Acórdão nº 50005521920218210086 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005521920218210086
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003209443
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000552-19.2021.8.21.0086/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

A sentença julgou parcialmente procedentes os embargos à execução opostos por ORLANDO R. COELHO à execução que lhe move BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

Transcrevo a sentença, que serve ao relatório e ao voto (evento 29 - SENT1, do processo originário):

Vistos.

I Relatório

ORLANDO R. COELHO apresentou embargos à execução que lhe move BANCO SANTANDER (BRASIL S.A).

A parte embargante alega, em síntese, que: foi firmada cédula de crédito bancário em benefício da empresa embargante; o título que aparelha o feito executivo não é exigível; o título apresentado não detém a liquidez necessária para ser executado; o contrato celebrado por adesão ostenta cláusulas abusivas que violam o Código de Defesa do Consumidor; os juros remuneratórios foram pactuados em patamar superior ao permitido; foi cobrada comissão de permanência; houve cobrança de Taxa de Abertura de Crédito; houve venda casada de seguro; as demais cláusulas oneram excessivamente os contratantes. Ao cabo, postularam a extinção do feito executivo ou, alternativamente, a revisão do contrato, com a declaração de nulidade das cláusulas abusivas, devendo ser descaracterizada a mora e realizada a compensação/repetição de valores. Juntaram documentos.

Concedida a gratuidade da justiça aos embargantes (evento 3).

Recebidos os embargos (evento 3).

Intimada, a embargada apresentou impugnação (evento 12), alegando, em síntese, que: a empresa embargante não preenche os requisitos autorizadores para concessão do benefício da gratuidade da justiça; não é aplicável à hipótese as disposições do Código de Defesa do Consumidor; o título que instrui a execução preenche os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade; os juros pactuados encontram-se dentro do limite legal; não foi cobrada comissão de permanência; a conta apresentada pela parte embargante está equivocada, não havendo excesso de execução. Pugnou pela improcedência dos embargos. Juntou documentos.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o apertado relatório. Decido.

II Fundamentação

A metodologia de trabalho parte da identificação da controvérsia (o caráter problemático do direito). Verificadas as hipóteses em confronto, a atividade interpretativa da unidade fático-jurídica é decorrente de um processo lógico-argumentativo intersubjetivamente controlável (racional) que conta com justificação interna e justificação externa. A justificação interna encerra a lógica da ausência de contradição e teste de completude do discurso. A justificação externa oferece razões que sustentem as individualizações, valorações e escolhas para a composição dos enunciados jurídicos e das proposições fáticas que integram a decisão judiciária.

A execução em apenso está aparelhada em cédula de crédito bancário, da qual teriam remanescido obrigações inadimplidas. Os embargos à execução referem a inexigibilidade do título e o excesso de execução, este verificado em decorrência da abusividade das cláusulas contratuais.

1 A impugnação ao benefício da gratuidade da justiça

Respeitosamente, verifica-se que não prospera a impugnação à concessão do benefício da gratuidade da justiça, uma vez que a parte embargada não trouxe aos autos qualquer documento comprovando que a situação financeira da parte embargante tenha se modificado desde a decisão de deferimento (evento 3), a qual foi fundamentada nos documentos acostados à exordial.

Sobre o tema:

APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DESACOLHIDA. PRELIMINAR. INÉPCIA DA INICIAL. AFASTAMENTO. JULGAMENTO CONFORME OS PARÂMETROS DO STJ. Preliminar de impugnação à gratuidade da justiça: Na impugnação ao benefício da gratuidade da justiça, cabe ao impugnante fazer prova de que o postulante tem condições de arcar com o ônus sucumbencial. No caso, a parte impugnante não logrou êxito em provar tal situação, sendo, portanto, imperiosa a manutenção da benesse concedida. (...) RECURSO DO RÉU DESPROVIDO E RECURSA DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70082681214, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 24-10-2019)

2 A regularidade do título executivo

O princípio da cartularidade estabelece que o próprio título executivo extrajudicial firmado entre as pessoas deverá aparelhar a execução. Intuitivo que se trata de uma regra geral anterior à massificação do consumo e à massificação do próprio crédito, isso é da época em que as cambiais eram endossadas com as formalidades dos negócios manufaturados.

