Acórdão nº 50005368920138210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50005368920138210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001698410
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000536-89.2013.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

EDIER A., 65 anos na data do fato (DN 11/04/1948), foi denunciado por incurso no artigo 217-A do Código Penal.

O fato, ocorrido em Camaquã/RS, foi assim descrito na denúncia, recebida em 21/05/2014 (abreviaturas ausentes no original):

No dia 25 de julho de 2013, por volta das 16h, na Rua E.P.P., 165, Bairro C.B., Camaquã, o denunciado EDIER A. praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima Amanda F. P., de 12 (doze) anos de idade (nascida em 03/06/2001, certidão de fls.).

Na oportunidade, a vítima foi até a residência do denunciado, para conseguir uma ferramenta emprestada, a pedido de sua guardiã, no que seria atendida. Contudo, sem que Amanda pudesse esperar, E. conduziu-a até um banheiro, ordenando que ficasse quieta e ameaçando matar os seus familiares caso reagisse. Então, passou a retirar suas vestes, vindo a tocá-la nos seios, nas nádegas e na vagina.

Na sequência, quando o denunciado passou a mexer nas próprias calças para retirá-las, chegou até o local Arlete dos Santos, tia e guardiã da vítima, a qual estava preocupada com a demora da menina, e que com a sua presença acabou por impedir o agravamento do fato, já que a menor não podia defender-se do agressor.

A vítima foi submetida a exame psicológico, o qual positivou a ocorrência de abuso sexual de vulnerável, materializando a prática do delito (fls. 20-3).

Ultimada instrução, foi proferida sentença de parcial procedência da ação penal para condenar o réu, por incurso nos artigos 217-A, caput, c/c 14, inciso II, do Código Penal.

A DEFESA apelou, pretendendo a absolvição, alegando insuficiência probatória. Subsidiariamente, postula desclassificação para a contravenção penal de importunação ofensiva, redução da pena e abrandamento do regime.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença (abreviaturas ausentes no original, contrariando as recomendações do Of. Circ. 001/2016-CGJ, art. 25, XVIII da Cons. Normativa Judicial, e Resolução 01/2017-OE/TJRS):

Cuida-se de ação penal através da qual o Ministério Público pretende responsabilizar E. A. pelo crime de estupro de vulnerável, praticado contra AmandaF.A., com 12 anos de idade na época dos fatos. O delito teria tomado forma no dia 25 de julho de 2013, por volta das 16h, na Rua E.P.P., n. 165, bairro C.B., no Município de Camaquã/RS.

Antecipo que a pretensão punitiva procede.

De fato, está devidamente comprovada a prática da infração penal atribuída ao réu, como se verá da análise da prova, a seguir realizada.

A materialidade do crime restou evidenciada pelo registro de ocorrência (fls. 07/08), certidão de nascimento da ofendida (fl. 15), avaliação psíquica da ofendida (fls. 45/48), parecer psicológico (fls. 64/65), bem como pela prova oral colhida.

Oportuno destacar que se trata de crime que não deixa vestígios materiais, uma vez que, segundo a peça incoativa, o réu teria praticado atos libidinosos diversos de conjunção carnal, consistentes em tocá-la nos seios, nádegas e vagina.

Inicialmente, analiso a prova técnica realizada no presente feito, por profissional da psiquiatria. Antecipo, aliás, que a perícia se alinha à tese acusatória.

A avaliação psíquica realizada pelo Instituto-Geral de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul de fls. 45/48, no qual a perita identificou intenso sofrimento psíquico associado aos fatos relatados, salientando que a ofendida chorou muito durante toda a entrevista, e referiu tristeza, medo, vergonha e isolamento social.

A perita ressaltou que o relato da periciada preenche critérios de credibilidade, como, por exemplo, conteúdo da fala com estrutura lógica, consistência e coerência interna, relato com encaixe contextual, boa qualidade de detalhes, alusão ao estado mental subjetivo, descrevendo sentimentos associados aos fatos, como medo, e com elementos tipicamente presentes em caso de abuso infantil, como a ameaça.

No mesmo sentido foi o parecer psicológico confeccionado pela psicóloga Liciê Affonso (fls. 64/65).

Conforme se infere do parecer, durante o relato de abuso, foi possível observar o sofrimento emocional causado pela lembrança da situação abusiva, referindo que na ocasião também chorava muito, tremia e teve medo que algo pior acontecesse. A profissional ressaltou que, após a violência sofrida, a vítima passou a apresentar medo de sair de casa sozinha e dificuldades na escola.

À prova oral.

A vítima Amanda F. A. relatou que sua mãe, Arlete, mandou-a ir buscar uma chave de fenda na residência do réu. Quando chegou no local, ele começou a procurar pela chave, depois a empurrou para o banheiro, sentou-a na privada e passou a retirar sua roupa. Ficou em choque. Quando estava com as calças abaixadas e a blusa levantada, ele começou a abaixar as calças e a ameaçar, dizendo que se gritasse, ele mataria sua família. Nesse momento, sua mãe chegou e a mandou voltar para casa. Disse que o réu passou a mão nos seus seios. Pelo que recorda, ele não passou a mão nas nádegas e na vagina. Depois do fato, ele fugiu. Quando retornou, ele ficava na esquina da casa quando estava indo para o colégio. Fica assustada quando sabe que ele está na cidade. Caso ele retorne para casa novamente, isso te traria prejuízos.

