Acórdão nº 50005625020208210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50005625020208210037
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001532052
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000562-50.2020.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: BANCO AGIBANK S.A (RÉU)

APELADO: REGINA IARA GONZAGA GALARCA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO AGIBANK S.A, nos autos da ação declaratória c/c restituição de valores e indenização por dano moral, que lhe move REGINA IARA GONZAGA GALARCA, em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Regina Iara Gonzanga Galarça em face de Banco Agibank S/A, para DECLARAR a descaracterização do Contrato de Cartão de Crédito Consignado e a abusividade da cláusula que prevê a cobrança das parcelas do empréstimo através de descontos a título de reserva de margem consignável (RMC) e, assim, CONVERTÊ-LO para “Empréstimo Pessoal Consignado”, DETERMINANDO o recálculo da dívida, em sede de liquidação de sentença, nos termos da fundamentação supra e, na presença de saldo devedor por parte da autora, autorizar os descontos diretamente no seu benefício até que seja atingido o novo valor da dívida, desde que haja margem de empréstimo consignável disponível ou, na presença de saldo credor em favor da autora, determinar a repetição na forma simples, incidindo juros de mora de 1% ao mês contados a partir da citação, além de correção monetária pelo IGP-M desde a data de cada desconto realizado.

Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao rateio das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios do procurador da parte adversa, arbitrados em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), nos termos do art. 85, §2° do CPC, considerando, para tanto, o trabalho realizado, o tempo de tramitação do feito e a natureza singela da demanda. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a contar da publicação da presente sentença. Ainda, deverão incidir juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, na forma do art. 85, §16° do CPC. Suspendo, todavia, a exigibilidade dos encargos em relação à autora por litigar sob o manto da gratuidade de justiça.

Vedada a compensação de honorários de sucumbência, na forma do art. 85, §14° do CPC.

Publicação e registro eletrônicos.

Agendada intimação das partes pelo sistema.

(Dra. KARINA DE OLIVEIRA LEONETTI PADILHA, Juíza de Direito do Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Uruguaiana/RS).

Em suas razões, a parte demandada sustentou, preliminarmente, a falta de interesse de agir da parte autora, uma vez que esta utilizou os serviços de cartão de crédito consignado, autorizando os descontos em seu benefício previdenciário. Defendeu a impossibilidade de conversão do contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo pessoal consignado, porquanto a margem de consignação da parte autora está completamente comprometida. Aduziu que não possui autorização do órgão pagador para realizar a consignação dos valores em margem diferente daquela a que se destina o contrato. Discorreu acerca da inexistência de valores a serem repetidos à parte autora. Requereu o julgamento de improcedência dos pedidos.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 100).

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE.

O prazo para interposição de recurso de apelação pelo banco encerrou em 19/10/2021 (evento 90), sendo o recurso interposto em 18/10/2021, devidamente preparado (evento 96). Assim, o recurso foi interposto dentro do prazo recursal previsto no artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, qual seja, de 15 dias.

RELATO DOS FATOS.

Trata-se de ação declaratória c/c restituição de valores e indenização por dano moral, na qual a parte autora sustentou que foi induzida a erro ao contratar um cartão de crédito consignado, quando, na verdade, estava realizando um empréstimo pessoal consignado. Afirmou que estão sendo cobrados juros abusivos, bem como que as parcelas são intermináveis. Requereu, desta forma, a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito com margem consignável, com a conversão do contrato contrato para empréstimo pessoal consignado, sendo determinada a compensação/repetição em dobro do indébito.

Em sede de contestação, a parte ré, inicialmente, discorreu sobre a tentativa de mediação e da falta de interesse de agir da parte autora. No mérito, defendeu que a autora contratou o cartão de crédito, por meio do “Proposta de Adesão Cartão de Crédito Consignado e Autorização para Desconto em folha de Pagamento”, onde consta de forma expressamente a referida modalidade. Referiu que, no ato da contratação, foi disponibilizado à autora o valor de R$200,00, no dia 26/01/2016, por meio de transferência bancária. Aduziu a impossibilidade de liberação da margem consignada, bem como da modificação da modalidade da contratação. Requereu o julgamento de improcedência dos pedidos, com a condenação da autora ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Postulou, em caso de condenação, a compensação do valor recebido pela parte autora.

Sobreveio sentença de parcial procedência (evento 89).

Feito um breve relato dos fatos, passo à análise do mérito.

PRELIMINAR. CARÊNCIA DE AÇÃO.

Defendeu a parte demandada que a autora utilizou os serviços de cartão de crédito consignado, autorizando os descontos em seu benefício previdenciário, motivo pelo qual não haveria interesse de agir na presente demanda.

Desta forma, conforme se observa a preliminar de carência de ação arguida pelo banco confunde-se com o mérito recursal, portanto será analisada conjuntamente com o apelo.

RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º, incluiu expressamente a atividade bancária no conceito de serviço, nos seguintes termos:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. - grifei.

Desta forma, não restam dúvidas de que é aplicável às operações bancárias o Código de Defesa do Consumidor, entendimento, inclusive, sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 297, in verbis:

Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, respondendo, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes por defeitos/falhas decorrentes dos serviços que lhes presta, conforme dispõe o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. – grifei.

Trata-se, assim, de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, consoante doutrina de Sérgio Cavalieri Filho “(...) todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade e executar determinados serviços. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor (de produtos e serviços) e não do consumidor”.

Portanto, os requisitos para a configuração da responsabilidade são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o nexo causal, enunciadas no §3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Como visto, alegou a autora que foi induzida em erro na celebração de um contrato de cartão de crédito consignado, quando, na verdade, buscava a contratação de um empréstimo pessoal consignado.

A parte demandada, por sua vez, defendeu a regularidade da contrato do cartão de crédito consignado, o qual teria sido contrato regularmente pela autora.

No caso, entendo que restou demonstrada a falha na prestação do serviço da instituição financeira demandada, quando foi entregue à autora produto diverso do qual ela pretendia adquirir, ou seja, no momento em que a autora, achando que estava contratando empréstimo pessoal consignado, celebrou contrato de cartão de crédito consignado.

É importante salientar que não há qualquer indicativo nos autos de a autora tenha utilizado o contrato firmado na modalidade de cartão de crédito, já que comprovado que apenas houve o saque do valor do contrato com o cartão, não havendo indícios da realização de compras ou qualquer outra operação.

Logo, verificada a falha na prestação do serviço, bem como a simulação e o erro na realização do negócio jurídico, passa-se à análise da validade da contratação.

NULIDADE DO CONTRATO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - RMC.

A cláusula que prevê a...

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