Acórdão nº 50005675220188210034 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 20-04-2022

Data de Julgamento20 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50005675220188210034
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001704375
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000567-52.2018.8.21.0034/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: LEOMIR DA SILVA AMARAL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por LEOMIR DA SILVA AMARAL, por intermédio da Defensoria Pública, e pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, da sentença que, nos autos da ação de obrigação de fazer, tornando definitiva a liminar, julgou procedente o pedido para condenar os demandantes ao fornecimento dos fármacos SOFOSBUVIR 400 MG (trinta comprimidos ao mês) e DACLATASVIR 60 MG. Ainda, extinguiu o feito, com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC). Por fim, sem condenação em honorários advocatícios, condenando apenas o réu em despesas processuais (Evento 3, PROCJUDIC5, p. 12 a 21).

O Estado, após historiar o feito, sustenta que devem ser observadas as Teses fixadas pelos Tribunais Superiores, relativas à matéria de saúde, possuindo caráter vinculante perante as demais instâncias do Poder Judiciário, conforme artigos 927, inciso III e 988, incisos II e IV, e 5º, inciso II, do CPC. Alega que a responsabilidade para com assistência à saúde é dever compartilhado entre os Municípios, os Estados e a União, conforme artigos 23, II, e 198, da Constituição Federal. Pondera que a Portaria nº 1554/2013 dispõe sobre as regras de financiamento e execução do CEAF, apresentando divisão do elenco de medicamentos em grupos, definindo responsabilidades de financiamento e execução entre os entes federados. Aduz que, embora mantido o entendimento pela solidariedade dos entes públicos, é necessário que ocorra o ressarcimento daquele que tenha suportado indevido ônus financeiro. Assevera que devem ser considerados os critérios definidos pelo julgamento do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo necessário o direcionamento do cumprimento ao ente público que detém competência administrativa legalmente estabelecida, e, diante do presente caso, a responsabilidade é da União e ela, por sua vez, deve integrar o polo passivo da demanda. Pondera que a organização do sistema de saúde é realizada segundo as condições de atendimento e as possibilidades orçamentárias de cada ente público, portanto, para a sobrevivência do sistema, o atendimento à saúde pública deve ser feita pelos entes federados. Reforça que a obrigação deve ser suportada pela União, já que os medicamentos postulados têm sua aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde. Cita a Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sustenta que não pode ser responsabilizado pelo fornecimento do tratamento postulado, sobretudo quando a prestação de saúde requerida é de alto custo, em conformidade com o Tema 06 do STF. Discorre acerca da aplicabilidade ou justificativa dos motivos que afastam a sua responsabilidade no caso em questão com dispositivos constitucionais e legais. Colaciona julgados. Salienta que o ressarcimento, pela União, dever ser determinado pelo juízo, nos próprios autos do processo judicial. Tece consideração acerca do direito aplicável. Pugna, ao final, pelo conhecimento e provimento do presente recurso, reformando-se a sentença. (Evento 3, PROCJUDIC5, p. 23 a 34)

Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora (Evento 3, PROCJUDIC5, p. 35 a 46).

A parte autora, após tecer breve histórico dos fatos e da tempestividade do recurso, insurge-se com o afastamento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública (FADEP). Colaciona julgados. Alega que as alterações constitucionais trazidas pelas Emendas 45/2004, 74/2013 e 80/2014 instituem a autonomia funcional, administrativa e orçamentária da Defensoria Pública, superando, assim, a Súmula 421 do STJ. Aduz que não há falar, portanto, em incidência do instituto da confusão, uma vez que não há identidade entre credor e devedor. Sustenta que a previsão para pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública encontra amparo legal no art. 4° da Lei Complementar 80/1994. Cita a Lei 10.298/94, que regulamenta o Fundo de Reaparelhamento da Defensoria Pública. Requer, ao fim, após o recebimento do recurso de apelação, o seu provimento, a fim de se alterar a sentença impugnada, condenado o Estado ao pagamento de honorários em favor da FADEP, com força no art. 134, § 1°, da Constituição Federal, combinado com o art. 4° da LC 80/94, nos moldes do art. 85 do CPC, que ora se prequestiona. (Evento 3, PROCJUDIC5, p. 47 a 49 e Evento 3, PROCJUDIC6, p. 01 a 08)

Foram apresentadas contrarrazões pelo Estado (Evento 3, PROCJUDIC6, p. 10 a 16).

