Acórdão nº 50005545520218210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50005545520218210064
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002275051
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000554-55.2021.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ALLIANZ SEGUROS S/A, inconformada com a sentença (Evento 30 – SENT1 da origem) que julgou improcedente a ação de indenização ajuizada em face de RGE - SUL DISTRIBUIDORA GAÚCHA DE ENERGIA S/A.

Em suas razões (Evento 35 – APELAÇÃO1 da origem), argumenta ter realizado a prova do nexo de causalidade através dos documentos trazidos com a inicial. Aduz que a teor do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil, a prova de fato impeditivo, modificativo ou extinto do direito da apelante é da concessionária apelada. Discorre sobre a responsabilidade objetiva da apelada. Argumenta que as provas produzidas nos autos demonstram que os danos são decorrência da descarga atmosférica na rede elétrica e que o segurado acionou, extrajudicialmente, a concessionária de energia, trazendo o protocolo de número 0548932579, que não se trata de um mero pedido de informação, mas sim de um pedido de ressarcimento. Discorre sobre a nova lei de liberdade econômica; o fundo mutual; e o art. 113 do Código Civil, que prevê a interpretação dos negócios jurídicos conforme a boa-fé. Defende a desnecessidade de esgotamento da via administrativa e notificação à concessionária. Aponta a inércia da concessionária em vistoriar os equipamentos. Pugna pela aplicação do CDC. Discorre sobre a presunção da perturbação na rede elétrica como causa do dano. Colaciona jurisprudência. Requer o provimento da apelação, julgando-se procedente a demanda.

Contrarrazões no Evento 40 – CONTRAZAP1 da origem.

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato nº 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de ação regressiva proposta por seguradora contra concessionária de energia, buscando o ressarcimento dos valores despendidos para a reparação de danos em virtude de sinistros consistentes em distúrbios elétricos que atingiram os bens eletroeletrônicos do segurado Luiz Carlos Ceolin".

Julgada improcedente a ação, recorre a parte autora.

Na demanda regressiva, em virtude de contrato de seguro firmado com o segurado, a parte autora, na condição de seguradora, se sub-roga no direito daquele de pleitear a indenização pelos danos causados pela concessionária de energia. Isto porque a seguradora já pagou ao segurado a indenização prevista na apólice contratada, tendo direito de regresso, portanto, contra o verdadeiro causador do dano.

Assim dispõe o art. 786 do Código Civil, verbis:

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

O art. 349 do mesmo diploma legal, por sua vez, consagra o seguinte:

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

A parte demandada, por seu turno, na qualidade de concessionária de energia, é prestadora de serviço público, respondendo objetivamente pelos danos causados em decorrência de defeito na prestação dos serviços, na forma do art. 37, §6º, da CF, e do art. 14, caput, do CDC.

Nessa seara, para restar configurado o dever de indenizar, basta a existência concorrente de dois elementos: a) o dano efetivo, moral e/ou patrimonial; e b) o nexo causal entre o defeito do serviço e a lesão sofrida pelo consumidor.

Portanto, uma vez comprovado o prejuízo e o nexo de causalidade, resulta o dever de indenizar, exceto se demonstrada alguma excludente de responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior ou, ainda, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, interpretação esta que se extrai do § 3º do art. 14 do CDC.

Assim, incumbe à concessionária prestar adequadamente o serviço, com qualidade e de forma contínua, respondendo objetivamente pelos prejuízos ocasionados por eventual interrupção e demora injustificada no seu restabelecimento, exceto se lograr comprovar o rompimento do nexo causal ou demonstrar alguma causa excludente de responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro.

Nesse particular, no que pertine ao ônus da prova em demandas como a presente, releva salientar que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor prevê, no seu art. 6º, VIII, como direito básico do consumidor, “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".

Outrossim, o Código de Processo Civil, no seu art. 373, dispõe sobre a possibilidade de inversão do ônus da prova em hipótese de impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo probatório pela parte que deveria fazê-lo, verbis:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4o A convenção de que trata o § 3o pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Assim, inobstante a autora, na condição de seguradora, se sub-rogue no direito de seus segurados de pleitear a indenização pelos danos causados pela concessionária de energia, ex vi dos artigos 786 e 349 do Código Civil, supracitados, incumbe a ela o ônus de efetivamente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano suportado e eventual falha de serviço fornecido pela ré, produzindo, nesse sentido, a chamada “prova de primeira aparência”.

Como é consabido, o ônus da prova é a forma de facilitar a atividade probatória, transferindo-se a quem detém melhores condições de demonstrar como ocorreram os fatos. No caso, nos termos do posicionamento majoritário adotado neste Órgão Fracionário, a despeito da aplicação das normas consumeristas e da consequente inversão do ônus da prova, decorrentes da sub-rogação, segue a seguradora responsável por produzir, minimamente, provas dos fatos constitutivos do seu direito, a teor do que dispõe o art. 373, I, do CPC. E tal inclui o fato de demonstrar que notificou a concessionária à época dos fatos, facultando-lhe o exame dos aparelhos avariados e, com isso, efetivando o contraditório no que diz com a possibilidade de provar a existência ou a inexistência do nexo causal.

Nesse sentido converge o entendimento jurisprudencial desta Câmara, servindo de exemplo as decisões a seguir ementadas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO REGRESSIVA MOVIDA POR SEGURADORA SUB-ROGADA NOS DIREITOS DO SEGURADO/CLIENTE/USUÁRIO. INCIDÊNCIA DO CDC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE NÃO EXIME O CONSUMIDOR DE FAZER PROVA MÍNIMA DOS FATOS CONSTITUTIVOS DE SEU DIREITO. A jurisprudência – inclusive dos tribunais superiores – há muito pacificou entendimento de que as empresas seguradoras, quando movem as ações regressivas, devem ser consideradas consumidoras por sub-rogação, possuindo os mesmos direitos, privilégios e garantias de seu segurado/consumidor, de sorte que atrai, assim, a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, a incidência do CDC ao caso concreto, inclusive da regra de inversão do ônus da prova, não dispensa seguradora, consumidora por sub-rogação, de fazer prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito, prova essa que inclui a exibição do requerimento administrativo previsto nos arts. 204, 205 e 206 da Resolução Normativa nº 414/2010 da ANEEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 70083496620, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em: 29-04-2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA CONTRA A CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO OPERADA. Caso concreto em que, embora aplicável o Código de Defesa do Consumidor, não se justifica a inversão do ônus da prova postulada. A sub-rogação transfere à seguradora todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo credor, conforme jurisprudência majoritária desta Câmara e do Superior Tribunal de Justiça ao interpretar os artigos 349 e 786, caput, do Código Civil. A aplicação do CDC é inquestionável; no entanto, isso não exime a agravante de demonstrar a verossimilhança de suas alegações, consequência da aplicação do princípio dispositivo, inerente à distribuição do ônus da prova, o qual determina que...

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