Acórdão nº 50005874020148210048 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50005874020148210048
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001719131
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000587-40.2014.8.21.0048/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nos autos da ação que lhe move GABRIELLE HIÁ BERTAN DA SILVA, representada nos autos por sua genitora, LUCIANA ISOTTON BERTAN DA SILVA, em face da sentença que julgou procedente a demanda, nos seguintes termos:

Em suas razões, invoca a tese fixada no Tema nº 793 do STF, alegando a necessidade da inclusão da União no feito, visto que o tratamento pleiteado não é fornecido por nenhum dos entes públicos. Assevera que o SUS oferece serviço de fisioterapia de acordo com uma ordem de atendimento, e favorecer a parte feriria o princípio da isonomia. Afirma que, de acordo com a nota técnica elaborada pela Secretaria Estadual da Saúde e outra pela Justiça Federal, não há evidência científica da superioridade do Método Bobath se comparado com outras abordagens fisioterapêuticas convencionais. Ainda, aduz acerca da responsabilidade do plano de saúde contratado pela parte autora do fornecimento das sessões de fisioterapia, que não poderia negar cobertura. Pugna pela inclusão da União e exclusão do Estado do polo passivo e a remessa do autos à Justiça Federal, e caso não acolhido, requer que seja periodicamente apresentados laudo circunstanciado, firmado por médico, indicando os efeitos positivos concretos decorrentes especificamente da utilização do tratamento alternativo deferido. Prequestiona os dispositivos legais.

Após contrarrazões, o Ministério Público exarou parecer opinando pelo parcial provimento do recurso.

Ao depois, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade, e passo à sua análise.

Cuida-se de ação ajuizada por GABRIELLE HIÁ BERTAN DA SILVA, representada nos autos por sua genitora, LUCIANA ISOTTON BERTAN, em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, para fins de obter o fornecimento do tratamento de fisioterapia motora pelo método de Bobath, 3x por semana, por ser portadora de Paralisia Cerebral, CID G80.0, com grande potencial de desenvolvimento neurológico e motor.

Deferida a tutela de urgência, fl. 18.

Ao longo do trâmite, após diversos bloqueios judiciais para cumprimento da tutela de urgência, restou colacionado pela demandante atestado médico da Unimed Nordeste-RS, oportunidade em que o Estado do Rio Grande do Sul requereu a expedição de ofício ao plano de saúde, com resposta à fl. 454, informando que a autora é segurada e não realizou solicitação de fisioterapia pelo método Bobath, embora coberta pelo plano.

Realizados novos bloqueios, à fl. 559, após diligenciar com o plano de saúde, a autora requereu a procedência da ação, com a confirmação da tutela e urgência; todavia, com a expressa ressalva de desnecessidade de o Estado fornecer o tratamento à parte autora no porvir, eis que o tratamento passou a ser custeado pela Unimed a partir de setembro de 2019.

Elaborada perícia judicial com a autora, conforme laudo de fls. 590/595.

Encerrada a instrução, o Estado do Rio Grande do Sul requereu expressamente que, quando do julgamento da ação, fosse levado em consideração que a menor possui plano de saúde, o qual vem prestando o tratamento.

Ao fim, sobreveio a sentença proferida pelo Juízo a quo, a qual confirmou a tutela provisória de urgência, mantendo a obrigação do réu em fornecer o tratamento requerido, nada referindo acerca do plano de saúde.

Dessa decisão, insurgiu-se o Estado.

Pois bem.

Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo assegurado o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Compete ao Poder Público, independentemente da esfera institucional a que pertença, a responsabilidade de cuidar do sistema de saúde posto à disposição da população, o que permite ao cidadão direcionar a busca por seus direitos a qualquer dos entes públicos. Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum, em matéria administrativa, para cuidar da saúde e assistência pública, consoante dispõe o art. 23, inciso II, da Constituição Federal, inexistindo ordem na busca dos serviços e ações.

No que tange ao funcionamento do SUS, vale destacar que há responsabilidade solidária dos entes federativos, detendo, todos, legitimidade passiva para figurar no polo passivo de ações que versem sobre os serviços e ações de saúde. Os entes públicos possuem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe.

No entanto, tal obrigação não prevalece nos casos em que a parte possui plano de saúde privado que cobre o tratamento vindicado. Em tais casos, destaca-se, em primeiro lugar, a obrigação contratual entre o consumidor e o plano de saúde privado, arcando o Poder Público somente com a obrigação residual de custear despesas não cobertas pelos planos, quando for o caso.

Logo, diante das particularidades, não se há aplicar o Tema º 793 do Supremo Tribunal Federal ao caso concreto, frente à obrigação contratual do plano de saúde, que se sobrepuja à do Estado.

Com efeito, o artigo 199 da Constituição Federal é claro ao dispor que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios às instituições privadas:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Neste sentido, embora diversas sejam as soluções processuais adotadas a depender do caso concreto, esta Corte vem gradualmente reconhecendo a responsabilidade primária dos planos de saúde (contratual), frente à obrigação constitucional dos entes públicos:

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA CÂNCER (HERCEPETIN 440MG). PARTE QUE POSSUI PLANO DE SAÚDE PRIVADO. O ente federativo tem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe. Os documentos acostados ao presente feito dão conta da real necessidade médica da parte autora. In casu, porém, o Estado concorre de forma subsidiária com o plano de saúde privado, sendo legítimo a responder pela parte do tratamento que extrapola a cobertura. A Constituição Federal, em seu art. 199, §2º, veda expressamente a destinação de recursos públicos para atendimento de obrigações assumidas na alçada privada. Destarte, possuindo a parte autora plano de saúde privado, que custeia (e já custeou) 90% do tratamento médico pleiteado nos autos (UNIMED), cabível a condenação do ente federado a arcar com valores que não são englobados pela cobertura contratual de plano privado – 10%. Parcial provimento do recurso do Estado, a fim de reduzir sua responsabilidade, limitando-se ao fornecimento a 10% do tratamento, parte que não é coberta pela UNIMED, como consta incontroverso nos autos. RESSARCIMENTO. A autora buscou garantir o seu direito à saúde, diante do quadro de doença que a acomete, em franco prejuízo de suas necessidades, merecendo pronto ressarcimento do Estado, portanto, com relação aos 10% do tratamento que arcou. Provimento do apelo da autora. POR MAIORIA, EM ATENÇÃO AO VOTO MÉDIO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO ESTADO E PROVERAM O APELO DA AUTORA.(Apelação Cível, Nº 70084314335, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Redator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em: 29-09-2020). Grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE BENEFICIÁRIA DE PLANO DE SAÚDE PRIVADO. ILEGITIMIDADE DO ENTE PÚBLICO CONFIGURADA NO CASO CONCRETO. Ilegitimidade passiva do Município. O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada dos artigos , 23, II, 30, VII e 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual, independentemente da previsão do medicamento pleiteado estar ou não, nas listas do SUS, ou especificamente na lista correspondente ao ente demandado. Contudo, no caso dos autos, em que a parte autora é beneficiária de plano de saúde privado, tendo a instituição privada sido incluída no polo passivo, imperiosa a condenação exclusiva do plano de saúde. Inteligência do art. 199, §2º, da Constituição Federal. Destarte, imperiosa a manutenção da sentença, que julgou extinta a ação em relação ao ente municipal, porquanto parte ilegítima no presente feito. Ressarcimento dos valores. O caso dos autos possui peculiaridades que...

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