O Ministério Público, nesta instância, opina pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (Evento 09 do recurso).

É o relatório.

VOTO

Rigorosamente, o ente público, ora apelante, não impugnou a necessidade expressada pela parte autora da demanda de lhe ver dispensado o tratamento perseguido. O que fez, tão-só, foi tentar afastar de si a atribuição da responsabilidade de fornecimento dos fármacos SOFOSBUVIR e DACLATASVIR.

Nessas condições, nem se fazia necessário desenvolver maiores digressões para a positivação de que necessário o tratamento, sobre o que, bem se vê, não mais se controverte nesta dada quadra processual.

Vale, porém, a observação de que, de fato, conforme documentos que formam os autos, especialmente os firmados pela especialista em gastroenterologia e endoscopia digestiva Claudia Carvalho de Moraes (CRM: 27.801), trata-se, o autor, de portador de hepatite C crônica (CID B18.2), genótipo 2, sendo-lhe prescrito os fármacos SOFOSBUVIR e DACLATASVIR, para tratamento de 12 semanas:

"O paciente LEOMIR DA SILVA AMARAL. 56 anos, possui hepatite C crônica, CID B18.2, genótipo 2. com história de provável contaminação em 1973 em transfusão sanguínea. O paciente apresenta plaquetopenia severa, desde a infância, motivo dos sangramentos com necessidade de transfusões sanguíneas com frequência. A plaquetopenia está sendo exacerbada pelo Vírus da Hepatite Ceo tempo de infecção do paciente é longo (...) SOLICITO TRATAMENTO URGENTE devido RISCO DE VIDA causado pela plaquetopenia.".(Evento 3, PROCJUDIC1, p.27)

Expressou a facultativa que se trata de medicações padronizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), "mas não está sendo distribuída há vários meses e o paciente necessita de tratamento URGENTE para evitar sangramento" (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 29/31). Na ocasião a autora apresentou relatório demonstrando que o estoque dos medicamentos pelo Estado estava zerado (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 25).

Diante de tais circunstâncias, lançou mão a parte da jurisdição, obtendo a antecipação de tutela em 17/12/2018 (Evento 3, PROCJUDIC1, Páginas 35/36).

Ainda, no curso da demanda, aportou aos autos laudo em que a médica expressou o encerramento do tratamento, de 12 semanas, em novembro de 2019 (Evento 3, PROCJUDIC5, Página 11).

E essas peculiaridades do caso vão destacadas muito mais à guisa de ilustração, na medida em que, repiso, nem se pôs em dúvida a necessidade e pertinência do encaminhamento que se deu ao atendimento ao direito à vida e saúde, fixando-se a insurgência apenas na alegação de que não seria da responsabilidade do apelante o fornecimento dos fármacos, responsabilidade que seria da União.

Ocorre que esses medicamentos fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), conforme a Política Nacional de Medicamentos (Portaria GM/MS n.º 3.435, de 8 de dezembro de 2021).

Ainda, em consonância com tais dados, tem-se que os medicamentos fazem parte dos fármacos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e, mais, encontram-se em conformidade com os critérios estabelecidos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para o tratamento de Hepatite C e Coinfecções (atualizada em 27/03/2019).

Assim, consta na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 2022 RENAME (https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2022/02/ 20210367 RENAME-2022.pdf). Diante de tais circunstâncias, não há falar em ressarcimento pela União Federal, ainda mais que necessitasse ser disposto nestes autos.

Como sabido, a responsabilidade pela saúde pública é do Poder Público, compreendido como qualquer um dos seus entes, conforme leitura dos artigos 23, II, e 196, da Constituição Federal, normas definidoras de direitos e garantias fundamentais e que têm aplicação imediata. Também, a Constituição Estadual, pelo princípio, da simetria, prevê no seu artigo 241: A saúde é direito de todos e dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação.

Trata-se, portanto, o direito à vida e à saúde, de garantias fundamentais de todo o ser humano, que ao Estado compete zelar.

Quanto à importância do tema, manifestou-se o eminente Ministro Celso de Mello no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Liminar 47:

“Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público dispunha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseja maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com a base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.

O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo...

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