Os tempos são outros. A industrialização do crédito pelas instituições financeiras ensejou maior agilidade e maior portabilidade nos títulos. Todo mundo ganha, e, eventualmente, o fator risco está internalizado nos negócios. De qualquer maneira, as pessoas que se beneficiam dos créditos são sabedoras da fungibilidade dos instrumentos que materializam o crédito.

Se outrora o crédito emergia do título, hoje o título que instrumentaliza o crédito. É a regra geral do grande consumo do crédito e da rotação linguística operacionalizada pelas instituições financeiras.

Nesses termos:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO (PESSOA JURÍDICA). 1. Mostra-se regular o ajuizamento de ação de execução fundada em cópia autenticada da Cédula de Crédito Bancário Firmado entre os litigantes. 2. (...) APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70053747366, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 23/05/2013)

Na hipótese dos autos, a execução está lastreada na cédula de crédito bancário (evento 1 - CONTR3 do apenso), firmada em 05/11/2019, a qual veio acompanhada do cálculo demonstrando a evolução do débito.

Quanto à alegação de ausência dos requisitos do título extrajudicial, observa-se que a Lei nº 10.931/2004, em seu art. 28, prevê que a Cédula de Crédito Bancário “é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º.”

Respeitosamente, ao que se observa do título que aparelha a execução, vislumbra-se o preenchimento dos requisitos da Lei nº 10.931, bem como do art. 784 do CPC/2015, impondo-se o reconhecimento de que o feito executivo encontra-se embasado em título certo, líquido e exigível.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. OBJETO. - Cédula de Crédito Bancário nº 2014019030141105000007, no valor de R$ 100.000,00, datada de 25/08/2014, com vencimento final em 20/08/2016. RECURSO DA PARTE EMBARGANTE INCONSTITUCIONALIDADE DA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. INOCORRÊNCIA. TÍTULO EXECUTIVO CERTO, LÍQUIDO E EXIGÍVEL. Nos termos dos artigos 28 e 29 da Lei nº 10.931/2004 c/c o art. 784, XII, do CPC, a cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial. Outrossim, conforme previsto no mesmo dispositivo da lei referida, a Cédula de Crédito Bancário representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo. Logo, não há falar em inconstitucionalidade dos artigos 26 a 45 da Lei 10.931/2004. Ademais, a parte exequente acostou aos autos o contrato objeto da ação de execução, bem como planilha de evolução do débito, documentos suficientes a instruir a execução. Sentença mantida. (...) APELO DA EMBARGANTE DESPROVIDO. APELO DA EMBARGADA PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70082134289, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 28-08-2019)

3 A peculiaridade da relação jurídica – contrato bancário acostado ao processo

As partes firmaram uma modalidade de contrato bancário.

Esse tipo de contratação é o mais corriqueiro da atualidade, afinal, todo mundo precisa do crédito para sobreviver, sendo notório que os bancos financiam a economia do país. O mercado reclama o crédito.

Duas consequências são correlatas a essa realidade mercantil: de um lado, os bancos possuem prerrogativas para pautar taxas e estabelecer o preço dos produtos e serviços que eles entregam às pessoas; de outro lado, os bancos devem atender a pelo menos um dever preciso e objetivo – a clareza, a informação e, enfim, a transparência contratual.

Não adianta um contrato remeter a outro contrato, que remete a outro contrato, que remete a outro contrato, que, por sua vez, está arquivado no cartório ou em um estabelecimento congênere. A verdade é que sequer ao processo, por vezes, o contrato aparece.

O sujeito nem sabe mais o que está pagando. Isso é o tão propalado chamado 'custo-Brasil' – essa cifra está em tudo, mas ninguém sabe a quantificar. O consumidor merece um mínimo de transparência e informação. E o Código do Consumidor incide ao caso, consoante a Súmula 297 do STJ pacificou: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Na virtude dessa natureza jurídica, é cabível que o consumidor discuta as cláusulas contratuais que está pagando, as cláusulas que o endividaram. Chega a ser direito fundamental, pois o crédito e uma contratação equilibrada impulsionam a economia do país.

Logo, eventuais abusividades podem ser analisadas pelo judiciário no decorrer da vivência da contratação e no próprio desenrolar do endividamento. Se o mercado confere prerrogativas ao sistema bancário, da...

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