida, devendo a restituição ser na forma simples, que perfaz a quantia de R$ 8.340,29, bem como o reconhecimento do dano moral, condenando o requerido no valor de R$ 10.000,00. Requereu a concessão de AJG e o reconhecimento da relação de consumo entre as partes, com a inversão do ônus da prova.
No Evento 3 foi deferida a AJG.

Em contestação (Evento 11), a parte Ré alegou a prescrição como prejudicial de mérito.
No mérito da demanda, aduziu que a parte demandada não foi ludibriada na contratação, uma vez que anuiu com todas as informações prestadas a respeito do contrato. Asseverou que não houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado. Referiu sobre a impossibilidade de conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado. Pediu seja julgado improcedente o pedido de liberação da margem consignável para cartão de crédito, até a quitação do débito, objeto do contrato questionado nos autos. Referiu quanto a inexistência do dever de indenizar em razão da inexistência de dano moral e dano material. Por fim, postulou o julgamento improcedente da presente ação.
Houve réplica (Evento 14).

No Evento 16 foi rejeitada a prejudicial de mérito da prescrição e deferida a expedição de ofícios aos bancos mencionados pela Requerida.

Houve o retorno dos ofícios expedidos à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil S.A. (Eventos 23 e 24).

A parte Autora postulou a instauração de incidente de falsidade documental (Evento 28).

A parte Ré postulou o julgamento improcedente da demanda (Eventos 36 e 39).

No Evento 40 foi rejeitado o pedido de instauração de incidente de falsidade documental.

As partes foram intimadas para informarem se possuem interesse na produção de outras provas, sendo que ambas manifestaram o desinteresse na produção de outras provas (Eventos 44 e 46).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É O RELATÓRIO. DECIDO.
Cumpre destacar o cabimento do julgamento antecipado da lide, visto que a matéria discutida nos autos é preponderantemente de direito e está embasada em prova documental suficiente (art. 355, I, do Código de Processo Civil).
A parte autora sustenta que o requerido realizou empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável, quando pretendia e celebrou o empréstimo acreditando ser um empréstimo consignado normal, com os descontos mensais do seu benefício.

No caso, trata-se de relação de consumo, aplicando-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90 (arts.
e ). No entanto, de acordo com o disposto no art. 373 do CPC, registro que a inversão do ônus probatório não é absoluta, devendo a parte beneficiada a prova mínima de seu direito.
Ainda, à vista da hipossuficiência da parte consumidora-autora (art. 6º, VIII, do CDC), competia ao banco-réu demonstrar a regularidade do empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, ônus do qual não se desincumbiu (art. 373, II, do CPC).

Explico.
Está comprovado que houve a contratação entre as partes, diante da juntada do contrato no Evento 11, CONTR2, com repasse imediato dos valores ajustados, os quais foram disponibilizados ao autor através de TED em sua conta bancária (Evento 23, EXTR2).

Por outro lado, resta demonstrado nos autos que a contratação, a despeito de ter-se dado pela modalidade de cartão de crédito, não envolveu a utilização deste, como se nota pelas faturas juntadas pelo requerido (Evento 11, FATURA3; e Evento 11, FATURA4).

Nesse norte, importante salientar que a natureza da operação perfectibilizada em tudo se assemelha ao contrato de empréstimo pessoal consignado: liberação da quantia solicitada em conta-corrente com consignação das parcelas no benefício previdenciário do aposentado.

Assim, ao que tudo indica, a operação de crédito – notadamente porque disponibilizado de imediato os valores associados à contratação e, paralelamente, não desbloqueado e não utilizado o cartão pela parte autora – limitou-se a emprestar o nome ao instrumento contratual.
Isso porque, em nenhum momento desde a celebração do contrato, o autor utilizou o cartão de crédito que lhe foi disponibilizado, uma vez que nas faturas constava tão somente os pagamentos a título de empréstimo consignado.
Importa destacar, ainda, que o autor informa expressamente na inicial que jamais recebeu o referido cartão, e o requerido não comprovou a entrega e a utilização pelo demandante.

Nota-se das faturas juntadas pelo réu, que eram creditados ao autor, mensalmente, valores a título de encargos do cartão a título de “IOF Rotativo”, “ENCARGOS FINANC FATURADOS” e “Protecao Perda Roubo”.
Verifico, assim, que o valor real de amortização do empréstimo, praticamente, se equivale (crédito x débito), descontando-se como pagamento o mínimo do valor efetivamente financiado.
Diante disso, percebe-se que o percentual que acaba sendo abatido mensalmente, através da inserção da Reserva de Margem Consignável, não é suficiente para amortizar o débito principal, sendo o montante inicialmente contratado constantemente acrescido de encargos mensais elevados, de modo que sempre haverá um saldo devedor a ser pago na próxima fatura.

Vejamos: na primeira fatura juntada, com vencimento em 10.03.2016, consta que o valor devido pelo autor era R$ 1.584,61, constando expressamente o “saque autorizado” no total de R$ 1.500,00 (Evento 11, FATURA3, Página 1).
Já na segunda fatura, com vencimento em 10.04.2016, embora tenha sido descontado o pagamento referente a débito em folha, no total de R$ 140,73, o montante devido era de R$ 1.502,70 (Evento 11, FATURA3, Página 2). Passando-se para a fatura com vencimento em 10.04.2020, mesmo sem utilização do cartão pelo autor e com “pagamento débito em folha” no total de R$ 51,74, observa-se que a quantia total devida na referida fatura é de R$ 1.078,99 (Evento 11, FATURA4, Página 29). Ou seja, em quatro anos, sem qualquer utilização do cartão, a dívida diminuiu somente R$ 505,62, não obstante os pagamentos mensais feitos pelo autor, descontados diretamente do seu benefício previdenciário, como lançado expressamente nas faturas.
Outrossim, considerando a alegação do autor no sentido de que celebrou o contrato acreditando se tratar de um contrato de empréstimo consignado “normal”, aliado ao fato de que jamais utilizou o cartão de crédito, encontra respaldo a alegação de que não foi informado da contratação do referido cartão, configurando-se a ocorrência de vício de consentimento, hábil à anulação de cláusulas do negócio jurídico.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO COM MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO COMPROVADOS. ERRO SUBSTANCIAL. READEQUAÇÃO DO CONTRATO. SENTENÇA MODIFICADA. APLICABILIDADE DO CDC. UMA VEZ QUE O CASO TRATA DE TÍPICA RELAÇÃO DE CONSUMO, O COMPORTAMENTO DO BANCO APELANTE DEVE RESPEITO AOS AXIOMAS E PREMISSAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O RACIOCÍNIO QUE SE DEVE DESENVOLVER, PORTANTO, NÃO É PURAMENTE CIVILISTA - COM BASE DA LIBERDADE CONTRATUAL CONFERIDA PELO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA-, MAS SIM DE PROTEÇÃO AO CORRENTISTA COMO CONSUMIDOR DOS SERVIÇOS QUE É. ERRO SUBSTANCIAL COMPROVADO. AUTOR NÃO UTILIZOU O CARTÃO DE CRÉDITO PARA REALIZAR COMPRAS. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA MODIFICADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA(Apelação Cível, Nº 50007029620218215001, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 01-11-2021)”

Desse modo, tenho que o demandante logrou demonstrar que sua intenção sempre foi a contração de um empréstimo consignado em folha de pagamento de seu benefício previdenciário e não de um cartão de crédito.
Com relação aos direitos do consumidor, o artigo 6° do CDC dispõe que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a
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