As declarações da ofendida não constitui prova isolada nos autos, vez que corroborada pelo depoimento da testemunha Arlete F. P., tia e guardiã da ofendida. Ela referiu que possui um salão de cabeleireiro em frente à casa do réu, o qual frequentava o estabelecimento, pois era seu amigo e trabalhava como “faz tudo” em sua residência. Era uma pessoa que tinha trânsito na casa. Também ia na casa dele, pois tinha um bom relacionamento com a esposa dele. Na data do fato, a máquina de cortar cabelo trancou, razão pela qual pediu para Amanda buscar uma chave de fenda emE.. Nesse momento, ela e a cliente ficaram na área da frente aguardando. Como Amanda estava demorando, cerca de 10 minutos, dirigiu-se até a casa dele. Quando entrou nas peças do fundo, viu Amanda com as calças e as calcinhas arregaçadas até o joelho, ele tapando sua boca com uma das mãos, tirando a cinta dele com a outra mão e ameaçando-a, dizendo “se tu contar para tua mãe e tua dinda, eu vou te matar e matar tua mãe”. Nessa ocasião, gritou “o que está acontecendo?”, quando Amanda saiu correndo, e o réu disse que não tinha acontecido nada, demonstrando nervosismo. Como estava trabalhando, voltou para terminar seu serviço e depois retornou para xingá-lo, momento em que o réu disse que tinha tido uma fraqueza. Na data do fato, Amanda estava com 12 anos de idade. Depois, contaram para sua filha mais velha, a qual contou para Edimar, filho deE., o que tinha acontecido. Edimar disse “Pai, de novo? Eu disse para ti não mexer com as guriazinhas na rua”. Tem conhecimento de que eles vieram morar em Camaquã, pois tinham sido corridos de Guaíba. Segundo Amanda, ele já tinha passado a mão em todo o corpo dela. A partir de então, ela passou a tomar quatro ou cinco banhos por dia. Denunciou o réu apenas no dia seguinte, pois não queria expor sua filha. No dia seguinte ao fato, ele saiu da casa e ficou afastado por 15 ou 20 dias. Depois ele retornou e começou a ficar na frente da casa para intimidá-la, razão pela qual Amanda começou a não querer ir às aulas, pois tinha medo dele. Esclareceu que Amanda passou a ir para psicóloga por dois anos, costumava acordar com pesadelo, não queria se alimentar, nunca teve namorado. Disse que ela tem uma prima que está namorando e ela acha absurdo namorar com 14/15 anos. Ela não chegou a repetir ano, apenas enfraqueceram as notas dela, motivo pelo qual ela passou a ir na psicóloga.

As testemunhas de defesa Saulo Klew Cardoso, Andressa Castro da Silva, Celio Pitana Dias, Gilberto Garcia da Silva e Terezinha Machado não são capazes de elucidar os fatos, sendo apenas testemunhas abonatórias.

Em seu interrogatório, o acusado E. A. disse não ser verdadeira a acusação. Declarou que estava no banheiro quando Amanda ingressou no local dizendo que sua mãe precisava de uma chave de fenda para abrir a máquina de cortar cabelo. Ela começou a andar de elíptico. Quando estava saindo do banheiro, ela disse que ia no banheiro. No momento em que estava fechando as calças, Arlete chegou e disse “Peguei vocês”, e perguntou pela Amanda. Esclareceu que Arlete não viu nada. Residia no local desde 2004. Disse que costumava a fazer tudo para ela. Acredita que não teria um motivo para essas pessoas estarem acusando-o. Mencionou que morou em Guaíba por 23 anos. Não teve nenhum problema no local. Mudou-se porque estava muito perigoso. Conhece Amanda desde 01 ano de idade. Não viu se Amanda saiu chorando. Foi afastado pelo juiz para não se aproximar da vítima, mantendo distância de 80m, motivo pelo qual foi residir em Tapes. Sua esposa e Arlete tinham um bom relacionamento. Depois do fato, arrumou a máquina de cortar cabelo. De noite, ela retornou a sua casa para xingá-lo. Pediu desculpa para Arlete, pois estava na mesma peça quando Amanda estava no banheiro.

Da prova oral colhida, entendo que a tese acusatória encontra arrimo, notadamente pelos depoimentos da vítima e de sua tia e guardiã Arlete.

Quer dizer, a análise de toda a prova, sobretudo as declarações da vítima, de sua tia e as avaliações técnicas, tenho que não há espaço para dúvidas de que o acusado praticou os atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a ofendida.

Oportuno registrar que, quando o abuso sexual não deixa vestígios, como ocorre no caso...

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